Durante o último Festival do Design Indaba, tivemos a oportunidade de entrevistar Lyndon Neri e Rossana Hu, do Neri&Hu Design and Research Office, um escritório multidisciplinar de arquitetura com sede em Xangai. Leia a entrevista a seguir para saber mais sobre o trabalho da dupla.
Este artigo foi escrito em parceria com Design Indaba, um site e festival anual que apresenta inovações para o bem coletivo. Clique aqui para saber mais sobre o evento.
Danae Santibáñez (DS): Vocês se definem como um escritório multidisciplinar, e como tal, trabalham em estreita colaboração com profissionais de diferentes áreas. A partir desta experiência, vocês acreditam que a padronização dos meios e materiais de construção poderia empobrecer a arquitetura?
Lyndon Neri (LN): Esta pergunta é muito interessante. Neste exato momento, estamos iniciando uma série de novos projetos nos Estados Unidos e, como você mesma sugere, o alto nível de padronização na industria da construção civil é algo que nos deixa um pouco incomodados. Por uma lado, entendemos a importância e o apelo da padronização em termos de responsabilidade, qualidade e manutenção de um bom custo benefício em tudo aquilo que se constrói atualmente.
Por outro lado, embora a estandardização de soluções, meios, métodos e materiais venha para facilitar a vida dos arquitetos e arquitetas, não podemos nos dar ao luxo de sermos preguiçosos. É preciso estar atento e antes de mais nada, saber como e de que forma se apropriar destas soluções.
Como a padronização é algo que, evidentemente, veio para ficar, devemos nos preocupar agora em como manter-nos criativos neste contexto.
Na realidade, a China também está caminhando rapidamente nesta direção. A medida que um país se desenvolve à um ritmo tão acelerado, soluções construtivas mais tradicionais se tornam impraticáveis. A estandardização surge então como a única solução possível capaz de sustentar este processo voraz de crescimento e expansão urbana. Isso não é necessariamente algo negativo, mas é nosso dever como arquitetos mantermos um posicionamento crítico e propositivo. Muitos de nossos colegas, e também os profissionais mais jovens, estão conseguindo lidar muito bem com essa questão.
DS: Na apresentação que vocês fizeram aqui no Design Indaba, vocês comentaram sobre como os espaços interiores e exteriores se sobrepõem, e isso me fez lembrar de Andrea Branzi quando ele fala sobre a dimensão adaptativa do design de interiores e como eles afetam diretamente o nosso modo de vida. Neste sentido, vocês acreditam que o design de interiores nos permite inovar mais, no sentido de criar espaços capazes de transformar a vida das pessoas?
Rossana Hu (RH): Em primeiro lugar, não gostamos de categorizar espaços, de diferenciar aquilo que é interior e exterior. Aquilo que sim, nos interessa, é criar uma distinção entre aquilo que chamamos de design de interiores e arquitetura de interiores.
Acreditamos que o design de interiores é um componente fundamental da própria arquitetura, ele não deve ser encarado apenas como um complemento, uma futilidade. Em nossa opinião, design de interiores significa pensar o espaço, arquitetar o espaço.
Para nós, interior é uma qualidade do espaço. Uma qualidade que se relaciona com a nossa experiência humana de habitar o mundo.
LN: O que precisamos distinguir é a mera decoração. Quando um projeto de interiores se torna apenas decorativo, ele torna-se desimportante. Alguns anos atrás tivemos a oportunidade de visitar algumas obras de Álvaro Siza no Porto, e se você for parar para observar, a arquitetura de Siza é extremamente interiorizada—ainda que algumas pessoas digam que ele “não gosta de design de interiores”. Assim como Siza, nós acreditamos que a boa arquitetura é aquela capaz de tecer relações entre os espaços interiores e exteriores. Quando um projeto de interiores se torna meramente decorativo, a verdadeira essência do espaço se perde.
Lembro-me muito bem das aulas que tive com Rafael Moneo em Harvard. Lembro que ele era um professor muito rígido. Ele quase nunca parava para olhar os nossos desenhos de fachada, mas por outro lado, ele passava horas analisando os cortes. Para Moneo, o corte é a contextualização de um projeto de arquitetura, é onde todos os detalhes se fazem evidentes, e se você parar para pensar ... é em corte que o espaço interior se revela.
RH: O corte é aquele momento em que interior e exterior se unem.
LN: Acho que é exatamente isso que estamos tentando fazer. A interioridade se tornou um elemento fundamental da nossa arquitetura. É como os projetos de Carlo Scarpa, uma de nossas maiores fontes de inspiração. Além disso, o fato de ter trabalhado em um escritório de arquitetura multidisciplinar como o de Michael Graves, é algo que determinou profundamente a maneira como abordamos à nossa arquitetura hoje.
RH: Atualmente, percebemos que muitos de nossos colegas observam o design de interiores com certa indiferença, como se fosse algo irrelevante. Por outro lado, em nosso escritório, os interiores representam a alma de nossos projetos de arquitetura.
DS: Muitos críticos de arquitetura têm chamado a atenção para o fato de esta geração de arquitetos estar, ou não estar, construído um importante legado para o futuro da nossa disciplina. E neste sentido, me parece que o trabalho que vocês estão desenvolvendo terá uma influência decisiva nas próximas gerações de arquitetos. O que você esperam deixar de lição para os nossos colegas mais jovens?
LN: Obviamente, falar sobre legado é algo que cabe aos historiadores, não à nós, arquitetos. Entretanto, acreditamos que a arquitetura opera como uma espécie de catalisador. Arquitetura não se trata apenas de construir abrigos e formas. Estamos começando a perceber que a arquitetura é algo que vai muito além disso. Por exemplo, quando você visita a cidade do Porto e se depara com as obras de Siza, você se emociona. Passamos horas observando o projeto de habitação social SAAL Bouça, é algo que nos emociona só de lembrar.
Falando nisso, quando fomos visitar o Instituto Indiano de Administração em Ahmedabad, de Louis Kahn, apesar do fato de estar em completo estado de ruína, há um componente público inegável naquele espaço. Ou quando estivemos no Edifício da Associação de Proprietários de Moinhos de Le Corbusier, para além da análise estética de suas formas, o que é realmente interessante neste projeto é como os espaços públicos e privados se sobrepõem e interagem entre si.
Eu diria que aquilo que esperamos deixar como lição para os mais jovens é que os nossos edifícios tenham um sentido de permanência e que, quando as pessoas forem visitantes-los, elas se emocionem. É mais sobre a experiência do espaço do que o espetáculo das formas.
Outra coisa que também nos faz pensar, é o quão desafiador é projetar em um mundo onde existem centenas de obras de arquitetura de altíssima qualidade—como as que mencionamos anteriormente. Tem momentos em que nos perguntamos como continuar fazendo arquitetura em um mundo onde já não somos capazes de criar nada novo.
DS: Na minha opinião, eu acredito que vocês também tem alcançado esta dimensão espacial que tanto mencionam. Observando suas obras podemos perceber que há um equilíbrio entre inovação e tecnologia, especialmente quando se trata de projetos de intervenção em patrimônio histórico.
RH: Intervir em contextos históricos demanda uma busca por conexões, associações entre o passado e o futuro. Embora possa parecer algo bastante simples, de fato, é muito mais complexo do que parece. É por isso eu falei anteriormente que fazer arquitetura não se trata apenas de construir abrigos e formas. Porque quando a gente pensa na arquitetura do futuro, estamos sempre pensando em novas formas, formas transcendentais; mas a tecnologia é a mesma, os materiais são os mesmos. Esperamos encontrar uma forma que seja uma expressão de mudança, encontrar algo novo mas que também nos conecte com o passado. É isso que, no nosso ponto de vista, significa evoluir, dar um passo à frente.
É muito simples querer seguir em frente, sem se preocupar com o passado assim como fizeram os primeiros modernistas. Bem, essa é uma das razões responsáveis pela gênese do pós-modernismo na arquitetura.
LN: Eu sou um otimista. Rem Koolhaas tem se debruçado sobre a questão do rural. Há muito tempo que nós, arquitetos e arquitetas, estávamos negando qualquer tipo de envolvimento com esse tema, o rural era algo que não nos interessava minimamente, estivemos focados apenas em questões urbanas. Acredito que Koolhaas esteja muito ciente da importância deste tema nos dias de hoje, e com a voz importante que tem, espero que todos nós estejamos atentos ao que ele tem a dizer.
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