Dentro do escopo de A Poética da Razão, a Trienal de Arquitetura de Lisboa deste ano explora o nexo entre a Agricultura e a Arquitetura, dois campos complementares que começaram a despontar há cerca de 10 mil anos, na Revolução Neolítica e, posteriormente, no Antropoceno. Dado o atual problema ambiental, a hipótese básica da exposição Agricultura e Arquitectura: Do Lado do Campo, com curadoria de Sébastien Marot, é que nenhum raciocínio consistente pode se desenvolver no futuro de ambas as disciplinas, a não ser que estas sejam de novo aliadas e repensadas fundamentalmente em conjunto uma com a outra.
A exposição inaugura no dia 5 de outubro e ocupa as dependências da Garagem Sul – CCB. Leia, a seguir, a explicação da mostra pelos curadores.
Da curadoria: Com as suas duas longas filas de pilares, a planta da Garagem Sul evoca a de uma basílica ou catedral: uma nave ladeada por dois corredores. Isso levou-nos a estruturar o nosso guião em três componentes paralelas.
Nave
O nosso guião central é didático e consiste em 42 painéis dispostos em 6 linhas temáticas de pensamento. Compõem uma jurisprudência de ideias, momentos e figuras que se podem ter em mente quando se considera o nexo entre a agricultura e a arquitetura, e a sua evolução. Os visitantes são convidados a passear entre essas cartas, como num jogo de paciência. Ao progredir em direção ao coro, descobre-se a parte de trás dessas cartas. Usamo-las para invocar, como se a partir do ventre da imaginação colectiva da arquitetura, uma constelação de projetos ou imagens famosas que falam por si próprios. Nenhuma regra fixa determinou a sua posição, a não ser o seu contraponto ou ressonância com os painéis frontais localizados atrás ou à sua frente. Vamos viajar. Os textos nos painéis dianteiros não devem intimidar ninguém. A sua função é fornecer uma ajuda ocasional para uma melhor compreensão dos tópicos abordados por cada painel. A navegação estimada ou apressada é bastante bem-vinda. O livro-catálogo está aqui para quem estiver ansioso por dissecar o guião inteiro.
Coro
Como a história e a teoria são fúteis se não forem estimuladas por uma chamada de atenção para entendermos onde estamos, toda a nossa jurisprudência conduz à 7ª secção que ocupa o coro. Lá, tentamos sintetizar, em quatro grandes desenhos de paisagem, as direções concorrentes que a dialéctica da cidade e do campo, bem como da agricultura e da arquitetura, podem seguir atualmente. Incorporação, Negociação, Infiltração e Secessão são enquadradas como os pontos cardeais de uma rosa dos ventos, na qual os visitantes são encorajados a refletir sobre qual poderia ser a sua posição. A nossa não é neutra. Ao fornecermos esta bússola, a nossa intenção é desafiar a ideia comum, muito preponderante entre os arquitetos, de que as cidades e a condição metropolitana são o destino manifesto da humanidade. Na nossa opinião, o que o problema ambiental atual exige urgentemente dos designers é, efetivamente, uma nova poética da razão: uma "lean logic".
Corredores
A ala esquerda da Garagem Sul é um corredor gigante onde exibimos uma cronologia num fresco com 60 metros, sintetizando as evoluções paralelas da agricultura e da arquitetura (e subsequentemente do urbanismo) desde o seu berço comum na era Neolítica. Neste "work in progress", várias mudanças ambientais, técnicas ou sociopolíticas são destacadas por terem mudado a forma como as sociedades humanas moldaram e transformaram o seu ambiente. Serve para ajudar os nossos visitantes a localizarem as vinhetas da nossa jurisprudência numa história comum e chamar a sua atenção para a dinâmica dessas evoluções paralelas: um espelho retrovisor indispensável, se quisermos dissipar a nuvem de falsas promessas que nos cerca hoje e abordar seriamente a derradeira questão: Que direito razoável à esperança podemos ter?
Quanto ao corredor da direita, ele está dividido em várias câmaras que usamos como um cinema "multiplex", mostrando excertos de filmes, documentários e entrevistas. Se a recolha de uma jurisprudência histórica consistente é essencial para entender a nossa situação hoje, nada é mais revigorante do que interagir com aqueles que tomaram o lado do campo e dedicaram as suas vidas e competências à gestão de mundos.
Com efeito, essa é a questão política que esta exposição quer levantar: o que é um mundo? Neste ponto, a melhor tentativa de resposta que poderíamos fornecer é esta: um mundo é uma área, território ou região, um campo, tanto físico quanto cultural, onde poderíamos, de forma razoável, imaginar passarmos e projetarmos a totalidade da nossa existência.