A literatura é sempre vista relacionada ao privado, a subjetividade, ao particular. E a leitura, ainda mais de poesias, poucas vezes, é pensada junto a um espaço público, ou como um fator de organização da vida social, como capaz de estabelecer formas próprias de convívio, laços comunitários, aproximação entre as pessoas. Pensa-se muito pouco na literatura instituindo modos de estar e ser no mundo com os outros, com os iguais, e com os comuns. Mas a realidade urbana é outra, os saraus, eventos em que escritores e interessados se encontram para declamações e trocas de poesia, músicas ou performances, está mudando a forma como se entende a leitura, a literatura e a cidade.
O sarau, conhecido atualmente como uma reunião para leitura de poemas, acontece desde o século XVII. Antes em casas particulares, como um evento das elites cultas, ou em lançamentos de livros, reuniões acadêmicas. Hoje, principalmente nas periferias, nos espaços abandonas dos grandes centros da cidade. Eventos itinerantes, utilizando um novo espaço a cada mês, quinzena ou semana. Reinventando a forma como as pessoas geralmente usam praças, escadarias abandonadas, esquinas e não-lugares do espaço urbano. São o começo de coletivos de atividade cultural, de movimentos de engajamento político e de modificações no projeto de alguns espaços públicos, na inclusão de elaboração de editais de cultura, entre outros.
Em São Paulo, onde o sarau nas ruas começou com o Cooperifa, em 2001, são incontáveis os grupos, encontros ou espaços. Um mapeamento foi feito pela Mufa Produções e registrou 133 saraus, apenas na cidade do Rio de Janeiro. E em Belo Horizonte, os saraus já acontecem nos espaços públicos desde 2008. São oito anos de muitos encontros e muitos locais transformados. O livro Atlas dos Saraus da RMBH possui o mapa de todos os lugares onde acontece e já acontece um sarau, entrevista com organizadores e/ou frequentadores, pesquisas histórias e discussões sobre o uso do espaço público. Composto de mapas dos 26 grupos encontrados, diagramas e mapas gerais forma-se um Atlas, uma união de camadas sobre um mapa, encontro de diversos dados, falas e elementos.
A cidade, a partir da experiência do sarau, é apropriada de maneira distinta daquela vivenciada rotineiramente, tanto para os participantes quanto para os espectadores, passantes, vizinhos. Os eventos constroem espaços pretensamente democrático de produção cultural e sociabilidade “comum”, aberto a qualquer pessoa com disposição de mostrar o que ou sente, dando visibilidade, à expressão de artistas não consagrados, além de estimular a inserção de novos sujeitos interessados no mundo da poesia. A experimentação mostra tanto nas formas de (re) ocupar o espaço urbano como nas próprias performances e narrativas vetores de crítica social que deslocam, sensível e expressivamente, a experiência artística e urbana.
O livro Atlas dos Saraus da RMBH é composto de 170 páginas, todo em preto e branco e em tamanho A5 (14,8 × 21,0 cm). Seu conteúdo divide-se entre duas formas, a primeira de textos teóricos e explicativos escritos pela pesquisadora Camila Félix, que são o histórico, a explicação de como acontece os saraus, alguns diagramas e um texto final. E a segunda, de detalhamentos de cada sarau, com entrevista, mapa individual, ficha de características e algumas imagens cedidas pelos organizadores.
Camila Félix, responsável pela pesquisa, é formada em Arquitetura e Urbanismo pela UFMG e é poeta. Desde 2012, desenvolve pesquisas sobre a relação entre literatura e cidade, e participa como organizadora ou interessada em diversos saraus e eventos literários em Belo Horizonte. O Atlas dos Saraus foi seu trabalho de conclusão do curso em 2016 e foi indicado ao prêmio Opera Prima de Arquitetura, além de ter gerado a união dos saraus formando o Circuito Metropolitano de Saraus que está organizando vários movimentos artísticos.
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