A exuberância dos pinheiros nativos que batizou um dos bairros mais tradicionais de São Paulo e um dos principais rios da cidade, hoje está restrita a fotografias antigas. Poderia ser só mais um relato nostálgico, mas é incentivo para um projeto ambicioso do Legado das Águas – Reserva Votorantim: trazer a Mata Atlântica de volta à cidade. Com projeto da Cardim Arquitetura Paisagística, junto a Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente de São Paulo e a Empresa Metropolitana de Água e Energia (EMAE), em uma nova etapa do Projeto Pomar Urbano, o Legado das Águas executará o maior projeto de paisagismo urbano com espécies nativas da Mata Atlântica do Estado, com uma proposta inovadora para transformar a relação entre o rio e a metrópole.
A Mata Atlântica que empresta os nomes das suas espécies da flora e fauna para ruas, bairros e praças – bairro Cambuci (espécie frutífera), rua Inhambu, Canário e Pintassilgo (aves) do Moema – é inseparável da identidade histórico-cultural de São Paulo. No passado, o bioma já ocupou quase a totalidade da região da capital. A vegetação urbana original foi suprimida pelo acelerado processo de urbanização – negligente ambientalmente – durante o século passado, principalmente nas áreas centrais da cidade. Aos poucos, áreas verdes receberam espécies exóticas, ou seja, de outras regiões e países, que atualmente dominam 90% do nosso paisagismo urbano. Isso causa inúmeros problemas ambientais, como pragas, quedas de árvores por espécies exóticas que não se adaptam ao território, e o afastamento da fauna nativa.
A nova etapa do Projeto Pomar Urbano, proposta pelo Legado das Águas – Reserva Votorantim, visa minimizar esse quadro, reflorestando 13,5 quilômetros da margem oeste do Rio Pinheiros (no sentido Interlagos da Marginal), o que corresponde a, aproximadamente, 8 hectares. Ao todo, serão plantados 30 mil exemplares de mais de 30 espécies nativas da Mata Atlântica, cultivadas no Viveiro do Legado das Águas, a maior reserva privada de mata atlântica do país, conservada pela Votorantim há mais de 50 anos, e localizada a cerca de 2 horas da capital, no Vale do Ribeira.
O grande diferencial desta proposta está no método que reproduz a dinâmica da floresta tropical em pequena escala, permitindo a criação de verdadeiras miniflorestas atlânticas no ambiente urbano. O objetivo, segundo o botânico que assina o projeto, Ricardo Cardim, é resgatar a estética original do rio Pinheiros e criar uma aproximação com a comunidade. A proposta técnica levou em consideração o uso de espécies que favoreçam o retorno dos pássaros, propiciem conforto térmico e a combinação harmônica entre as espécies, possibilitando menor manutenção, poda e rega.
O grande desafio para projetos paisagísticos convencionais é o custo de manutenção. Em projetos com espécies exóticas, além de prejuízos ambientais, há um custo de manutenção muitas vezes maior que em reflorestamento com plantas nativas. Com essa nova etapa do Pomar, o projeto proposto pelo Legado das Águas e pelo botânico Ricardo Cardim levou em consideração espécies nativas da Mata Atlântica com menor custo de manutenção, poda e rega, sendo financeiramente viável e inteligente. Futuramente, o custo para manutenção não será um problema do tipo que incentiva o abandono de áreas verdes da cidade.
Reduto de qualidade e bem-estar
Embora um trecho de 13,5 quilômetros de floresta possa parecer pouco no contexto da cidade, é importante lembrar que espaços bem menores que esse na capital paulista, cultivados com espécies nativas, têm mais diversidade de plantas do que em toda a Inglaterra, ressalta Ricardo Cardim da Cardim Arquitetura Paisagística.
Esse trecho pode ser entendido como um reduto de qualidade de vida e de serviços ambientais gratuitos em plena cidade. Por exemplo, cada árvore da Mata Atlântica, de porte médio a grande nos primeiros 20 anos, como uma Figueira, chega a retirar cerca de 160 kg de CO2 da atmosfera, e segundo um estudo² sobre conforto térmico proporcionado por árvores, elas baixam a temperatura no ambiente onde são plantadas por conta da sombra. Esses serviços, como outras iniciativas, são bem-vindas numa cidade como São Paulo, com 7,4 veículos motorizados para cada 10 habitantes e déficit de área verde por pessoa.
Para a fauna, o trecho se interliga a outros fragmentos de mata nativa na cidade, transformando-se num corredor aéreo ecológico, principalmente para as aves, muitas essenciais para controle de pragas urbanas. O novo projeto tem variedade de espécies frutíferas nativas, muitas delas raras e valorizadas nos supermercados, – como o Cambuci, Uvaia, Araçá, Jaracatiá – que torna o local uma parada ideal para que aves de passagem ou pequenos mamíferos se alimentem.
Já para a despoluição do rio Pinheiros, a revitalização desse trecho não será solução, mas pode contribuir para mitigar a contaminação do rio por substâncias poluentes. Isso porque as raízes funcionam como filtros para o “lixo invisível”, como é chamada a micropoluição, proveniente da queima de óleo dos motores. O Rio Pinheiros teve seu curso alterado para o sentido Tietê-litoral há 50 anos para atender a demanda de energia elétrica. Ainda que uma obra necessária e emblemática, negligenciou a natureza do Rio, que hoje padece enterrada pela poluição.
“O paisagismo funcional que estamos propondo aqui, aquele que a estética está aliada a benefícios sociais e ambientais, é chave para o que esperamos como cidade do futuro. Com anos de estudos para encontrar o melhor método de paisagismo urbano, e um desejo incansável de reviver a mata nativa de São Paulo, em médio prazo, o que vemos em preto e branco nas fotografias antigas, veremos vivo pela janela, cheio de cores, uma nova era para o rio Pinheiros. Atualmente, não há nada igual sendo feito no Estado, temos uma grande chance de mostrar ao país como devemos cuidar das nossas cidades”, diz o botânico Ricardo Cardim.
Certificado de origem das plantas
Outro diferencial de parte dos exemplares que irão compor o projeto, produzidos no Viveiro do Legado das Águas, é a rastreabilidade, que garante o padrão de qualidade durante todas as etapas do processo de produção das plantas. Em outras palavras, esse processo evita a reposição dos exemplares, devido ao melhoramento genético, otimizando o plantio e garantindo a produção com responsabilidade, conforme preza a legislação. As plantas recebem um QR Code. Com um celular em mãos, é possível saber toda sua história, inclusive a sua origem na floresta.
Todos esses fatores, aliados às condições de clima e solo do bioma nativo, rendem ao projeto muito mais agilidade no crescimento. O projeto inclui espécies nativas entre arbustos, forrações de diversas famílias, gêneros e espécies da Mata Atlântica. Entre as espécies selecionadas estão Quaresmeiras, Manacás, Ipês, Araucárias, Cereja Brasileira, Palmito Juçara, Pitangueiras e Jabuticabeiras.
“Tratamos esse projeto muito além do plantar mais árvores na Marginal Pinheiros. É uma soma positiva de técnicas e beleza, caminho para enfrentar os desafios que atingem metrópoles como São Paulo. Experiências internacionais têm demonstrado que o uso de espécies nativas em infraestrutura verde, pode ser chave para alguns dos principais desafios do milênio, e que já assolou a capital paulista: aumento da disponibilidade hídrica e resistência para enfrentar alagamentos. Com a nossa proposta, queremos voltar a atenção para o rio Pinheiros, e incentivar ações individuais e coletivas que contribuam para também deixar nossa cidade mais humana e solidária, além de incentivar outras atividades que podem resgatar um dos mais icônicos rios brasileiros”, afirma David Canassa, diretor da Reservas Votorantim.
Via CicloVivo.