Como parte da cobertura do ArchDaily sobre a Bienal de Veneza 2016, apresentamos uma série de artigos escritos pelos curadores das exposições e instalações à mostra no evento.
Qualquer arquitetura é exibicionista. Exposições não são simplesmente locais para apresentação da arquitetura, são locais para a incubação de novas formas de arquitetura e novos meios de se pensar sobre arquitetura [1] – Beatriz Colomina
Uma bienal de arquitetura pode ser mais do que um local para apresentar e celebrar o status quo da produção arquitetônica. O estado de exceção da Bienal é sua distância espacial de onde as pessoas normalmente tentam abrir espaço para examinar e questionar criticamente as condições da produção e do trabalho cotidianos. Contudo, tecnologicamente falando, hoje em dia é possível mais do que nunca antes, no entanto, nos anos recentes, a latitude criativa dos arquitetos têm sido bastante refreada por uma enorme —e crescente—pressão de regulamentações e regras. Contra este cenário, a exposição arquitetônica tem se tornado cada vez mais um meio relevante para uma prática crítica da arquitetura. Compreendido nestes termos, uma exposição não é mais apenas um local para representar arquitetura ex post facto, como ainda é vista hoje em dia. Em vez disso, o fato de que a autonomia do espaço da exposição e sua distância do mundo “real” da arquitetura pública e privada, tem um potencial que está sendo cada vez mais reconhecido e utilizado. Exposições estão se tornando um local para pesquisar e produzir uma prática arquitetônica experimental e crítica: um local não para a apresentação de produtos finalizados, mas para a produção de conteúdo. As limitações e licenças simultâneas para se vivenciar, emprestados pela exposição focado no objeto de pesquisa, permitindo a emergência de novas ideias, interpretações e significados. Isto remete a se questionar o suposto limite entre arquitetura e exposição. Investigação se torna uma forma de apresentação.
Pensando sobre Incidental Space: A Exposição como Investigação
Até mesmo hoje, os pavilhões da Bienal tendem a montar exposições arquitetônicas relativamente clássicas, usando maquetes, desenhos e fotografias—mídia, em outras palavras, que se referem a uma realidade fora do espaço de exposição. Mas arquitetura também pode ser representada utilizando-se do próprio meio da arquitetura em si. É aqui que entra Christian Kerez: para ele, a exposição Incidental Space está na mesma altura que seus outros projetos arquitetônicos. Em qualquer um deles, a preocupação principal de Kerez, como arquiteto, é o conhecimento a ser ganhado em termos arquitetônicos.
É na busca por este conhecimento que Kerez, para a exposição no Pavilhão suíço de Bruno Giacometti em Giardini, construiu um espaço como um projeto arquitetônico. Este espaço é um evento que ocorre numa localização especifica e nela se justifica. Este espaço é destinado a apoiar apenas a si mesmo, como uma reivindicação ou uma tese; não para servir como uma ilustração de algum outro espaço além dele mesmo, ou como gesto em relação a alguma tendência arquitetônica. Não uma reprodução ou retrato; em vez disso, um processo e uma manifestação efêmera. Este espaço é uma experiência: uma pesquisa fundamental que investiga como espaços arquitetônicos podem ser concebidos e construídos, ambos em termos imaginários e técnicos. Nesta experiência, o espaço tem prioridade em relação a qualquer outra coisa: espaço como um conceito, como uma ideia. Porém, a manifestação física do espaço também é destinada a ser um evento, que dê a todos o visitantes um significado de acessibilidade ao projeto. Desta forma, o pavilhão suíço se torna um lugar de observação e experiência arquitetônico-espacial direta; no Giardini, espaços arquitetônicos como estes, são postos para apresentação. Neste local lindo e único, cercado por árvores, o Incidental Space se engaja num diálogo com sua localização contextual, pronunciando-se nos domínios das loucuras arquitetônicas, de quem o único objetivo é aprimorar e acentuar a singularidade da paisagem. Ao mesmo tempo, reflete nas conotações do local como um espaço para exposição histórica, um lugar onde a arquitetura sobrepõe os limites da arquitetura cotidiana, sujeito a como se é tipicamente para com funcionalidade, permanência e comunicabilidade.
Com isto como ponto de partida, o Incidental Space de Kerez tenta explorar os limites externos do que se pode ser conquistado na arquitetura hoje em dia—em termos tanto de viabilidade técnica, quanto os limites de nossa própria imaginação. Como pode-se utilizar os meios da arquitetura para se contemplar um espaço arquitetônico? Como poderia este tipo de espaço imaginário ser até mesmo visualizado e como poderia ser produzido? O objetivo deste projeto não era criar um espaço construído utilizando qualquer método construtivo, projetual ou programa espacial. Em vez disso, com a ajuda de um propósito arquitetônico abstrato, visava produzir um espaço "atomizado", um pequeno espaço com o máximo de complexidade e uma extensão exterior infinita—um espaço cujo caráter visual não pode ser facilmente decodificado, que não retrata ou representa qualquer outro espaço, que desafia de forma única e se abstém de qualquer legibilidade ambígua. Em suma, Christian Kerez buscou criar um espaço que não correspondesse de forma alguma a arquitetura que até agora já foi considerada um espaço arquitetônico.
Uma tarefa formulada desta maneira demanda um processo projetual afastado da intencionalidade da soberania artística. Para Kerez, o papel atual do projeto arquitetônico não é encontrado no desenho, na maquete, no falar ou no escrever. Em vez disso, é fundamentalmente sobre tomar decisões:
No processo projetual: qualquer construção é resultado de uma série de decisões traçadas. Contudo, para muitos edifícios, estas decisões apenas se acumulam todas, sem qualquer relação umas com as outras. O edifício acabado, até certo ponto, representa um catálogo de medidas que foram tomadas. Mas uma experiência espacial holística ou uma declaração persuasiva arquitetônica podem apenas acontecer, quando todas as decisões no processo projetual são reciprocamente determinadas umas pelas outras. Neste sentido, elas assumem sua própria essência. Em outras palavras, a decisão não se torna mais uma questão de gosto pessoal, mas de consistência arquitetônica. Não é mais uma questão de autoridade; a decisão assume um caráter geralmente válido, compreensivo a qualquer um. Desta forma, a busca pelo critério se torna o próprio trabalho do projeto; decisões resultam disto. Estes critérios de julgamento podem, por sua vez, se derivar de um problema arquitetônico integral, uma ideia, a qual deve ser reconsiderada posteriormente de suscetíveis decisões. Qualquer novo problema arquitetônico demanda seu próprio meio de investigação e seu modo específico de reflexão para critérios válidos para se derivarem. E se, para nós, o problema arquitetônico inclui a busca pela alteridade, ou pelo enigmático, isto não muda nada na definição do processo projetual. Pelo contrário, confirma sua definição de formas distintas.
Muitos edifícios, particularmente na arquitetura contemporânea, conquistaram um caráter holístico por meio de um atalho no processo projetual: pegando emprestado da arquitetura que já foi construída, de algo que já foi trabalhado holisticamente. Foi exatamente este o atalho que foi evitado por nós em nossa contribuição para a Bienal no Pavilhão Suíço, já que não queríamos construir um espaço que fizesse referência a algum outro. Não queríamos nos atrofiar em mera ilustração. Em vez disso, o espaço foi feito para se auto afirmar como um evento numa localização específica, num tempo específico. Por esta razão, não houve a opção de depender de qualquer trabalho arquitetônico já existente para se adquirir alguma certeza e eficiência no processo projetual. Em vez disso, com nosso objetivo de gerar novas experiências, fomos forçados a entender o processo projetual como uma aventura intelectual, cheia de riscos. Todavia, Incidental Space não é, com toda a certeza, um espaço criado aleatoriamente, ou até pior, m espaço que se gerou por si só..
Por outro lado, para uma arquitetura de elementos desconexos, uma abordagem holística para arquitetura só pode acontecer através da simultaneidade a todas as formas de representação e todos os aspectos. Isso significa que todas as decisões, mesmo que tenham sido alcançadas sequencialmente, devem, apesar disso, coincidir no momento de se olhar para a estrutura. Isto impede processo de projetar linearmente, onde decisões são feitas de maneira independente umas das outras numa sequência desconexa. - Christian Kerez
Como projeto arquitetônico, Incidental Space tenta superar a contradição em termos entre a precisão enigmática e a técnica; procura provocar um espaço errático, usando métodos que insiste, como um de seus critérios, na complexidade máxima possível. O espaço resulta de uma combinação deliberada de operações diferentes. O caráter desta premissa não é nem estético, nem criativo. Contudo, ao mesmo tempo, o espaço não se emerge por si só, não é descoberto; em vez disso, é procurado e então desenvolvido. Ao vincular processos digitais com manuais, com a ajuda de uma variedade de ferramentas técnicas de tradução, um espaço altamente detalhado é provocado à existência. É transformado num espaço criado e formado pelos caprichos do incidente, onde incidente é entendido no senso de uma "ocorrência de uma ação ou situação que é uma unidade separada de experiência", ou como "algo dependente de ou subordinado a algo de importância maior ou principal". Em outras palavras, se torna um Espaço Acidental (Incidental Space).
[1] Beatriz Colomina, citou na contracapa de Exhibiting Architecture: Place and Displacement, eds. Thordis Arrnius, Mari Lending, Wallis Miller, Jeremie Michael McGowan (Zurich: Lars Müller Publishers, 2014).