A transparência da Casa de Vidro, residência onde Lina Bo Bardi e seu marido, Pietro Maria Bardi, viveram por quarenta anos, é tema da obra Casa de vento, da artista plástica gaúcha Lucia Koch. Koch é conhecida por empregar filtros, telas, fotografias e vídeos em suas investigações sobre luz, espacialidade, movimento e tempo, em estreito diálogo com a arquitetura. Sua intervenção na casa de Lina é mais uma de suas obras que pretende criar um deslocamento na compreensão da realidade construída através da sobreposição de outras camadas de realidade.
Para o observador desatento (ou, se quisermos, ao olho fenomenológico), a obra de Lucia é uma cortina; um enorme tecido semi-transparente que envolve as fachadas envidraçadas da casa no Morumbi em um gradiente cromático que passeia entre tonalidades de âmbar e azul. Um olhar apurado, no entanto, faz ver que a singela intervenção [1] é um todo muito maior que a soma das partes.
Ao enlear a arquitetura de cristal com tecido, a artista coloca em tensão a própria existência ontológica da casa de vidro. As superfícies envidraçadas, que por setenta anos diluíram-se no espaço fazendo-se invisíveis, passam agora a existir enquanto planos que definem visualmente o espaço interno da área social da casa.
As ondulações do tecido são projetadas nas esquadrias metálicas da mesma forma que as sombras das árvores no jardim se projetam no tecido. A sobreposição de camadas se da ainda em outra esfera: à arquitetura da década de 1950 se justapõe a obra artística (arquitetônica) de hoje, revelando um segundo tema primordial deste trabalho: o tempo.
"A Casa de vento sublinha o tempo na apreensão do espaço", comenta o arquiteto Luís Antônio Jorge, em seu texto de apresentação da obra de Koch. O movimento dos tecidos ao vento nos informa a passagem do tempo, assim como o movimento da imagem projetada na tela indica ao espectador que aquilo é cinema, não fotografia. A interação direta das cortinas com a força externa do vento conduz o observador imerso na obra através do tempo; dito de outro modo, o trabalho de Koch tem a capacidade de comprimir ou expandir a apreensão temporal, uma vez que os delicados tecidos podem esvoaçar ou repousar inertes dependendo das correntes de ar.
Não por acaso, as cores impressas nas cortinas fazem lembrar variações cromática do céu ao longo do dia. "Os extremos do gradiente de cores utilizado nos tecidos descrevem o arco Leste-Oeste da orientação das fachadas laterais da Casa de Vidro", informa-nos Jorge - além de ativar fisicamente o tempo por meio do movimento, a obra de Lucia Koch evoca imageticamente o tempo celeste e o movimento dos astros.
Raros são os casos em que com tão pouco se consegue tanto. Com um tecido tingido de azul e laranja, Lucia Koch faz com que nossos músculos, pele e olhos sintam a presença do tempo em um espaço eternamente moderno.
Nota
1. Singela apenas figurativamente. A enorme dimensão do tecido impresso com o gradiente cromático e a instalação dos trilhos de sustentação na Casa - que é tombada pelo CONDEPHAAT - exigiram grandes esforços técnicos.