Para aqueles que trabalham direta e indiretamente com arquitetura, celebrar o Dia Mundial da Fotografia tem quase a mesma importância que celebrar o dia da arquitetura. E para nós do ArchDaily Brasil, ambas as datas comemorativas têm o mesmo valor, afinal, é através de imagens -- sobretudo fotografias de obras construídas -- que nos comunicamos com nosso público. A fotografia adquire, então, uma importância ímpar na comunicação da arquitetura, seja através de revistas impressas ou da internet -- e ao contrário do que se poderia pensar, não é ameaçada por outras mídias, como vídeos, vídeos 360°, realidade virtual, mas é, sim, complementada por elas.
A etimologia da palavra fotografia pode nos ajudar a compreender um pouco mais sobre esta linguagem e, então, sua importância para a arquitetura. Fotografia é o resultado da junção de dois termos gregos, fós (φως) e grafis (γραφις), que significam, respectivamente, luz e escrita. Fotografia é, então, a escrita através da luz; e, por consequência, deduz-se que sem luz não é possível haver fotografia.
A fotografia como a conhecemos hoje não é fruto de um único criador, mas o desenvolvimento de um longo processo histórico que tem em sua origens a câmara escura do século XVI e a gravura em composto de prata do século XVII. Todavia, embora tenha mudado radicalmente ao longo dos séculos, passando da engenhosa câmara para minúsculos dispositivos que vêm junto com nossos aparelhos celulares e cabem em nossos bolsos, a proposta da fotografia permanece a mesma: gravar com luz (em solução de prata, betume, película ou chip de silício) um momento único da realidade vivida, ou, eternizar um fragmento da realidade.
A fotografia guarda "para sempre" um momento da realidade, mas chamar aquela pequena imagem resultante do processo fotográfico de realidade é um exagero, sabemos disso. Esta imagem não faz mais que representar (re-apresentar) um dado momento vivido. A fotografia, então, é a representação de algo.
E a fotografia de arquitetura é, na sequência deste pensamento, a representação da arquitetura, ou, mais um dos meios dos quais dispomos para representar a arquitetura (somando-se aos desenhos, maquetes, vídeos etc.). Assim, fotografar uma arquitetura significa registrar a arquitetura em um dado momento vivido; e este registro, visto a posteriori, nos re-apresenta aquela obra, isto é, ele está relacionado com aquela obra.
Mas o fotógrafo, assim como o arquiteto, é também um sujeito dotado não só de habilidades, mas de desejos em relação ao seu trabalho. Há, em seu métier, intenção artística e certa autonomia que podem ser notadas no resultado final de seus esforços. Portanto, a fotografia (e representações, em geral), se coloca no limiar entre os aspectos relacional e autônomo, tencionando constantemente a relação entre ambos.
As representações, definitivamente, não dão conta da experiência do espaços, e não é diferente quando falamos de fotografia de arquitetura. Não há como transmitir todas as sensações de um espaço em uma fotografia impressa ou na internet, da mesma forma que também falham o filme, as plantas, as maquetes e a realidade virtual. Mas se a representação é uma redução, ou recorte, do objeto representado, isso não significa que ela não acrescente nada ao objeto. Se nos atermos à natureza autônoma da fotografia, deixando momentaneamente de lado seu aspecto relacional, isto é, sua ligação com o objeto real, podemos ter uma compreensão mais ampla da fotografia enquanto obra nela mesma e, por consequência, como ela contribui com a compreensão da obra de arquitetura fotografada.
"Livre da relação, a representação pode se dar como pura apresentação", teria dito Michel Foucault sobre a tela Las Meninas de Diego Velázquez. Apresentar e representar se diferem pelo radical re, que indica a repetição, a duplicação de algo previamente exibido. Fotografias representam fragmentos do mundo, é verdade, mas talvez sua maior contribuição para a arquitetura ocorra quando elas apresentam aspectos daquelas arquiteturas vistos através de um olhar perspicaz e sensível.
As imagens de Fernando Guerra que permeiam o texto são exemplos de como este olhar estrangeiro (no sentido de que é um olhar outro que não o do arquiteto) pode levar além nossa compreensão das obras fotografadas.
Acompanhe nossa cobertura do Dia Mundial da Fotografia 2016, aqui.