O projeto para o novo Aquário de Mazatlán, concebido pelo escritório de arquitetura liderado Tatiana Bilbao, encontra-se inserido no masterplan - também desenvolvido pela arquiteta mexicana - no contexto do programa de revitalização do Parque Central de Mazatlán, no México. Tatiana Bilbao idealizou o projeto do Aquário de Mazatlán com a principal intenção de complementar as áreas públicas da cidade, adequando-se à paisagem natural e cultural deste conjunto de grande interesse histórico e social. O projeto busca oferecer aos visitantes uma experiência completa, um percurso através dos principais ecossistemas marinhos do chamado “Mar de Cortés”, na costa oeste mexicana. Nesta entrevista, conversamos com a arquiteta mexicana Tatiana Bilbao para saber maiores detalhe sobre as suas principais intenções com este projeto assim como sobre os desafios ao longo de todo o processo de desenvolvimento do projeto daquele que será um dos maiores Aquários da América Latina.
Monica Arellano: Nos conte um pouco mais sobre como surgiu a idéia de construir um aquário na cidade de Mazatlán.
Tatiana Bilbao: Já faz cinco anos que nos convidaram para trabalhar no projeto do Parque Central de Mazatlán. Na realidade, o Parque Central - como sempre foi chamado - não era nada além de uma estreita faixa ao longo do rio, espremida entre a cidade e a bacia de inundação. E por estar em uma área alagável, este espaço começou a ser chamado de parque, depois foram construídas algumas quadras de futebol, o antigo aquário, um fórum e agora, o novo aquário municipal de Mazatlán.
O parque foi crescendo de maneira intuitiva sem nenhum tipo de projeto, até quando os moradores decidiram criar uma espécie de associação dos amigos do parque com o propósito de recuperar a área, algo parecido com o que foi feito no Jardim Botânico de Culiacán, não muito longe dali. Nós sabíamos da existência de outros projetos para o parque, como aquele desenvolvido por Fernando Romero e também outro assinado pelo escritório EHDD, por isso, decidimos desenvolver um plano diretor que contemplasse estas propostas prévias, deixando espaço para que estes projetos fossem construídos quando chegasse a sua hora e estivessem devidamente conectados com a estrutura geral do parque. Depois de convencer as autoridades locais e conseguir uma série de investidores parceiros, o nosso cliente deu sinal verde para avançarmos com o projeto.
MA: Como se deu o processo de projeto e a estruturação do programa arquitetônico?
TB: A bacia de inundação foi o elemento mais importante a se considerar neste projeto, isso porque ela está conectada com todo o sistema hídrico da cidade de Mazatlán. Primeiramente fizemos uma análise minuciosa da situação considerando todos os dados disponíveis e como resultado disso, desenvolvemos uma proposta bastante ambiciosa: conectar todos os espaços verdes da cidade criando uma enorme rede de espaços públicos. Ainda este projeto não tenha sido levado adiante, ele nos forneceu as bases para o desenvolvimento dos projetos específicos que vieram à seguir, edifícios com programas diretamente relacionados à paisagem natural de Mazatlán.
Ainda assim, o Parque Central continuará sendo uma área de inundação, tanto porque esta é uma condição natural e irrevogável. Considerando isso, propusemos programas que possam resistir as frequentes inundações que fazem a regulação natural dos ciclos das águas. Na realidade, procuramos propor programas adequados à esta situação e a partir disso desenvolvemos o anteprojeto do edifício do aquário, um edifício resiliente acima de tudo. Para o nosso cliente, a nossa versão do aquário municipal não se parecia nada com um aquário e isso nos fez repensar o próprio programa que havíamos proposto. Nos custou entender que devíamos criar um edifício onde tudo deveria ser meticulosamente controlado pelo homem, um projeto que ao final, não tinha nada a ver com tudo aquilo que havíamos pensado antes. A partir deste impasse, decidimos reestruturar o programa do edifício para finalmente transformá-lo em um centro de pesquisa e proteção da vida marinha.
O antigo aquário de Mazatlán, construído no final dos anos 70, é um típico exemplo de museu-aquário. Pingüins, baleias e corais trazidos da Austrália são grandes atrações que fascinam os visitantes. A nossa abordagem de projeto, desde o começo, estava no estremo oposto disso tudo. Não era este tipo de aquário que pensávamos construir, e por fim nos demos conta de que este seria um aquário que celebraria a diversidade e a importância do Mar de Cortés. Com isso em mente, decidimos que o novo edifício albergaria todo o programa público do aquário, depois convertiríamos a estrutura existente em centro de pesquisa.
MA: Conte-nos um pouco mais sobre o conceito geral e o processo criativo do projeto.
TB: Como mencionei antes, este não é um projeto que procura reproduzir situações atípicas daquelas que encontramos aqui, às margens do oceano pacifico. É um edifício que procura respeitar suas condições naturais específicas, uma estrutura que procura fazer a mediação entre os ecossistemas marinhos e terrestres, um programa que tem tudo a ver com o local onde está inserido. Não se sabe exatamente como, mas foi devido ao aumento dos níveis das marés que os seres vivos passaram da água a terra firma. Pessoalmente eu acredito que no universo tudo é cíclico, as coisas vem e vão, e eu gosto de pensar que a natureza vai tomar conta deste edifício e que ele terá vida própria depois de um certo tempo, como se ele sempre estivesse estado ali.
Obviamente, estas são apenas ideias e conceitos abstratos. Na prática, tínhamos um vasto programa para resolver - com todas as complexidades inerentes de uma estrutura com essas dimensões. Nossas ideias foram sendo adaptadas e pouco a pouco fomos construindo este edifício que finalmente é acessado por duas grandes escadarias, uma para quem chega pelo parque e outra que faz a conexão do edifício com a via de acesso.
MA: Quais foram as diretrizes consideradas para a implantação do edifício?
TB: Considerando a manutenção do aquário existente, a implantação do novo edifício foi pensado de forma a conectar estas estruturas com o restante do masterplan. Ele funciona como uma espécie de mirante jardim, desde onde é possível ter um panorama completo do parque e da lagoa. A partir deste ponto, os visitantes são convidados a imergir neste edifício-aquário.
A entrada principal dá-se pelo centro do edifício, e a partir deste ponto o visitante pode escolher qual percurso seguir. Junto as bilheterias encontram-se um café, uma loja de souvenirs e um laboratório. Mais adiante encontramos o auditório que dá suporte as atividades educativas que funcionam no edifício. Do outro lado temos a área de águas profundas, a área litorânea e a terra firme com seus bosques e um aviário bastante grande. Nosso conceito parte da idéia de que é a natureza que domina a arquitetura e não ao contrário, e ainda que este seja um edifício de arquitetura, podemos dizer, brutalista, suas paredes e muros nos fazem lembrar mais uma ruína tomada pela natureza do que um edifício de arquitetura propriamente dito.
MA: Qual foi o maior desafio em desenvolver um projeto desta magnitude?
TB: Acredito que o maior desafio foi entender como poderíamos fazer deste projeto uma oportunidade para sensibilizar as pessoas, chamar a atenção delas para tudo aquilo que está acontecendo no mundo hoje e como podemos trabalhar para reverter esta situação. Como uma sociedade - digo coletivamente -, precisamos conhecer o nosso mundo, pois se não o conhecermos não saberemos reconhecer os valores que ele tem. Isso é fundamental para a nossa vida e é preciso entendê-lo de uma forma mais ampla e abrangente. Aqui, é a natureza que fala mais alto, que domina o espaço construído pelo homem, por isso este projeto é tão forte, porque ele é didático. Ele não apenas é capaz de criar o melhor ambiente para o desenvolvimento das diferentes espécies que abriga, mas também de conscientizar as pessoas que é a natureza que rege o mundo, que sempre foi assim e sempre será.
Este foi o nosso maior desafio, agora resta esperar para ver se a natureza vai fazer a sua parte. Os padrões e dimensões consideradas neste projeto correspondem aos maiores e mais importantes aquários do mundo, como o de Vancouver por exemplo, ou o da cidade de Valência e também o de Monterrey. A ideia é que as espécies que aqui se reproduzam possam ir talvez para outros aquários do mesmo porte, criando uma relação de colaboração entre estas instituições.
MA: Para você, qual é o maior benefício que o novo aquário trará para Mazatlán?
TB: O Parque Central de Mazatlán é três vezes maior que o Jardim Botânico de Culiacán - que surgiu em um primeiro momento como uma referência para este projeto. Porém, o projeto do aquário municipal foi concebido pra beneficiar a cidade de Mazatlán uma vez que o nosso maior objetivo era manter o orçamento do atual edifício. Ainda assim, sem dar um passo maior que as pernas, estamos construindo um aquário de primeiro mundo e isso trará por si só, muitos benefícios para a cidade como um todo. Estamos tratando parte do investimento, que vem de fontes privadas, como uma atividade filantrópica em benefício da cidade e seus moradores
MA: Para você, qual é a importância da representação da arquitetura em um projeto como este? Eu vejo seus desenhos como uma forma de dar voz ao processo criativo por trás de cada projeto.
TB: Para mim, o processo é o mais importante porque nos permite comprovar se as ideias que tivemos dão certo, ou não. O desenho nos permite transmitir a ideia - que é algo subjetivo a priori-, e torná-la compreensível para todos. Além disso, este processo nos permite documentar todas as ideias que vão surgindo ao longo do processo. Cada projeto, na minha opinião, precisa de uma forma de representação única para que seja possível comunicar aquilo que estamos propondo.
Neste projeto, especificamente, trabalhamos com colagens que dialogam com o conceito de ruína que eu mencionei à pouco, assim podemos ver se realmente a ideia está clara e o que as pessoas pensam quando vêem estes desenhos. Claro que tivemos que trabalhar com imagens renderizadas para que o cliente pudesse compreender toda a parte técnica do projeto mas que para nós, não tem tanta importância naquilo que se refere ao processo creativo. Por isso também nós geralmente não publicamos estas imagens, pois elas criam uma barreira, algo que nos tira todo o poder de imaginação. Por outro lado, se eu te mostrar apenas colagens, sua imaginação começa a complementar todas as informações que estão faltando, e isso pode trazer muitas ideias novas para o projeto, funcionando como uma ferramenta de projeto que nos ajuda muito ao longo do processo.