O resultado do concurso "Human Trafficking - Tenancingo Square Mediascape" foi promovido pela plataforma online internacional "arch out loud" foi divulgado recentemente. O objeto era uma importante praça em Tenancingo, México, cidade que sofre muito com o tráfigo humano e, principalmente, de mulheres. A equipe, composta por Djuly Duarte Valdo, Letícia Sitta, Marina Nallin Violin, Raissa Gattera e Thais de Freitas, da PUC-Campinas, recebeu a menção honrosa com a proposta “Giving light to the problem. Provide voice to the unseen”.
Conheça o projeto e o memorial a seguir:
Das arquitetas
A arquitetura não se constrói somente com pedra e aço. Seus vazios entre tantas toneladas de peso sempre estão ancorados em uma história. Nem sempre uma boa história. Essa baseia-se na injustiça enraizada na trajetória desta cidade, mas que busca mudar o lugar e a vida de quem mora ali. Uma história sobre flores duras e doces. Fortes e sobreviventes. Essa é a que queremos contar. Para nunca esquece-la.
Para tanto, o projeto delineia três tempos: a denúncia, a visibilidade e o empoderamento e, como tal, imprime significado que perpassa por outros tempos: os passados e o futuro, criando uma linha que responde aos anseios do entendimento da sua existência como ato presente.
Assim como anunciar, educar e empoderar demandam um processo, também a conversão e transformação física do espaço deverão ocorrer de maneira sensível e processual. É um desenho delicado sobre as mudanças inevitáveis da vida. É um projeto sobre o insustentável peso dos sons do silêncio. Silêncio forçado, cruel, imposto. É um traço de tempo maior do que o ponto, o plano, o espaço. É o poder do risco capaz de atingir a alma e o coração humano.
DENÚNCIA
O ato inaugural é a denúncia como primeira ação que traz mudança para entendermos a existência de uma ferida aberta que precisa ser reconstruída.
As ruas se fecham e nasce um espaço aberto para a cidade de fortes e feridas mulheres. É o primeiro passo para o acolhimento e manifestação. Caem os muros na praça da Igreja, abre-se buracos em suas paredes. Mil e cem buracos. As pedras e o aço sentem o peso e a dor do vazio. Dor latente das 1100 pessoas envolvidas no tráfico. Entra-se ar. Vaza-se luz. Tira- se peso. Ganha-se olhar.
VISIBILIDADE
Mil e cem hastes luminosas são instaladas neste novo espaço da praça. Uma haste para cada pessoa, na escala humana, na altura do olhar. São 1100 luzes que incomodam a praça, cegam por quem ali passa, rasgam a noite e afastam a escuridão. É sobre dar luz ao problema. Dar voz aos não vistos. É a luz que chora, não mais calada, por mudança.
São estas as luzes que também entram sem pedir licença pelos buracos da Igreja. Não existe o “não ver”; não há esconderijo, a luz não dá espaço para ignorância. Todos veem, a todos os momentos, de todos os lugares. Trazer visibilidade também implica em reconhecimento e ajuda. Mulheres se reconhecem como vítimas anunciadas para uma cidade que passa a vê-las.
Para cada mulher que se liberta, uma luz se apaga. Mas a memória fica como uma cicatriz no rasgo do chão ao qual um dia sua luz pertencia. Uma cicatriz que permanecerá para sempre. É um ato sobre ressignificação.
Ao mesmo instante em que as luzes vão se apagando, novas instalações vão surgindo. Estas, por sua vez, construídas pelas próprias mãos das mulheres que agora são livres. Assim, as hastes agora dão forma à praça criando clareiras de vozes recém libertas. Um espaço de conscientização e acolhimento, com histórias de quem passou pela mesma situação. Com as vozes de quem sobreviveu. Vozes que guiam aquelas que ainda precisam.
Quando a milésima centésima luz se apagar, a cidade já terá se transformado tendo luz, sem luz.
EMPODERAMENTO
É tempo de tapar os buracos, de fechar as feridas. Nos 1100 buracos da igreja vão 1100 nomes, de 1100 mulheres. Os buracos agora são elas, que reconstroem um novo lugar.
A igreja agora está pronta para acolher essas mulheres abraçando-as e ajudando-as a se inserirem novamente na sociedade e no mercado de trabalho. É o primeiro abrigo, o primeiro refúgio até que elas possam caminhar sozinhas e juntas. Juntas, pois são mais fortes agora. Como flores que sobrevivem ao asfalto. Como sinais visíveis de uma cultura perfumada de necessária e urgente resistência.
Ficha Técnica:
Autores: Djuly Duarte Valdo, Letícia Sitta, Marina Nallin Violin, Raissa Gattera e Thais de Freitas
Orientadores: Antonio Fabiano Junior e Fábio Boretti
Área total da praça para intervenção: 5850m²
Localização: Plaza de la Parroquia de San Miguel Arcangel - Tenancingo, Tlaxcala, México