Há alguns dias publicamos um artigo intitulado "O que você gostaria de ter aprendido na faculdade de arquitetura mas nunca teve a oportunidade?", convidando nossos leitores a compartilhares suas opiniões sobre como o ensino de arquitetura e urbanismo poderia ser melhorado no Brasil. Sabe-se que a formação do arquiteto está longe de suprir todas as demandas que por ventura aparecem em sua vida profissional; além disso, sendo esta uma profissão bastante ampla, é virtualmente impossível abarcar satisfatoriamente em cinco ou seis anos todo o conteúdo que poderia ser útil para os muitos desdobramentos que pode sofrer a carreira de um arquiteto.
Deste modo, buscando informações na inteligência coletiva da qual fazem parte nossos milhares de leitores, compilamos a seguir alguns relatos de arquitetos e estudantes sobre possíveis carências no sistema de ensino da arquitetura no Brasil.
As opiniões são, em geral, bastante abrangentes e os leitores citam, por exemplo, a falta de atenção dada ao ensino das legislações municipais, a falta de preparo para o mercado de trabalho, a deficiência no ensino de disciplinas ligadas à área de tecnologia, a inerente abstração do ensino da arquitetura, que faz pouco uso de experimentações práticas, a carência de disciplinas que ensinem como gerir um escritório de arquitetura, entre outras.
Dentre os comentários recebidos no artigo original, não é possível definir com muita precisão um ou outro fator dominante, todavia, percebe-se uma ligeira inclinação dos leitores para dois pontos: as escolas deveriam fornecer alguma base em administração e gestão empresarial, tornando mais fácil o início da carreira daqueles que optarem por abrir seus próprios escritórios; e a necessidade de incorporar ao ensino da arquitetura e do urbanismo experimentos e trabalhos de ordem prática, desde canteiros experimentais até intervenções no ambiente urbano.
O tom dos comentários, em geral, mostra que as deficiências nas escolas de arquitetura e urbanismo não são poucas, estando presentes em várias frentes, com insatisfações manifestadas em relação a praticamente toda as áreas do ensino – de paisagismo ao cálculo de estruturas metálicas. É evidente que a quantidade de comentários que recebemos em nossa página não é o suficiente para calcular índices de insatisfação ou traçar um panorama da insuficiência do ensino de arquitetura no Brasil, todavia, é um indicativo valioso pois reúne opiniões de leitores de diversas partes do país, oriundos de diferentes instituições de ensino superior, que compartilharam conosco e com os demais leitores as carências com as quais tiveram que lidar.
Leia, a seguir, alguns comentários feitos por estudantes, jovens recém-formados e arquitetos já experientes sobre “o estado da arte” no ensino de arquitetura no Brasil. As opiniões – que dizem respeito às experiências dos leitores e não necessariamente refletem a opinião do corpo editorial do ArchDaily Brasil – foram agrupadas por “tema” e ajudam a elucidar o que foi dito acima.
Administração e gestão de negócios
"Empreendedorismo, gestão de negócios, e tudo relacionado. Somos ótimos técnicos, ótimos para discutir arquitetura e urbanismo, mas não sabemos gerir nossos negócios. Sonhamos sempre ser autônomos, mas poucos tem sucesso administrando seu próprio escritório/empresa." - Leticia Basso
"Com toda certeza a parte administrativa de um negocio, como gestão de um escritório, e na pratica, um projeto como todo, desde seus estudos iniciais, desenvolvimento de um projeto, toda etapa de calculo, estudos de conforto, cotações, contratação de construtoras e orçamento e o acompanhamento da obra. Isso deveria ser ofertado por todo o curso além de espaço físico em que os alunos pudessem ter disponível para criação de seu projeto (podendo ser um galpão, um deposito, um pequeno estúdio, qq que seja, desde que seja escala real)..." - Sergio Marcondes
"Como gerenciar o meu negócio, ou seja, um escritório. As faculdades de arquitetura não ensinam como lidar com o 'lado empresarial' necessário a um profissional liberal. Assim, entendo que a grande maioria dos profissionais aprendeu isso na prática. Inclusive eu..." - Marcelo Anderson
Incorporar o ensino prático na graduação
"Acredito que a parte de experimentação da construção foi o que mais me fez falta. Na minha escola de arquitetura tudo é muito desenho, suposição, hipótese, pesquisa, software, e o que eu admiro em algumas escolas europeias e até latino americanas são as experimentações com sistemas construtivos, fiadas de tijolos, blocos estruturais, testes em construção parametrizada, de madeira, acrílico. Sei que para algumas coisas isso demanda tecnologia de ponta, maquinário, infraestrutura física, mas algumas dessas técnicas já são mais antigas e totalmente acessíveis, e cabe à nós arquitetos e a escola aplica-las de forma empírica." - Israel De Marco Pereira
"Como estudante, percebo que faltam ações do curso dentro do espaço da cidade em que a Universidade está inserida, e também na região. Trabalhamos projetos em diversos lugares da cidade, conhecemos sua história, seus bairros, legislações, onde os problemas estão. Temos ideias para tratar estes e, talvez por falta de incentivo ou mesmo de tempo [...] não aplicamos esse conhecimento. [...] Há ainda cadeiras de estágio, pesquisa, o próprio TCC, mas mesmo estas tem um contato muito superficial com a população, com o povo para quem vamos projetar, a quem vamos construir a cidade. Não penso que deveríamos ou poderíamos construir um edifício institucional ou um parque, afinal somos estudantes, mas gostaria que o curso nos aproximasse das comunidades, para resolver pequenos "problemas", conhecer histórias, ter convívio. Tudo é aprendizado, experiência." - Marcos D. Severo
Maior ênfase na área de tecnologia
"Sou estagiária, e estou no 8º semestre. Gostaria de ter aprendido na faculdade a respeito de acústica (não tive uma aula sequer), e na forma prática, os aspectos de conforto ambiental, como luz, térmica, insolação. Em sistemas estruturais, gostaria de ter aprendido detalhes construtivos e como representa-los nos projetos, isso ajudaria muito na hora de entender a prática da construção e no ato de projetar também. [...]" - Nayara de Paula
Rigor no ensino
"Gostaria de ter aprendido análise formal, a partir dos elementos da sintaxe própria da linguagem arquitetônica. Falo de coisas como a tese de Peter Eisenman, os Fundamentals de Koolhaas, etc. Tive uma formação moralista, tendenciosa e anacrônica na Escola de Arquitetura da UFMG, tanto em projeto, quanto em teoria. Depois, no dia a dia do ofício, sofri as consequências do que fui como estudante: ótimo de discurso, mas pouco hábil para lidar com os problema da forma arquitetônica. Desconfio que seja a mesmíssima coisa em qualquer outra escola daqui." - Edmar Ferreira Jr
Preparação para o mercado de trabalho
"Projetamos na faculdade para um mundo praticamente ideal. Quando saímos da academia para a vida profissional, é como se tudo aquilo que aprendemos fosse "utopia". O estágio tem o objetivo de aproximar o estudante da vida prática, contudo nem sempre conseguimos estágios em várias áreas, por exemplo, estagiei em escritórios mas não em obras, a minha faculdade não me preparou para a prática da arquitetura in loco, mas sim para a teoria. Acredito que as duas linhas de ensino são corretas, o que é importante é saber dentro do projeto pedagógico do curso, colocar mais disciplinas praticas que estejam ligadas ao mercado! Não tem como apenas ensinar locação de terreno ,por exemplo, sem mostrar como é feito isso na obra! Acho ainda que perdemos muito tempo como desenhistas em softwares desatualizados e deixamos de ler livros que ajudariam a projetar espaços mais humanos." - Ygor de Andrade
As escolas deveriam estimular a inovação
"Sou engenheiro, mas cursei arquitetura por dois anos e a minha esposa é arquiteta. O que sinto falta é o estimulo da parte criativa e inovadora do curso e principalmente ligando o sonho do projeto com as possibilidades executivas. Fazer um projeto é uma dificuldade, justificar o projeto é outra, cobrar pelo projeto outra, o custo de execução do projeto outro, a viabilidade financeira do projeto outro, compatibilizar o arquitetônico com as outras disciplinas..." - Gustavo Souza
Legislação urbana
"Legislação. Atualmente trabalho com licenciamento ambiental e urbanístico e vejo que enquanto minha faculdade (UFMG) forneceu uma base teórica bacana, e de história também, pecou muito em repassar os aspectos legais da profissão: refiro-me a uso e ocupação do solo, leis ambientais, parcelamento, etc. Era uma espécie de vale tudo na aula de projeto pois a ideia é trabalhar a criação, e ponto." - Denise Mintz
Veja mais opiniões dos leitores no artigo original, publicado no dia 11 de março, e deixe sua opinião na seção de comentários a seguir.