Hoje comemoramos os 90 anos de vida de Paulo Mendes da Rocha. Com uma integridade única em sua forma de pensar e projetar, sua carreira já foi laureada com as maiores premiações que um arquiteto pode receber, do Prêmio Prizker em 2006 até os mais recentes Leão de Ouro da Bienal de Veneza e Prêmio Imperial do Japão em 2016. Aqui, ao invés de enaltecer ainda mais os projetos realizados, pedimos depoimentos de arquitetos que conviveram com o aniversariante para compartilhar conosco parte de suas histórias, falarem sobre o arquiteto e como o pensamento dele os influenciou.
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Paulo é uma pessoa extraordinária. Sua obra não pode ser dissociada de sua posição como intelectual no mundo. Quem tem o privilégio de conviver com ele conhece a erudição, as associações brilhantes, sua capacidade de pensar em profundidade, mas acaba por conhecer especialmente sua coerência e generosidade assombrosa, sem preconceitos. Está sempre aberto à conversa e vê o diálogo como forma de existência. Seus projetos são muito mais que o desenho de objetos construídos, de arquiteturas: são a formalização de uma visão particular do mundo, radicalmente inclusiva.
Usa a arquitetura como forma de pensar a nossa existência, e sua obra manda recados silenciosos, mas muito eloquentes, com a potência poética dos grandes artistas.
A influência dele é portanto formativa - não de uma escola arquitetônica, mas de caráter. Devo muito ao Paulo nesse sentido e agora, quando o peso da responsabilidade de continuar esse projeto aumenta de modo assustador, ele segue sendo um alento, uma referência, uma presença importante.
Martin Corullon [METRO Arquitetos]
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Acho que a obra do Paulo, sua presença e pensamento transcendem respostas específicas. Meus pais conviveram com ele desde que eu era pequena, mas nesta fase eu brincava com a Joana, sua filha. A partir da minha entrada na FAU comecei a ouvi-lo sempre que podia. O discurso do Paulo é muito potente e formador.
É um pouco como a música “um índio”, do Caetano, ele revela e surpreende não por ser exótico, mas por fazer de uma ideia óbvia, quando estava oculta.
Ele diz as coisas de uma forma muito simples, sintética e muito essencial. Tem uma mágica feita do real, muito competente.
Lua Nitsche [Nitsche Arquitetos]
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Mais do que uma influência, Paulo Mendes da Rocha teve e tem uma presença formadora na minha vida. Eu o conheci como professor na FAUUSP, em 1992, ou 93, quando eu era aluno, e os estúdios lotavam para assistir aos seus atendimentos de projeto.
Atendimentos que eram explanações sobre a arquitetura e a vida – a aventura do ser no universo –, e, sobretudo, indagações que nos faziam duvidar das ideias prontas, das fórmulas mastigadas, das formas de conformismo. Isto é, que nos punham em um permanente “estado de crise”. Esse é o grande papel formador que alguém pode ter.
Isso é o que caracteriza um grande professor. E convivendo com o Paulo por mais tempo, desde então, eu pude perceber o quanto esse “estado de crise” é vivido intensa e cotidianamente por ele mesmo, como uma permanente disposição para a indagação, para a não estagnação do pensamento e da emoção. Pode parecer óbvio, mas não é. Eu não conheço mais ninguém com essa mesma disposição de se deixar afetar pelos pensamentos mais sombrios e, no entanto, torná-los motores para uma certa positividade, para a ação, para a esperança nas transformações virtuosas que hemos de fazer. Há uma frase dele que eu gosto muito, a qual retorno sempre preciso de energia, como agora: “a experiência não deixa saudades. Dá um ímpeto desgraçado para o futuro”. Termino um ensaio que escrevi sobre o Paulo com essa frase, que repito agora, insistindo na ideia: “o seu problema, no fundo, é manter-se vivo em um mundo que transforma a subjetividade em caricatura, ao mesmo tempo que vai embotando o sentido intelectual da arquitetura, e convertendo-a em cenário. Porque sabe que nesse manter-se vivo está em jogo, simbolicamente, todo o destino humano”.
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A obra de Paulo Mendes da Rocha, tem para mim uma dupla dimensão. A primeira que esta diretamente ligada à pesquisa que realizei em seu acervo (2008-2013), que serviu de base para meu doutorado, e a segunda, mais ligada à dimensão da prática, que se reflete no trabalho que desenvolvemos na Base Urbana. Pela pesquisa conheci o imenso universo de desenhos e ideias, que compreendem um pensamento singular, que expande o simples fazer projetual, o projeto como um ensaio, que propõe novos modos de viver, de estar e conviver em nossas cidades.
Na prática, a obra de Paulo, nos traz uma influência que não se dá por uma aproximação de linguagem ou estética, mas por um modo de agir e de pensar que cada projeto é uma oportunidade de transformação que transborda os limites do programa, ou do lote.
Uma postura que busca a transformação dos espaços pela liberdade.
Catherine Otondo [Base Urbana]
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Mesmo sem a intenção de ser referência, o arquiteto Paulo Mendes da Rocha realiza projetos marcantes no contexto da arquitetura nacional e internacional. São as formas, os materiais, a luz, os vãos, as vistas, a técnica a serviço da vida no lugar, o reconhecimento da natureza no ambiente criado, entre outras razões, que se integram conformando a arquitetura dos edifícios e dos lugares.
Vejo que a influência e importância ainda são mais abrangentes do que a própria arquitetura quando fala e age com coerência durante esses 90 anos.
Talvez uma das suas falas mais tocantes tenha sido sobre a construção da paz no mundo, na cerimônia do prêmio Pritzker, em 2006, em Istambul. Um ensinamento para a vida.
A convivência com o professor durante a faculdade transformou-se em colaboração profissional e amizade. Método científico, com uma dinâmica de aprimoramento recorrente, estrutura a conceituação sensível e precisa. Como muitas vezes, vi e ouvi, diante de um croquis, “o projeto está pronto”.
Renata Semin, [Piratininga Arquitetos Associados]