O concurso Kaira Looro para Arquitetura Sacra buscava projetos para um espaço de culto, com o intuito de, além de criar um novo marco, também dar origem a uma cultura comunitária, ser leve e gracioso para entender sua espiritualidade. Kaira Looro, que no idioma mandingo significa "Arquitetura para a Paz", não trata apenas de arquitetura, mas também representa o vínculo com uma cultura, uma espiritualidade e pesquisa de interioridade. O desafio dado foi celebrar a filosofia de culto, projetando uma arquitetura sustentável e culturalmente orientada, para um lugar carente de materiais e com baixa tecnologia.
O júri foi composto por Kengo Kuma, Azzurra Muzzonigro, Agostino Ghirardelli, Rainer Kasik, Ko Nakamura, René Bouman, Sebastiano D'Urso, Pilar Diez Rodriguez, Angelo Ferrara, Carmine Chiarelli, Ignazio Lutri, Walter Baricchi e Ibrahima Gomis. A proposta vencedora foi a da equipe LIAFINAND, da Polônia.
Conheça, abaixo, as propostas das duas equipes brasileiras que foram finalistas neste concurso internacional:
Equipe CASACHZI
Autores: Alexandre Höllermann, Henrique Caumo, Lucas Medeiros, Lucas Sulzbach, Renata Oliveira
Arquiteto Responsável: Lucas Sulzbach
Área total construída: 280m²
Justificativa
A ideia proposta busca afirmar que não são as barreiras ou os abrigos físicos construídos pelo homem que irão conferir importância para algo que não é palpável.
A história da arquitetura nos referencia com diferentes exemplos de construções sagradas para distintas religiões, uni-las não é a questão primordial do projeto e sim permiti-las.
O projeto visa atender todos os cidadãos respeitosamente, assim como o local em que será inserido. Os costumes da população local, os materiais construtivos usuais e disponíveis, as condições climáticas e as necessidades emergentes são imprescindíveis para o nascimento de um projeto íntegro para a comunidade.
Conceito
O conceito de unidade adotado para o projeto se baseia na união dos quatro elementos da natureza: a terra, a água, o fogo e o ar. Nesse sentido, buscamos criar a conexão destes elementos afim de que cada indivíduo, com sua personalidade, vivência e espiritualidade absorva, de maneira particular as energias provenientes desses elementos.
Carl Jung, psiquiatra suíço, explica sobre as quatro funções psíquicas e relaciona cada uma com um elemento: a terra é responsável pela sensação através da experimentação; a água responsável pelo sentimento e estimula as emoções; o Ar está relacionado ao pensamento e a compreensão das teorias; o fogo estimula a intuição e a presente valorização dos ensinamentos filosóficos, espirituais ou morais.
Cada um desses elementos está presente nas adorações religiosas das diferentes etnias de Tanaf Valley, o fogo é considerado sagrado na maioria das religiões e quase todos os rituais religiosos são realizados na presença deste elemento.
A árvore representa o ciclo de vida na terra. Suas raízes buscam no solo sua fortificação, para crescimento pleno. O tronco, ao ganhar rigidez, busca o equilíbrio através dos galhos. Com as mudanças de estações, a natureza - a árvore - também muda, se transforma e se adapta ao meio ambiente em que se insere, traduzindo, neste único ser, o espírito do nosso projeto.
Materialidade
Os materiais escolhidos para a construção deste projeto visam gerar baixo impacto ambiental e gasto energético, também se buscou criar algo sem depender de mão de obra especializada para a execução.
A pavimentação é composta por 3 tipos de cobrimento, sendo na parte exterior da edificação, terra batida, característica do local. Na parte interior do prédio foi proposto utilizar entulho de obra, materiais sólidos e de grande granulação compactados e fixados em uma camada de argila. No centro do projeto foi utilizado um solo mais adubado para estimular o crescimento de vegetação rasteira.
Os fechamentos verticais, paredes, são feitos de terra compactada (Rammed Earth), a camada espessa desse material proporciona o atraso térmico para o centro do projeto.
Os pilares e vigas foram feitos de bambu, as ligações entre estes elementos são feitas através de encaixes, recebendo o trançado de palha como fixador destes elementos. A estrutura da cobertura além de formar uma base para a mesma gera o contraventamento deste sistema construtivo. Por fim, a cobertura utilizada foi de palha, material presente em diversas edificações do entorno.
Equipe COSSERZIL
Escritório: MDB studio
Autores: Thiago Maurelio, Eduardo Dugaich e Marcos Bresser
Área total construída: 350 m²
Um lugar para todas as crenças; Para todas as pessoas; Para todas as religiões; Para toda a humanidade.
Um lugar para todos.
Para criar um marco para Tanaff, o meio da rua principal do vilarejo, onde hoje se encontra um antigo edifício sagrado, foi escolhido como local de intervenção por várias razões:
- estabelece uma perspectiva que permite que o novo edifício seja visto pelos visitantes do início rua principal;
- Prioriza o encontro de pessoas, sobre a eficiência e racionalidade do trânsito;
- Respeitando a implantação do projeto, os transeuntes terão de desviar seu caminho de maneira a jamais ignorar a sua existência;
- Além disso, a conexão do lugar ao sagrado permanece na memória do povo da aldeia, por já ser um local associado ao sagrado por muito tempo;
- Finalmente, no seu lado noroeste, o novo edifício multi-religioso se coloca defronte a o que hoje é já uma praça aberta, valorizando este local vazio, mantendo-o desocupado por construções (diagrama 1).
O novo edifício está estruturado como se o velho tivesse seu telhado simplesmente virado de cabeça para baixo. Ao invés de um abrigo da chuva, torna-se um grande coletor de água, abraçando a natureza como um aliado (diagrama 2). A forma quadrada do desenho também não é coincidência. Considerando que a organização convencional de um espaço religioso é geralmente linear para promover a devoção às figuras divinas, aqui a forma concêntrica pretende permitir o acesso de maneira igual por todos os lados, o que reforça a ideia de igualdade, independentemente das diferentes crenças.
A praça e o novo edifício configuram três momentos: o espaço ao ar livre (imagem A), o anel externo (imagem B) e o espaço interior (imagem C).
O espaço ao ar livre com a praça é o mundo exterior. Ele configura um lugar profano para ser usado pelos moradores da aldeia como quiserem. Também serve como local de encontro das pessoas antes ou depois de sua manifestação coletiva espiritual, eventualmente acolhendo qualquer outra manifestação coletiva.
O anel exterior configura a transição entre profano e divino. Lá, os visitantes podem ter acesso a água limpa e banheiros públicos, além de desfrutar da sombra de um telhado. Mas, mais importante ainda, o anel leva a um corredor que serve como uma preparação gradual para adentrar o divino. Do lado de fora, as portas que levam ao espaço divino interior não são vistas porque as grandes aberturas na fachada diminuem gradualmente em direção a elas. Quanto mais perto da porta, mais imperceptível se torna o mundo ao redor.
Uma vez através da pequena porta e dentro do espaço central, o visitante enfrenta o impressionante contraste: antes de entrar, o mundo exterior com um forte sol, ruído, piso de areia avermelhada e paredes de tijolos avermelhados; e após entrar, um espaço interior inteiramente branco envolvido no silêncio e luz suave. Uma temperatura agradável é auxiliada por um efeito de chaminé, um telhado ventilado, paredes ventiladas e a sombra causada pelo anel externo. As aberturas superiores para ventilação e iluminação natural são protegidas do ruído exterior pelo telhado íngreme acima do anel exterior (diagrama 3).
Uma pequena abertura no centro do telhado dá espaço à forte luz solar durante o dia e ao luar brilhante ou à luz das estrelas à noite representando a união entre o divino e a natureza. Nos dias chuvosos, esta abertura central irá criar uma cascata cuja água é drenada para tratamento e armazenamento. Este é novamente um lembrete significativo da união entre o divino, a natureza e o homem que pode ser traduzido como esperança e salvação em tempos de necessidade. O espaço interior também conta com arquibancadas. Ao invés de olhar para um altar, os visitantes sentam-se frente a frente ao redor de um espaço central rebaixado, onde, ocasionalmente, discursos ou histórias podem ser contadas.
O novo espaço sagrado não busca apenas ser um marco em busca da esperança e um futuro melhor, mas um apoio espiritual e físico para o presente.