A cidade, diria Claude Lévi-Strauss, é "a coisa humana por excelência." Possivelmente a criação mais complexa da humanidade, são ao mesmo tempo belas, repletas de potencialidade, e perversas, palco de conflitos, disputas e desigualdades.
Na entrevista a seguir, conversamos com Edward Glaeser, professor de economia da Universidade de Harvard e autor do livro “O Triunfo da Cidade” sobre economia urbana e como as tensões e dinâmicas do mundo globalizado atingem as grandes cidades dos países em desenvolvimento.
Glaeser também fala sobre a presença das favelas nas metrópoles e seu curso online sobre cidades, que será disponibilizado em fevereiro na plataforma HarvardX. Leia, a seguir, a entrevista completa:
ArchDaily - O que se entende por Economia Urbana e como ela poderia ser contextualizada para cidades de países em desenvolvimento, especialmente as metrópoles?
Edward Glaeser - A economia urbana é um campo que procura entender como as cidades se encaixam na economia global. Por que grandes cidades, como São Paulo, aumentam? Por que algumas cidades pagam salários mais altos? O que determina se as cidades crescem ou diminuem? Quais políticas são melhores para influenciar a economia das regiões metropolitanas?
A principal mensagem da economia urbana é que as cidades significam a ausência de espaço físico entre as pessoas - e elas existem para reduzir os custos no transporte de bens, de pessoas e de ideias. Há um século, as cidades eram essencialmente industriais. A principal vantagem urbana foi permitir a livre circulação de mercadorias dos fornecedores para os produtores e, depois, dos produtores para os consumidores. A queda nos custos de transporte durante o século XX diminuiu consideravelmente essa vantagem urbana e fez com que a indústria abandonasse as cidades do mundo rico durante a segunda metade do século XX. Essa mudança gerou grandes problemas urbanos em cidades como Detroit.
No século XX, a função urbana mais importante é permitir o fluxo de ideias. Tais fluxos são particularmente fáceis de ver nas artes - pense nos gênios conectados que nos deram o impressionismo no século XIX, em Paris, ou a filosofia na Atenas clássica. Mas o fluxo de ideias também ajuda desde empresários de software até gerenciadores de restaurantes. Ele permite também a disseminação do conhecimento para os trabalhadores comuns.
Embora muitos especialistas tenham previsto que a tecnologia da informação faria com que o contato pessoal - e as cidades que permitem esse contato – se tornassem obsoletos, eles estavam errados. Novas tecnologias e a própria globalização fizeram com que aumentassem os investimentos para que as cidades fossem cada vez mais inteligentes e inovadoras. Somos uma espécie social que se torna inteligente e inovadora estando em contato com outras pessoas inteligentes. Esse é o papel da cidade. Além disso, em um mundo cada vez mais complexo, as ideias se perdem mais facilmente nos percursos. O contato presencial nos permite, portanto, transmitir os mais densos tipos de informação.
As cidades em desenvolvimento, como São Paulo, servem como entradas para a economia global. Cidades como esta permitem que os empreendedores se conectem entre si e com empresas de todo o mundo. Suas conexões globais permitem que os brasileiros se conectem com o mundo e que estrangeiros, como eu, venham ao Brasil para trocar ideias.
Talvez ainda mais importante é o fato de que São Paulo seja um motor econômico para todo o Brasil. As pessoas podem chegar à cidade a partir do nordeste rural do país. Sua vida provavelmente será difícil, entretanto, tem mais potencial do que uma vida de pobreza rural. As cidades são, em última análise, a esperança de um futuro melhor - e as cidades do Brasil podem ajudar, e muito, a construir esse futuro.
AD - Você veio a São Paulo para estudar soluções para moradias precárias nas favelas. Como estas soluções podem ser relacionadas com a Economia Urbana?
EG - As favelas são o símbolo final da demanda em relação à vida urbana. As condições podem ser ruins – porém os brasileiros mais pobres ainda escolhem viver em favelas por ser muito valioso fazer parte de uma cidade. O grande desafio nas favelas está relacionado às crianças. Quando as crianças estão isoladas do resto da cidade elas perdem a vantagem de estar no meio urbano e não crescem melhor do que se vivessem na pobreza rural.
Durante esta viagem ao Brasil conversei com o notável Roberto Loeb – que trabalha na construção de uma favela há mais de 20 anos. Seu trabalho enfatiza a importância de colaborar com os moradores da região, tratando-os com respeito e aprendendo com eles. É criativo e bonito.
Também passei um tempo em Vidigal - que pode ser a mais bela favela do mundo. Conversamos sobre criminalidade tentando compreender os benefícios do programa de pacificação e por que parece ter falhado. Segurança – juntamente com a educação – é uma das duas funções mais importantes do governo na cidade.
Habitação acessível em uma favela é difícil – e precisa ser altamente específica do local. Construção pré-fabricada é uma abordagem sensata. Às vezes, a edificação deve ser intencionalmente temporária – uma vez que esperamos que os moradores se tornem muito menos pobres em questão de décadas. Não há uma resposta certa – mas promover a acessibilidade requer uma abordagem direcionada que seja sensível às condições em cada favela.
Mas, geralmente, essa acessibilidade está relacionada à interseção entre oferta e demanda. Quando a demanda por uma cidade, como São Paulo, é robusta e o fornecimento de novas habitações é limitado então os preços acabarão sendo, necessariamente, elevados. A melhor abordagem geral para promover a acessibilidade é permitir a construção de novas casas e não regularizar excessivamente.
AD - Conte-nos um pouco sobre seu curso sobre cidades para a plataforma de ensino online HarvardX. Que tipo de questões urbanas serão abordadas?
EG - Esperamos que o curso esteja disponível a partir de fevereiro. Será grátis e terá legenda em português. Esperamos que o maior número possível de seus leitores possa participar.
O curso irá tratar do passado e do futuro das cidades. Abordará as cidades do mundo rico e os lugares de pobreza extrema. Embora tenha um alcance verdadeiramente global, visitamos apenas dois países fora dos EUA: Inglaterra e Brasil. Essa escolha não foi aleatória. Vim ao Brasil há 20 anos. Aprendi muito com os brasileiros e tenho convicção de que o mundo tem muito a aprender com a experiência brasileira.
Começaremos com as razões pelas quais as cidades existem: comércio, indústria e poder político. São Paulo sempre foi uma cidade de comércio e manufatura, mas o Rio foi uma cidade imperial. De fato, a importância do poder é bem ilustrada pela lenta expansão do Rio depois de 1960, quando a capital foi movida para Brasília.
Vamos lidar com a tecnologia na cidade, incluindo como as cidades podem incubar novos conhecimentos e como novas tecnologias dão forma às cidades. Vamos nos concentrar na saúde urbana, no transporte e no ambiente construído. Embora eu não seja um arquiteto, meu pai era um historiador da arquitetura e também entrevistamos arquitetos, incluindo Loeb, para o curso.
Nosso objetivo é fazer as pessoas pensarem e falarem sobre suas cidades. O curso não se propõe a dar a resposta certa a todos os problemas urbanos, mas oferecer uma base de conhecimentos sobre história, diferentes disciplinas e análise política. Acredito que o futuro está em cidades como São Paulo – o objetivo do curso é ajudar a garantir que o futuro de São Paulo seja o mais brilhante possível.
Esta entrevista foi possível graças à contribuição do Arq. Futuro e do Insper.