A recente crise política e social do Brasil - exemplificada nos resultados da última eleição - é preocupante e vem minando a confiança dos cidadãos nos processos de tomada de decisão que afetam nossas vidas e cidades. Um de seus motivos é a ausência de espaços públicos onde pessoas de diferentes camadas sociais, raças, etnias, perspectivas e visões de mundo possam se encontrar, trocar, representar quem são.
Espaços públicos são fundamentais para a democracia e a cidadania. O planejamento moderno e o desenvolvimento urbano desigual levaram Brasília a ser uma cidade segregada, fragmentada e profundamente desigual. A esfera pública deteriorada e a individualização dos estilos de vida provenientes agravam a situação, e estamos cada vez mais desconectados, intolerantes e civicamente desengajados.
Felizmente, um fenômeno recente deu origem a novas formas de engajamento cívico e participação. Seja por meio de manifestações, ocupações culturais, hortas comunitárias, feiras, blocos de carnaval ou festas no espaço público, diferentes iniciativas estão reinventando a política e a cidadania urbana, ao reimaginarem o espaço público e a cidade.
Embora as iniciativas surjam de formas diferentes e ajam por meios distintos, todas compartilham propósitos e resultados semelhantes. Dividem também desafios - excessiva burocracia, criminalização de suas atividades, falta de apoio financeiro e acesso desigual a recursos. Os grupos estão se organizando de maneira orgânica, independente e, em muitos casos, desconectados uns dos outros e sem o apoio do governo. Embora tenham muito a dizer, eles não parecem ter voz no futuro da cidade.
Nestas circunstâncias, a urbanista Eduarda Aun desenvolveu um projeto que pretende potencializar as iniciativas existentes, dando-lhes visibilidade, conectando-as entre si e fornecendo-lhes recursos, por meio da plataforma online Espaço Público. Através de um mapa, as pessoas podem interagir com os eventos e espaços, optando por participar ou acessar as ferramentas e demais recursos (estudos de caso, dados urbanos, legislação, guias) para se organizarem por conta própria. Como a maioria dessas iniciativas já está sendo organizada on-line por meio de grupos do Facebook e do Whatsapp, o uso de plataformas online é familiar e, ao mesmo tempo, tem potencial para colaboração, expansão e interatividade.
Espacopubli.co demonstra a importância de entendermos nossos problemas sociais, políticos e urbanos de forma crítica e que tenhamos ferramentas e caminhos para solucioná-los. Foi desenvolvida, também, de forma a aproximar assuntos e conversas geralmente restritos a urbanistas a um público maior, tratando de forma acessível e cativante, mapas de distribuição de renda e acessibilidade, por exemplo, e a importância de espaços públicos e da ação coletiva para um desenvolvimento urbano mais justo e inclusivo. A plataforma também ressalta a importância da visibilidade do movimento, para encorajar que outras pessoas participem e ocupem o espaço público, para possibilitar novas conexões entre os grupos e para demonstrar para urbanistas e governantes que existem demandas a serem atendidas, mas principalmente, que já existem caminhos possíveis.
Coincidentemente, a plataforma surge ao mesmo tempo que o Governo de Brasília lança o programa “Adote uma Praça”. O programa tem o objetivo de promover parcerias entre empresários e moradores na manutenção e recuperação de locais como jardins, estacionamentos, balões rodoviários, pontos turísticos, parques infantis e pontos de encontro comunitários (PECs). O Decreto No 39.690/DF (que regulamenta a lei de 93 que dispõe sobre a adoção de praças) incentiva a cooperação entre o DF e particulares interessados em realizar benfeitorias e manutenção em mobiliários urbanos e logradouros públicos, promovendo melhorias urbanas, culturais, sociais, tecnológicas, esportivas, ambientais e paisagísticas. A plataforma surge como oportunidade para o governo reconhecer as demandas existentes e demonstrar possíveis parcerias entre aqueles que já estão espontaneamente transformando os espaços públicos e empresas e entes interessados em apoiar os projetos financeiramente, uma vez que este é um dos maiores desafios para a maior parte das organizações, principalmente com a recente suspensão de dois editais do Fundo de Apoio à Cultura (FAC), ao qual muitas dessas organizações recorrem.
Espaçopubli.co serve como alarme de que existem muitas organizações que estão trazendo cultura e desenvolvimento econômico para o Distrito Federal e que necessitam de apoio do governo, por meio de editais de cultura e outros mais abrangentes, que contemplem outros tipos de intervenção no meio urbano. O projeto nos lembra que espaços públicos são espaços importantes para a sociabilidade, lazer e bem estar, mas também fundamentais para a participação democrática e cidadania. Ao mesmo tempo, complementa os programas lançados pelo governo: tanto o programa Adote uma Praça, como o edital FAC Ocupação (edital que visa a ocupação e programação de equipamentos públicos) podem usar do mapeamento para entender quais são os espaços que já estão sendo ocupados pela população e como estão sendo usados, e quais áreas e grupos estão sendo beneficiados, para que os recursos sejam alocados democraticamente e beneficiem a população como um todo.
A plataforma traz um novo viés para espaço público como aquele que não é dado, mas construído por meio da ação coletiva. Mais do que espaços físicos e fixos, espaço público é o espaço que possibilita a mistura e a convivência de pessoas e pensamentos diferentes, e que é aberto a todos independentemente de renda, raça, gênero ou ideologia. É o espaço construído por e para pessoas, abertamente acessível, com impactos comuns e/ou palco para desempenho de papéis públicos, sejam permanentes ou temporários. E vamos combinar, estamos precisando de espaços assim!
Espaçopubli.co foi desenvolvido para Brasília, mas é um convite para colaboração com outras organizações e expansão para outras cidades e espaços públicos ao redor do Brasil.
Texto fornecido pela autora do projeto.