A Casa das Canoas, importante construção projetada por Oscar Niemeyer em 1951 no Rio de Janeiro e tombada como patrimônio pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), está fechada. Considerada um marco da arquitetura moderna, a residência ganhou destaque por ter sido construída no sopé da Pedra Bonita, no bairro de São Conrado. Hoje, passa por um processo de disputa que coloca de um lado os familiares do arquiteto fundador da residência, e, de outro, a Fundação Oscar Niemeyer, responsável pela conservação do imóvel.
Cercada por jardins de Roberto Burle Marx e da Mata Atlântica da Floresta da Tijuca, a Casa das Canoas esteve aberta ao público por 20 anos. Em 2007, foi tombada junto a outras 34 obras do arquiteto.
De acordo com informação apurada pela coluna de Lauro Jardim, de ‘O Globo’, e confirmada pela reportagem com a família de Oscar Niemeyer, a casa não recebe visitas há quase um ano e está em estado precário. Entre os problemas encontrados, está a piscina sem água e com azulejos trincados. Os móveis foram retirados e há infiltrações pelas paredes. O jardim teve o projeto original modificado, com inserção de cascalhos no lugar da antiga grama.
O bisneto de Niemeyer, Paulo Sergio, acredita que a inserção do material tenha sido feita apenas para diminuir os custos de manutenção, o que descaracteriza a obra. Em comunicado enviado à HAUS, a fundação indica que a casa está passando por um processo de restauro que envolve intervenções amplas. De acordo com a instituição, já foi realizada a impermeabilização do solo do pátio externo, mas ainda há a necessidade de revisão da estrutura da piscina e a reconstrução da ponte sobre o rio que circunda o terreno. As intervenções totalizariam R$ 2,7 milhões, mas os recursos ainda não foram captados.
A fundação indica ainda que “o restauro da Casa das Canoas está na lista de projetos aprovados para captação através da lei do ISS da Secretaria de Cultura do Rio de Janeiro, divulgada no último dia 15 de julho, e está em fase de elaboração de projetos detalhados para aprovação junto aos órgãos de patrimônio”.
Carlos Eduardo Niemeyer, neto de Niemeyer, credita a falta de verba ao mau planejamento e organização da fundação. “A infiltração na piscina acontece há anos e nunca passou por reparos adequados, só foram feitas gambiarras. Isso prejudicou a estrutura dela, que agora está condenada pela engenharia”, diz.
A fundação, por sua vez, coloca a culpa do problema no próprio projetista do imóvel, dizendo que a estrutura da piscina está comprometida desde a década de 1980. “A piscina apresenta problemas graves de vazamentos que foram tratados na época com ações paliativas pelo próprio arquiteto Oscar Niemeyer, quando realizou uma grande obra na casa. Foram feitos na ocasião remendos em argamassa na junção da parede da piscina com o fundo e em outros pontos que apresentavam rachadura”, dizem em nota. A fundação argumenta que é esse problema o motivo principal para que a casa tivesse de ser fechada.
Os membros da família Niemeyer não concordam. Para eles, o ponto mais questionável é a falta de manutenção pelo qual a casa tem passado, o que fez, inclusive com que a família começasse a questionar o acordo em comodato que havia sido feito com a fundação. “Existe um contrato e estamos esperando a posição deles. Mas daqui a pouco até a impermeabilização feita vai ser prejudicada pelo tempo que a casa está abandonada”, afirma Carlos Eduardo.
A Fundação Oscar Niemeyer se defende, dizendo estar clara a intenção de alguns dos herdeiros de se apropriar dos direitos e do valioso acervo da casa. “Caso a Fundação seja extinta, todos os direitos cedidos e o acervo sob sua guarda retornam para eles. Alguns familiares têm criado instituições com o nome do arquiteto, feito uso indevido de sua obra, além de outras ações que trazem prejuízo à instituição, dificultando a manutenção de suas atividades básicas”, justifica a instituição.
O bisneto Paulo vai além. Para ele, é preciso respeitar o modo como o arquiteto pensava o capital. “A fundação não entendeu alguns princípios do Oscar. Fazer dinheiro em cima do trabalho do meu avô não condiz com o que ele dizia”, pondera. Segundo ele, a visitação à Casa das Canoas, quando aberta, deveria ser gratuita. “O Oscar não concordava com especulação financeira, nem imobiliária em cima do patrimônio que ele construiu. O legado dele é público”, conclui Paulo.
Histórico
Em 2014, a colunista Cleo Guimarães já havia publicado nota a respeito do sumiço de ao menos quatro elementos do mobiliário da casa. Eles tinham sido criados pelo arquiteto e teriam recebido destino incerto. Na época, a família de Niemeyer revelou que foram levadas duas poltronas, uma mesa e uma chaise longue, avaliada em R$ 80 mil. Todos os móveis eram catalogados.
Em nota à HAUS, a Fundação Oscar Niemeyer afirma que os móveis da Casa das Canoas continuam preservados e que nenhum móvel foi retirado, com exceção do que fazia parte do acervo da própria fundação. “Uma sala de reuniões foi desativada e sua mesa, de 10 lugares, transferida para a sede da instituição. A declaração de roubo é completamente fantasiosa e caluniosa”, concluem.
A casa
Reconhecida por especialistas e críticos de arte como uma síntese da arquitetura moderna, a construção é cercada por vidros curvos, que acompanham todo seu entorno. Para as salas de estar, foram criadas zonas em sombra para evitar o uso de cortinas, preservando a transparência dos vidros e a visão da natureza ao redor.
Uma imensa pedra se estende da piscina em formato circular até o interior da sala. O imóvel chegou a abrigar Oscar Niemeyer, que morou ali com a mulher, Anita, e a filha, Ana Maria, até 1959.
Via Haus.