Das privações que temos enfrentado em função da pandemia, uma das mais reconhecidas é, talvez, a da liberdade de usufruir das áreas livres públicas. Caminhar numa rua de pedestre, encontrar com amigos numa praça, se exercitar em grandes parques ou praias, usufruindo de uma natureza que é, também, urbana. Além do desejo de encontrar com alguém, há o desejo de encontrar em algum lugar, para além do espaço de domínio privado e íntimo.
Inúmeras são as atividades sociais que têm como palco os espaços públicos. A própria origem da cidade se relaciona com a vontade de um espaço comum, compartilhado por pessoas diferentes, com diferentes objetivos. O episódio 113 fala sobre essa vontade e sobre as espacialidades onde ela se manifesta. Os arquitetos Nivaldo Andrade (presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil) e Carlos Alberto Maciel (Arquitetos Associados) compartilham com a gente reflexões sobre o significado do espaço público para a dinâmica urbana, para o sentido de coletividade e como instrumento da democracia.
As cidades brasileiras nem sempre trataram bem seus espaços públicos. E não é incomum o entendimento de que o que é público não pertence a ninguém e que cabe ao Estado, e somente à ele, a responsabilidade pela manutenção e gestão daquilo que não é privado. Mas até onde vai nossa participação na determinação do sucesso ou do fracasso de um espaço público? Quais desses lugares podem ser apropriados pela população? Qual a função deles na qualidade de vida que temos nas cidades?
Ruas, praças, parques, são diferentes tipologias de espaços públicos. Há quem entenda que também arquiteturas, mesmo configurando áreas de acesso controlado, desempenham papel ativo na viabilização dos encontros que reforçam o sentido de coletividade. A dinâmica urbana não é fenômeno de simples apreensão. Como também não é simples o projeto que a contempla. Diferentemente do projeto arquitetônico, projetar para o urbano implica em lidar com espaços abertos, sem limites claros, sem programa definido e com a pretensão de atender a expectativas diversas, muitas vezes conflitantes entre si.
Apesar dos desafios que impõe ao arquiteto e urbanista, os espaços públicos são elementos fundamentais da vida na cidade e precisam ser compreendidos cada um à sua maneira. Praças secas europeias ativam uma memória afetiva, mas não são desenhos apropriados para todos os lugares; grandes parques arborizados oferecem uma oportunidade única para o lazer, mas não “cabem” em qualquer cidade ou bairro. Cada escala e contexto demanda uma certa abordagem e cabe ao arquiteto ter a sensibilidade de enxergar as diferentes nuances do lugar e da cultura das pessoas que nele convivem. O respeito e compreensão das singularidades é que permitem às áreas públicas serem de fato o palco democrático onde a cidadania se manifesta. E neste sentido, o domínio “público” não se garante apenas no limite legal que a palavra denota, mas também no projeto urbano que amplia o acesso e acata a diversidade ao dar forma concreta aos espaços livres públicos da cidade.
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Texto por Aline Cruz