Como resposta ao desafio lançado pelo curador geral da 15.ª Bienal de Arquitetura de Veneza, Alejandro Aravena – Reporting from the Front –, Portugal apresentou, em 2016, um pavilhão site-specific construído numa frente urbana em plena regeneração física e social, dentro da cidade de Veneza, e mais especificamente da ilha de Giudecca. Na verdade, a ideia de instalar o pavilhão português in situ despoletou a conclusão do projeto de regeneração do Campo di Marte, proposto pelo arquiteto Álvaro Siza, há mais de 30 anos. Após a “ocupação” deste local em construção, a exposição deu lugar a um novo habitat arquitetônico destinado aos residentes da Giudecca.
Deste modo, e inversamente ao que ocorre nos pavilhões de outros países, situados nos Giardini da Bienal de Veneza, onde a arquitetura serve de suporte genérico a um novo display expositivo em cada ano, neste pavilhão temporário foi a presença denunciante de um display expositivo singular que motivou a decisão política de terminar a arquitetura do conjunto, interrompida desde 2010 por falência do construtor. A conclusão desta obra, por parte das autoridades italianas, a que se seguirá a atribuição das casas aos habitantes do Campo di Marte, constitui por isso o resultado mais gratificante desta aventura por nós partilhada com Álvaro Siza.
A representação oficial portuguesa escolheu como tema central o notável trabalho de Siza no domínio da habitação social, abarcando os seus projetos em diferentes cidades – Campo di Marte (Veneza); Schlesisches Tor (Berlim); Schilderswijk (Haia); e Bairro da Bouça (Porto) –, e neles evidenciando a sua experiência de participação social, enquanto reflexo de uma compreensão democrática da cidade e da cidadania europeias. Esses diferentes projetos geraram verdadeiros lugares de vizinhança, tema central na atual agenda política europeia, em prol de uma sociedade mais inclusiva e multicultural. Siza tem trabalhado estes conceitos em proximidade com, entre outras, a cultura arquitetónica italiana e, em particular, com o legado conceptual e ideológico de Aldo Rossi, cujo relevante ensaio A Arquitetura da Cidade perfez, precisamente, 50 anos em 2016. Nesse sentido, a exposição destacou esse estimulante encontro entre Álvaro e Aldo; dois nomes metafóricos, que podem também representar os vizinhos que se cruzam entre si, todos os dias, em todas as esquinas dos bairros de Siza.
A exposição foi instalada no edifício projetado por Siza, ainda inacabado. Este edifício faz parte do referido plano de regeneração do Campo di Marte, de 1985, ganho pelo arquiteto português num concurso realizado dois anos antes, e que acabou por incluir outros arquitetos e outros bairros, como um conjunto de habitação social projetado por Aldo Rossi.
No início de 2016, alguns meses antes da inauguração da Bienal de Veneza, Álvaro Siza regressou, a nosso convite, aos quatro bairros sociais que constituem o centro desta exposição. No Porto, em Veneza, em Haia e em Berlim, Siza visitou e conviveu com os diferentes residentes, entre antigos e novos vizinhos, percebendo a evolução dos seus habitats, mas também as principais transformações sociais e urbanas ali ocorridas, e hoje partilhadas por muitas outras cidades europeias: processos de imigração, guetização, gentrificação e turistificação.
Essas visitas e esses vizinhos foram retratados em imagens de diferentes suportes, respetivamente mostradas no exterior e no interior do Pavilhão de Portugal. Tratam-se de verdadeiros documentos da vida quotidiana, só possíveis graças à boa vontade dos residentes. Esses registos foram produzidos por uma qualificada equipa profissional e multidisciplinar, constituída por Cândida Pinto e Rodrigo Lobo (vídeos da exposição, Canal SIC), Jordi Burch e Nicolò Galleazi (fotografias da exposição), a quem agradecemos o seu profundo empenho. Acompanham inúmeros outros documentos cedidos pelo Canadian Centre for Architecture (CCA), parceiro institucional, que, em conjunto com o ATER Venezia, o IUAV, a Municipalidade de Veneza Murano Burano, a UNESCO Venezia, o Instituto Camões, a Embaixada de Portugal em Itália, e a Ordem dos Arquitectos Portugueses, se revelaram essenciais para a concretização desta iniciativa. O nosso apreço estende-se ainda aos autores que contribuíram para o catálogo, com os seus importantes textos interpretativos da obra de Siza e dos lugares onde esta se insere: Mirko Zardini, Alberto Ferlenga, Andrea Barina, Adri Duivesteijn, Brigitte Fleck, Alexandre Alves Costa e Vittorio Gregotti.
O nosso último agradecimento vai naturalmente para Álvaro Siza, notável arquiteto, cidadão do mundo e agora também da acolhedora ilha da Giudecca.
A exposição Neighbourhood, Where Alvaro meets Aldo foi remontada em Lisboa, na Garagem Sul do Centro Cultural de Belém, e permanece aberta ao público até 11 de fevereiro de 2018.
Neighbourhood, Where Alvaro meets Aldo
- CCB - Garagem Sul
- 16 de novembro de 2017 - 11 de fevereiro de 2018
- curadoria de Nuno Grande e Roberto Cremascoli
- Projecto de arquitetura de COR Arquitectos (Cremascoli Okumura Rodrigues) e Nuno Grande
- Área: 1590 m²
- Fornecedor principal OTIIMA
- Fotos: atelierXYZ