Nos dias 18, 19 e 20 de março de 2019 a Escola da Cidade recebeu os arquitetos paraguaios José Cubilla e Luís Elgue para uma série de aulas no curso de pós-graduação Geografia, Cidade e Arquitetura. Durante os três dias do curso, além de apresentar a produção específica dos seus escritórios, os arquitetos exploraram temas relativos ao ensino no curso de arquitetura da Universidad Nacional de Asunción, onde são professores, e debateram a produção contemporânea de arquitetura no Paraguay. O Conselho Científico da Escola da Cidade (EC) entrevistou [1] esses arquitetos sobre os temas que passaram pelas aulas do curso.
Residência Takuru / José Cubilla
40 Dahiana Núñez, Yago García, Ilaria Marcatelli, Salma Abraham, Bethania Casco, Karina Olmedo, Horacio Cherniavski, Ignacio Lloret Construtora Mais informações Menos informações Takuru Do guarani, cupim ou colônia de cupins. Comumente estão a metros do subsolo. Sua parte superior é um dispositivo de ventilação que também sombreia o cupinzeiro.
Escola da Cidade: Nesses dias aqui em São Paulo, falamos muito de uma Escola Paraguaia de Arquitetura. Existe uma Escola Paraguaia de Arquitetura? O que faz esses arquitetos serem reconhecidos como um grupo?
Cubilla: Eu não estou certo de que formamos uma escola, assim, tão organizada mas, por diferentes circunstâncias, começamos a trocar ideias e a nos preocupar em pensar e produzir arquitetura criticamente. Existia um contexto muito favorável para que um grupo fosse formado e que, apesar de ainda imaturo nos dias de hoje, está se desenvolvendo e, com visitas como essa que estamos fazendo à Escola da Cidade, está amadurecendo. Mesmo assim, eu não acho que somos uma escola. Acredito que somos um sistema mais linear, apesar de achar interessante que uma escola fosse formada. Falta ainda alguma organização no sentido de documentar a produção entre outras coisas.
Elgue: Eu acredito que, pelo que se entende tradicionalmente como "escola", não existe um método de trabalho estabelecido que configure esse grupo como tal. Existem sim algumas coincidências mas que tem a ver com o que acreditamos que seja o compromisso da arquitetura com a sociedade. Nós tentamos fazer uma arquitetura que responde às demandas da maioria que, em geral, não tem condições de contar com o trabalho de um arquiteto. Dessa forma, eu penso que existe uma questão ética que configura o grupo. Além disso, nós todos nos apoiamos e aprendemos juntos. O trabalho de um é um aprendizado para todos. Quando um trabalho é produzido, todos se sentem plenos e compartilham das experiências. Isso, muitas vezes,está na descoberta da melhor eficiência ou no melhoramento do funcionamento de uma estrutura, por exemplo. Eu diria que fatores comuns são os custos acessíveis de contratação, o trabalho investigativo nos escritórios e no canteiro de obras e a atitude criativa na produção da arquitetura.
Clínica Médica Memoir / Estudio ELGUE
29 Em meio de um momento de formulações e reformulações sobre um modelo de cidade contemporânea em busca da otimização de vários recursos, o tema da habitação/produção ocupa um espaço relevante quando se trata de economia de energia, mobilidade eficiente, contaminação reduzida, etc.
EC: Ainda que não seja uma escola, é possível identificar uma arquitetura paraguaia. Ela se manifesta nos edifícios, na escala do lote, com muita força e clareza. Entretanto, isso não pode ser observado na cidade. O que falta para isso acontecer?
Cubilla: Essa pergunta é bem interessante. Eu acredito que o que é desenhado e produzido em pequena escala deva sim ser pensado em uma escala maior, afinal, “a casa é uma cidade e a cidade é uma casa". Eu entendo que o nosso trabalho tem a ver com o âmbito privado, doméstico, pois sempre estamos tentando colocar questões que envolvam a vida das pessoas e é disso que trata a arquitetura. A partir dessa simples frase é possível dizer que não há projetos privados, os projetos são sempre públicos. Estamos fazendo a cidade. Nos últimos anos tem aparecido oportunidades de fazer projetos em escala urbana e isso tem nos deixado muito felizes.
Elgue: Essa pergunta é muito complexa. Esse grupo de arquitetos, esse que tem algumas características em comum, nem sempre tem a oportunidade de acessar determinados programas no panorama geral da produção de arquitetura. Veja bem, hoje, a economia do Paraguai está florescendo e nesse sentido há uma produção intensa de arquitetura mais relacionada à questão comercial, à obtenção de lucro, onde a remuneração por esse trabalho é alta. É muito difícil falar de uma participação mais intensa no nosso contexto porque o interesse é outro. Mas sim, nos interessam as políticas públicas, a possibilidade de fazer edifícios públicos. Programas que, muitas vezes, não interessam ao setor privado pois o foco é a produção de edifícios corporativos ou de alta renda. Outra questão é que, no Paraguai, não existe uma política nacional que considere a produção de obras públicas e as obras que existem são direcionadas a grupos ligados à política. Nosso trabalho é um trabalho de formiga que, aos poucos, está conquistando um espaço, se tornando presente no contexto nacional. A verdade é que, atualmente, nosso trabalho é mais valorizado fora do país do que dentro.
Edifício San Francisco / José Cubilla
30 Descrição enviada pela equipe de projeto. O edifício residencial San Francisco foi implantado no Bairro Jara, de Assunção. Um bairro tradicional de residências com pátios e suas colinas. Conhecido por suas cerâmicas, frondosas árvores, sombras e vistas.
EC: A experimentação no canteiro de obras é uma das qualidades da arquitetura paraguaia, como aconteceu essa filiação? Por que isso acontece ali com tanta força?
Elgue: Muitas vezes uma dificuldade se torna uma oportunidade de aprendizado. Nossa universidade não conta com uma grande infraestrutura de laboratórios para ensaios e provas. Assim, todo o processo de experimentação está vinculado aos escritórios e aos trabalhos no canteiro de obra. Coletivamente, isso ganha muita força pois, assim como foi dito, a descoberta de um pode servir a outro. O que resulta disso é um conjunto de obras e ideias inovadoras. Cada novo trabalho coloca uma nova questão no sentido de propor, investigar, experimentar e colocar toda a criatividade disponível para fazer arquitetura. Há muita resistência contra o experimental, em geral, por parte dos clientes, mas o fato é que a própria obra é o cenário das experimentações.
EC: Vocês são docentes do Taller E, um conhecido estúdio de ensino de arquitetura e urbanismo da Universidad Nacional de Asunción - UNA. Qual o papel desse estúdio para o ensino de arquitetura no Paraguai? Como se ensina no Taller E?
Cubilla: O Taller E surgiu espontaneamente a partir da possibilidade de fazer uma reflexão crítica sobre diversas questões e possibilidades vinculadas à nossa profissão. Assim, o estúdio tem, necessariamente, um caráter investigativo. É um trabalho que, creio, traz a oportunidade de pensar a produção da arquitetura. O estúdio tem uma quantidade de membros e professores que acabou por extrapolar os limites do próprio curso. Os projetos que desenvolvemos estão ganhando concursos nacionais e prêmios e estamos muito felizes por esse reconhecimento. Acreditamos que esse não é um modelo final pois acho que ainda estamos em desenvolvimento. Há algumas coisas que gostaríamos de mudar, mas estamos aprendendo a ser acadêmicos também. Ainda temos muita coisa para aprender.
Elgue: O Taller E é um dos cinco estúdios do curso de arquitetura da Universidad Nacional. Além do curso de arquitetura da UNA, existem os cursos da Universidade Católica, e também outros dois particulares. Assim, dentro do panorama geral do ensino de arquitetura, ao Taller E cabe uma participação mínima. Dentro da própria UNA somos apenas 1/5. Mesmo assim, o nosso trabalho é suficientemente forte para fazer essa porcentagem mínima ter a relevância que tem. O programa de ensino do Taller E é diferente até mesmo dentro do contexto da Universidad Nacional. O curso não está organizado, como é comum, de forma que a complexidade dos exercícios cresça do primeiro ao último semestre. Um programa pequeno que vai aumentando a cada semestre. O nosso estúdio utiliza um sistema de ênfases por semestre do curso. Por exemplo, um semestre da ênfase à estrutura, outro,à questão ambiental, etc. Não é somente isso, mas uma das coisas que nos diferencia é a existência dessas ênfases.
Esboço / Estudio Elgue
28 Descrição enviada pela equipe de projeto. Quando tudo é descartável...onde quase tudo é de consumo rápido e descartado, para logo se voltar a consumir e se desfazer; onde o setor da construção é responsável por gastar aproximadamente 65% dos recursos naturais, 40% da energia e gerar 50% do total de resíduos do planeta.
EC: Nesse ano de 2019 a cidade de Assunção vai sediar a XI Bienal Iberoamericana de Arquitetura e Urbanismo, BIAU, e você, José Cubilla, é o curador da mostra. Qual é o significado disso para o Paraguai?
Cubilla: A BIAU será um evento histórico para o nosso país. Vamos agregar toda comunidade arquitetônica latinoamericana. É um enorme orgulho e uma enorme responsabilidade ser curador e eu estou muito comprometido com isso. O foco da mostra é o "habitar e a água". O tema da água como um elemento fundamental de conexão dos nossos territórios e o tema do habitat. A bienal representa a oportunidade de refletir sobre os problemas reais e propor soluções onde a arquitetura se faz necessária. O evento será realizado fora dos recintos fechados, fora dos anfiteatros, fora dos muros, na cidade, com todos os problemas que devem ser descobertos e evidenciados. A BIAU não é só sobre arquitetura,mas uma oportunidade de reflexão.
Nota:
[1] Entrevista realizada no dia 20 de março de 2019 por Débora Filippini e José Paulo Gouvêa (Escola da Cidade)