Foi inaugurado o primeiro monumento às vítimas do novo coronavírus no Brasil. Batizado In-finito, o memorial foi instalado no Crematório e Cemitério da Penitência, na zona portuária do Rio de Janeiro, com projeto assinado pela arquiteta Crisa Santos, do coletivo de mesmo nome.
A iniciativa, inclusive, é da arquiteta, que desenvolveu o projeto com o objetivo de doá-lo a cemitérios públicos e privados, assim como a prefeituras, empresas ou demais instituições que desejem homenagear as vítimas da Covid-19 em qualquer localidade do país.
"Durante a quarentena estivemos [nos cemitérios] e percebemos a necessidade de acolher o enlutado, que ficou à deriva, pois ele não faz mais parte da cerimônia habitual de despedida. Registramos momentos em que o carro funerário entrou direto para a sepultura ou o crematório. A família não viu o corpo [do ente querido], que entrou no hospital e [é como se não tivesse saído], pois viu apenas uma urna funerária. É uma desconexão muito abrupta essa falta de vínculo na despedida. Isso me remeteu a uma história pessoal. Então, trouxe a questão para a equipe", conta Crisa. "É uma forma de reconhecer toda a dor deste momento e de possibilitar aos cemitérios [e outras instituições] oferecer aos seus enlutados um espaço onde as pessoas possam se reconectar aos seus entes que se foram", completa a arquiteta, que há dez anos desenvolve projetos relacionados ao tema.
Homenagem
Pensado para ser adaptado a diferentes áreas e espaços, o projeto do In- finito é composto por um conjunto de seis módulos, que somam 26 metros lineares. O monumento pode ser instalado em formato de espiral, circular ou linear a partir da composição de quantos módulos a área e o orçamento comportarem -- a arquiteta doa integralmente o projeto (adaptado) para qualquer cemitério ou instituição interessada. Este, no entanto, deve arcar com os custos de instalação dele.
"Nós estamos viabilizando uma parte. Quem construir viabiliza a outra. A pandemia serve para juntarmos forças para um bem maior. Isso é o que as pessoas precisam entender, a união de esforços", destaca Crisa.
Produzidos em aço corten, os módulos tem formato sinuoso, que remete ao movimento, aos altos e baixos, à linha contínua da vida. Além disso, a forma também permite aos enlutados interagirem com a obra, uma vez que as curvas possibilitam espaços para se sentar ou se recostar, por exemplo.
A interação também ocorre de forma gráfica, uma vez que todos os projetos contam com área destinada a abrigar os nomes das vítimas da Covid-19, seja por meio de gravações, placas ou adesivos. Crisa conta que esta, inclusive, é uma das exigências para a doação do projeto: a de que os familiares possam honrar e homenagear seus entes queridos a partir da inserção de seus nomes no monumento, caso assim desejem.
"Não doaremos o projeto se ele prever somente a instalação dos módulos. O cemitério, empresa pública ou privada precisa disponibilizar esse acesso para a inserção dos nomes. E não necessariamente de nomes de pessoas que estejam sepultadas naquele local. A ideia é ser mais democrático, permitir que famílias que [optaram pela cremação e deram outro destino às cinzas], por exemplo, também possam [homenagear seus entes]", detalha a arquiteta. "É uma questão de ressignificar. A partir do momento em que há um nome, essa pessoa deixa de ser um número para ser a história de alguém. O monumento cumpre dois papeis: honra quem se foi e dá dignidade ao luto de quem ficou. Pois, da forma que estão sendo as despedidas, eles não podem ser acalentados pela família, pelos amigos, serem acolhidos. É uma lacuna", acrescenta a arquiteta.
Via Haus.