Luca Tranchino é um designer de produção conhecido por sua participação como diretor de arte nos filmes de Martin Scorsese, Gangues de Nova York, O Aviador, A invenção de Hugo Cabret, bem como O Príncipe da Pérsia da Disney, entre muitas outras produções. Seu trabalho tem o intuito de nos levar a mundos mágicos e históricos. Recentemente, entrevistamos Tranchino, para conhecer os bastidores e descobrir as conexões entre cinema e arquitetura.
Fabian Dejtiar: Você comentou estar muito interessado em arquitetura e que a cenografia utiliza a mesma linguagem, porém com outra abordagem, com mais liberdade e fantasia. Foi isso que o motivou a ser cenógrafo?
Luca Tranchino: Decidi que queria ser cenógrafo, provavelmente quando tinha 7 ou 8 anos, quando percebi que gostava de fantasiar a construção de ambientes a partir da minha imaginação. Eu construía cidades inteiras em minha mente, com casas, céus e montanhas, e as imaginava de forma que tudo coubesse dentro do espaço limitado do meu quarto. Alguém da minha família me disse que este era o trabalho do designer de produção e, a partir desse momento, tentei realizar este sonho. Eu sempre me interessei por arquitetura também; mas, mesmo que a cenografia, geralmente, utilize a mesma linguagem, seu objetivo é muito diferente. Principalmente porque não recria a realidade como ela é; em vez disso, representa o que é percebido através da mente e dos olhos dos personagens de uma história.
Penso que a cenografia faz uso dos meios arquitetônicos, para expressar um estado emocional, investigando as implicações psicológicas dele. Comparado à arquitetura, o design de produção é mais como olhar dentro do nosso subconsciente, nossas memórias, nossos sonhos e medos mais profundos, usando espaço, cor, textura, gráficos e símbolos para levar o público a outros mundos e fazê-los se relacionar com eles. De certa forma, projetar para um filme ou para uma série de TV é semelhante ao trabalho de um ator, que deve se colocar no papel de outra pessoa, às vezes de outras épocas ou outras culturas. O diretor de arte tem a liberdade de usar e reinterpretar a arquitetura de vários estilos, períodos ou geografias. Para cada projeto, existem muitas variáveis e requisitos diferentes, e os assuntos geralmente são muito diferentes: do histórico, à fantasia, à ficção científica e assim por diante. Por exemplo, para uma tarefa específica, você pode precisar expressar um sentimento desagradável, talvez por um corredor opressivo e labiríntico, que lembra um pesadelo, ou por meio de espaços inundados de água, sujos e desagradáveis. Não há limite; você pode construir estruturas consideradas impossíveis pelas leis da física ou introduzir materiais que ainda não foram inventados. A cenografia é a visualização de uma ideia, é como se teletransportar para realidades paralelas, quando mesmo o impossível é possível.
FD: Percebi que você tem interesse por desenhos feitos à mão. Em vários de seus trabalhos, eles parecem estar muito presentes. Como o desenho ajuda você?
LT: Ao longo de minha carreira na indústria cinematográfica, desde cenógrafo, diretor de arte e designer de produção, sempre elaborei croquis à mão para produções de filmes de Martin Scorsese, como Gangues de Nova York, O Aviador, A invenção de Hugo Cabret, e também para O Príncipe da Pérsia, da Disney, entre muitas outras produções. Infelizmente, essa prática está desaparecendo lentamente, em favor dos desenhos digitais, nos quais é possível fazer revisões muito mais rápidas, e fáceis de transferir, quantificar, etc. Acredito que devemos estar sempre atualizados com os avanços e as novas tecnologias, mas desenhar à mão, ainda oferece potenciais insubstituíveis, que eu gostaria de preservar.
Um desenho feito à mão tem uma qualidade de imperfeição e aspereza exclusivamente humana, que lhe confere vida e emoção. Um desenhista geralmente consegue enfatizar algumas linhas mais do que outras, comunicando uma sensação de material, textura, iluminação e ambientação, especialmente se estiver lidando com arquitetura histórica. Um desenho a mão, à sua frente, em uma prancheta, sempre lhe dará mais controle e foco no projeto geral, do que apenas visualizá-lo através da tela do computador. Esboçar também é essencial; começando com uma ideia aproximada que depois é refinada. O desenho manual permite que você se concentre em uma ordem específica, dependendo da escala, começando do conceito geral, da essência e, posteriormente, desenvolvendo os detalhes. Isso também pode ser observado ao compararmos renderizações em 3D com desenhos feitos à mão. Eles oferecem a oportunidade de esticar e dobrar subjetivamente, de modo a expressar melhor uma ideia específica.
FD: Construir cenários de grande escala deve ser um trabalho assustador. Como você faz a transição do desenho para a construção do projeto?
LT: Ainda é fascinante para mim poder visualizar um lugar, um ambiente, que existe apenas na minha imaginação, e depois vê-lo se materializar, após um curto período de tempo, e realmente caminhar nele, especialmente se for em dimensões maiores. Mas, a criação de um cenário requer muitos estágios e fases de desenvolvimento antes da construção ser iniciada. Geralmente o processo se inicia com uma importante fase de pesquisa e estudo. Conhecer o período, a era específica, é sempre muito importante, bem como os estilos arquitetônicos, aspectos sociológicos dos personagens, e o clima ou o tom correto para o projeto. A definição da paleta de cores e a descoberta da sua essência também são fundamentais. Em seguida, são feitos alguns desenhos preliminares do conjunto e, nesse ponto, geralmente gosto de fazer um modelo em miniatura, que é muito útil para expressar ideias ao diretor e aos produtores.
A maquete também é uma boa ferramenta para visualizar as ações dos atores descritos no roteiro, além de elucidar o trabalho do diretor de fotografia, ao adicionar luz. Geralmente nesta fase são feitas muitas revisões do projeto, para ajustá-lo ao orçamento proposto, que é inevitavelmente sempre menor do que o necessário. Em seguida, são feitos os desenhos finais e, mesmo que alguns cortes e pequenos ajustes tenham sido realizados, nesse ponto, todas as forças são reunidas para finalmente dar vida ao projeto.
FD: Como você faz isso funcionar na rápida evolução do mundo de hoje, especialmente considerando o ritmo no qual o designer de produção deve trabalhar? Você utiliza novas tecnologias digitais?
LT: Nos últimos anos, as produções tornaram-se muito mais rápidas do que costumavam ser e, por várias razões, sempre há menos tempo, especialmente para a preparação. O designer de produção geralmente precisa trabalhar em alta velocidade, tomar decisões muito rapidamente e, portanto, ter mais foco. Por outro lado, agora estão disponíveis ferramentas tecnológicas incríveis, que abriram o caminho para muitas novas alternativas, especialmente para experimentação. Por exemplo, as máquinas CNC (corte com controle numérico) são frequentemente utilizadas na indústria cinematográfica. Hoje também podemos contar com uma gama de sofisticadas impressoras fotográficas para revestimentos, papéis de parede, piso, etc. O desenho digital é infinitamente útil, para multiplicar padrões e decorações complexas. Também tenho muito interessado no design paramétrico e suas possibilidades.
Outra particularidade desta profissão é o trabalho em sinergia com o supervisor de Efeitos Visuais. Com eles, nós projetamos as seções dos volumes que não são fisicamente construídos, e sim criados digitalmente, porém que precisam ser integrados à aparência e a arquitetura geral já estabelecida.
FD: Gostaria de saber se você tem alguma recomendação para os interessados em design de produção.
LT: Para os interessadas em Design de Produção existem muitos programas ou estágios disponíveis no mercado. A profissão requer o conhecimento geral de muitos assuntos, como História do Cinema às Artes Visuais, arquitetura, teoria das cores, design de móveis, gráficos, materiais têxteis e muitos outros. Mas acredito que, a habilidade mais importante a ser desenvolvida seja a curiosidade constante e permanente, além do desejo de explorar, de sempre tentar ver as coisas de uma perspectiva diferente. No fundo, um designer de produção é um contador de histórias.
O design de produção também é um trabalho colaborativo, que requer muitas habilidades sociais e diplomáticas, especialmente ao tentar atender às necessidades do diretor, dos produtores ou dos atores, geralmente ao mesmo tempo. Você nunca sabe qual será o tema de sua próxima produção ou o local dela, portanto, precisa estar constantemente preparado para novos desafios. O design de produção não é apenas uma profissão ou um emprego, mas um estilo de vida. Às vezes, é muito estressante, cheio de altos e baixos, sucessos e ilusões, mas, por outro lado, faz você viajar pelo mundo, conhecer muitas pessoas e culturas diferentes. O projeto sempre traz um novo aprendizado e, esperançosamente, também o faz desenvolver uma mente mais flexível e aberta.