Junya Ishigami é um dos mais proeminentes jovens arquitetos japoneses da atualidade, tendo conquistado reconhecimento por sua abordagem experimental em relação ao projeto. Sensível às especificidades locais, Ishigami coloca no centro do debate da arquitetura questões fundamentais à profissão, mas que por vezes passam batido na prática arquitetônica cotidiana. Tempo, tensão e liberdade de alguma forma permeiam sua produção, tornando-se aspectos visíveis em muitas de suas obras recentes.
A convite da Japan House São Paulo, Ishigami veio ao Brasil para debater o papel das instituições culturais na contemporaneidade, evento que ocorreu no dia 2 de setembro deste ano e no qual dividiu o palco com Martim Corullon, do Metro Arquitetos. Com intermediação da própria Japan House, conversamos com o arquiteto sobre o papel da arquitetura no mundo atual, sua prática experimental e as singularidade de se projetar no Japão e no Brasil.
ArchDaily – Na palestra de ontem você comentou um pouco sobre o modernismo e a contemporaneidade. As nossas cidades não são mais as cidades modernas, elas mudaram muito e, com elas, os desafios também. Como você enxerga o papel do arquiteto no mundo contemporâneo?
Junya Ishigami – Percebo que, no século XX, o modernismo se constituiu principalmente através dessa igualdade de fazer a cidade como arquitetura. Atualmente eu acho que a arquitetura precisa ter uma escala maior que simplesmente uma cidade, uma escala tanto da natureza quanto do planeta Terra em si. Acredito que esse seja o nosso papel na sociedade contemporânea: extrapolar a arquitetura para a escala do planeta.
AD – Você costuma mencionar a necessidade de liberdade na arquitetura e de uma espécie de ausência de controle total sobre o projeto. Poderia falar um pouco mais sobre isso?
JI – A arquitetura é como uma criação, uma expressão da diversidade de valores. Nesse sentido, acredito que precisamos representar e expressar o máximo possível das diferentes perspectivas do mundo, e o trabalho do arquiteto é fazer essa representação. No funcionalismo, o termo “criar” já traz consigo a ideia de "solução"; na minha opinião, precisamos ultrapassar essa visão e, para isso, precisamos de alguns fatores sob os quais não temos controle.
AD – Sua produção é bastante experimental e os edifícios, com certa frequência, mostram um tipo de tensão, tanto física como conceitual. Você pode falar um pouco mais do processo de projeto e dessa relação com o aspecto experimental?
JI – A tensão física que você fala é...
AD – Por exemplo, no projeto da instalação da mesa de aço super fina, ou, ainda, na tensão conceitual no caso do projeto House & Restaurant Noel, quando aquela estrutura de concreto densa e pensada se sustenta em poucos pontos de apoio.
JI – Quanto à questão da experimentação, à princípio, na arquitetura, não existe uma mesma resposta entre os arquitetos, porque cada um irá construir numa área diferente, com um cliente diferente, então cada obra tem essa parte um pouco experimental. E, como resposta do arquiteto, ao invés de apresentar apenas uma resposta ou um ponto de partida, procuro integrar várias formas e diferentes perspectivas. Então, posso colocar alguma coisa muito pesada sustentada por algo muito fino ou, por outro lado, posso falar sobre a contemporaneidade e, ao mesmo tempo, passar a impressão de algo histórico. Assim, ao buscar incorporar diversos fatores em uma obra, naturalmente surge essa contradição, ou tensão que você mencionou.
AD – Você mencionou aqui e em outras entrevistas a importância do cliente, do terreno e da especificidade do local. Você pode falar um pouco mais da importância do papel do cliente nos seus projetos?
JI – A arquitetura de hoje não é como a arquitetura de antes, quando costumava ser a representação da sociedade; ou seja, a sociedade definia o que era a arquitetura. Hoje, nossa questão é: como expressar a individualidade através da arquitetura? Então, nesse sentido, o cliente é muito importante para trazer essa expressão da individualidade.
AD – Muitas das suas obras abordam a questão do tempo. Alguns edifícios já nascem com um aspecto envelhecido, quase erodido, como por exemplo o House & Restaurant Noel. Queria que você falasse um pouco mais sobre o tempo e a importância dele para sua arquitetura.
JI – Acredito que todos os edifícios que são construídos precisam permanecer lá o máximo de tempo possível. E, enquanto esse edifício existir, naturalmente, será desgastado. Então, tenho essa necessidade de mostrar a forma como a edificação se deteriora. Na minha opinião, a sociedade sofre mudanças e a arquitetura acaba refletindo isso, mas hoje em dia a sociedade tem mudado muito rapidamente. Até então, as mudanças da sociedade e a permanência da arquitetura aconteciam num intervalo semelhante. Como hoje em dia a sociedade tem mudado de forma muito rápida, procuro ajustar a arquitetura para acompanhar essa mudança.
AD - O contexto brasileiro é muito diferente do japonês. Você poderia tentar elaborar como o arquiteto brasileiro ou que trabalha no contexto brasileiro pode perseguir essa mesma liberdade com a qual você trabalha em seus projetos no Japão?
JI - Meu contexto como pessoa e arquiteto é o japonês. O Brasil, por sua vez, possui seus próprios valores locais e regionais. Então, esta liberdade é possível através da forma como você traça um paralelo entre seu contexto e os valores inerentes a ele, sejam históricos ou específicos de cada lugar do mundo onde você for trabalhar. Antes, no modernismo, a inovação era algo que chegava de fora e você tinha que se ajustar para fazer parte deste contexto de novidade. Hoje em dia, é o contrário: a inovação parte de cada um de nós e a questão é como podemos influenciar nosso contexto para melhorá-lo.
Transcrição da entrevista por Susanna Moreira.