Falar sobre a história das cidades e da arquitetura na América Latina demanda um exercício de desconstrução. A narrativa oficial e mais difundida se concentra na compreensão das consequências da ocupação do continente americano – norte, centro e sul – pelos colonizadores europeus, em detrimento do reconhecimento das diversas culturas, técnicas e economias que há mais de mil e quinhentos anos definiam modos de vida e produção do espaço através de diferentes tradições construtivas, tão pertinentes ao contexto multifacetado do continente mais “vertical”, onde cabem mais latitudes que qualquer outro.
O termo cunhado pelos franceses, “América Latina”, separa aquilo que a geografia define como uma unidade continental, reforçando a leitura de subcontinentes e distinguindo a América do Norte das demais. Mesmo que muitos considerem esta distinção coerente com as histórias dos países e suas heranças culturais, associado ao termo “latino” há velados preconceitos e, acima de tudo, muito desconhecimento. O arquiteto Fernando Lara, um grande estudioso sobre o tema, nos acompanha nessa conversa, buscando trazer a arquitetura e a cultura urbana latino-americanas para o centro do debate. Participa também do debate Caio Dias.
O conhecimento sobre as culturas pré-colombianas varia bastante entre os países, muito em função das dinâmicas de colonização e da capacidade de resistência dos povos nativos, na medida em que muitos povos foram completamente dizimados, dificultando o acesso à informação sobre os atributos originais do saber fazer em cada localidade, sempre muito relacionado às especificidades geográficas e sociais. Entretanto, a produção arquitetônica contemporânea tem demonstrado crescente interesse em compreender essas raízes, com exemplares de arquiteturas extremamente originais.
Como comenta Fernando Lara, não existe cultura pura. A cultura é sempre um híbrido entre diferentes tradições. E as arquiteturas latino-americanas são, neste sentido, símbolos concretos dessa hibridização, que está longe de resultar homegênea, ainda que num mesmo país. O Brasil é um grande exemplo disso.
Na primeira metade do século XX, época dos preceitos dogmáticos do movimento moderno, a produção em nosso continente se destacou pela interpretação original que fez da doutrina corbuseriana, ganhando maior notoriedade no exterior, apesar de ainda haver pouco diálogo entre os arquitetos latino-americanos propriamente. O direcionamento pragmático para a inovação e a necessidade de refletir uma imagem progressista de nação permitiram à arquitetura moderna, em especial a brasileira, um descolamento das preexistências que até então serviam como referencial urbano e arquitetônico.
A troca de conhecimento sobre arquitetura e sobre as práticas no interior do continente é algo bastante recente. Mas, uma vez que se voltem os olhos para ela, nossa cultura arquitetônica se mostra vigorosa, contextualizada e, por isso mesmo, bastante plural.
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Texto por Aline Cruz.