Quando se pensa em arquitetura no cinema alguns nomes conhecidos vêm logo à mente: Michelangelo Antonioni, Wim Wenders, Jacques Tati, Wes Anderson, entre diversos outros que lançam, através de seus filmes, um olhar sobre a arquitetura que é, sem dúvida, digna de atenção por parte dos arquitetos.
Entretanto, raros são os cineastas que dedicam suas obras exclusivamente à arquitetura, ao objeto construído, inserido em seu contexto - seja urbano, suburbano ou rural. Mesmo que se argumente que, em Playtime, Tati atribua à arquitetura uma importância que não se limita ao pano de fundo; e mesmo que em Metropolis de Fritz Lang a imagem da cidade distópica seja, talvez, a que mais perdure na memória de quem assistiu à película, a narrativa destes filmes não se limita à arquitetura (ou à cidade), mas envolve personagens, diálogos, trilha sonora e todas as tensões estabelecidas por esses elementos.
A obra do cineasta alemão Heinz Emigholz se destaca, nesse sentido, por dedicar-se exclusivamente à arquitetura. Com mais de uma dezena de filmes produzidos com essa temática, Emigholz tem dedicado parte de sua carreira como diretor e produtor de cinema a realizar filmes sobre obras arquitetônicas através de um olhar pouco comum e definitivamente distante do modo como arquitetos estão acostumados a registrar e a ver registros fotográficos e fílmicos de edifícios.
Nascido em 1948 na cidade alemã de Achim, próximo de Bremen, Emigholz estudou desenho antes de migrar para a filosofia e literatura na Universidade de Hamburgo. Iniciou seus estudos em cinema em 1968 e desde 1973 trabalha como cineasta, artista, escritor e produtor na Alemanha e Estados Unidos. Em 1984 deu início ao projeto Fotografia e além [Photografie und jenseits], que abrange cinco séries de filmes, dentre as quais uma dedicada à obra de arquitetos e engenheiros modernos intitulada Arquitetura como autobiografia [Architektur als Autobiographie].
ARQUITETURA COMO AUTOBIOGRAFIA
“Minha câmera só pode mostrar o que realmente está lá para ser visto. Mas há muito mais para ser visto e conhecido do que algumas teorias gostariam de reconhecer." - Heinz Emigholz, 2008
Arquitetura como autobiografia é a mais extensa dentre as séries de filmes que fazem parte do projeto Fotografia e além. Iniciada em 1993, seu primeiro filme – o curta metragem intitulado Os bancos de Sullivan – foi lançado apenas no ano 2000.
Ao longo dos vinte e quatro anos desta série, seu eixo norteador consiste na ideia de que uma autobiografia pode ser construída, e não apenas escrita; isto é, a biografia de arquitetos e engenheiros civis é composta ao longo de suas vidas através da construção de suas obras. Para registrar isso, “Emigholz definiu um método de abordagem no qual as locações são exploradas a partir da perspectiva de seu olhar, delineando a sequência como um passeio por edifícios.”[1] As obras de cada arquiteto moderno são mostradas em ordem cronológica e são acompanhadas por algumas informações, como nome, localização, data de construção e data de filmagem.
A série é composta, até o momento, por sete filmes monográficos, dos quais cinco longas metragens e dois curtas metragens. São eles: o curta metragem Os bancos de Sullivan [Sullivans Banken] (2000), o curta metragem As pontes de Maillart [Maillarts Brücken] (2000), Goff no deserto [Goff in der Wüste] (2003), As casas de Schindler [Schindlers Häuser] (2007), Loos Ornamental [Loos Ornamental] (2008), Parabeton – Pier Luigi Nervi e o concreto romano [Parabeton – Pier Luigi Nervi und Römischer Beton] (2011) e Perret na França e Argélia [Perret in Frankreich und Algerien] (2012).
Todas as sete obras são o produto do olhar de Emigholz sobre a “autobiografia” destes arquitetos “escolhidos por afinidade”[2], assim, embora o processo de filmagem seja o mesmo e persistam algumas escolhas em relação a enquadramentos e edição, os filmes carregam diferenças relacionadas ao momento (na trajetória profissional do cineasta) em que foram realizados e ao modo como Emigholz interpreta e reage a cada espaço que decide registrar com sua câmera.
Nestas produções, o olhar do cineasta passa por um conjunto de procedimentos técnicos que se repetem ao longo de toda a série e que servem como mediação entre a realidade e a tela, isto é, fazem a transposição da visão do cineasta para a linguagem cinematográfica. Entre estes procedimentos que caracterizam o estilo de Emigholz estão a ausência de movimentos de câmera, enquadramentos oblíquos, montagem simplificada que cria percursos, inexistência de personagens, uso de lentes que se aproximam da abertura focal do olho humano e ausência de trilha sonora.
Assista, a seguir, aos trailers dos filmes que compõem Arquitetura como autobiografia.
Os bancos de Sullivan
As pontes de Maillart
Goff no deserto
As casas de Schindler
Loos Ornamental
Perret na França e Argélia
Para conhecer mais sobre o trabalho de Heinz Emigholz, acesse a página oficial do cineasta ou leia a pesquisa "O indizível no cinema de Heinz Emigholz", do mesmo autor deste artigo.
Referências
1. CUTLER, Aaron; SHELLARD, Mariana. De ator a observador: uma introdução à obra de Heinz Emigholz, parte do Catálogo da exposição Arquitetura como Autobiografia: Filmes de Heinz Emigholz. Centro Cultural São Paulo, São Paulo, 2015, p.6
2. Emigholz criou uma lista de arquitetos e engenheiros civis com os quais tinha alguma afinidade ou nutria curiosidade. Os nomes foram listados em 1993 e desde então os filmes vêm sendo realizados a partir daquela seleção. Fonte: Entrevista realizada pelo autor do texto com o cineasta em novembro de 2016. Não publicada.