No interior de Pernambuco, na cidade de Caruaru – cerca de 130 quilômetros a oeste de Recife – um escritório de arquitetura se destaca por soluções originais para um problema de sempre: habitação de interesse social. Fundado em 2010 e dirigido por Pablo Patriota e Bernado Lopes, o Jirau vem explorando um fazer projetual profundamente ligado aos modos de habitar de sua região, construindo em diversas escalas e tipologias para diferentes programas.
Tivemos a oportunidade de conversar com Pablo Patriota e Bernado Lopes sobre as origens do escritório, a relação entre arquitetura e desenho urbano e, sobretudo, seus projetos de habitação de interesse social, que nos últimos anos se destacaram no cenário nacional.
Leia a entrevista completa, a seguir.
Romullo Baratto (ArchDaily): Poderiam contar um pouco sobre a origem do escritório e a história por trás do nome Jirau?
Pablo Patriota (Jirau): O Jirau foi formado em 2010, quando nos juntamos, eu, Mariana Caraciolo e Bernardo. Todos nós somos nascidos e crescidos no interior do estado. Bernardo e Mariana são de Caruaru e já trabalhavam juntos. Eu que sou do sertão, de Arcoverde, me mudei para Caruaru em 2010. Estávamos projetando loteamentos vizinhos e houve grande interação. A gente ligou as ruas, e traçamos esse pedaço de cidade como se fossemos um só loteamento. Com esse gesto, percebemos pontos em comum e esse foi o start para que nos juntássemos e formássemos o Jirau. No começo trabalhávamos todos na URB Caruaru e, aos poucos, o escritório foi crescendo e fomos nos desgarrando da Prefeitura e assumindo o Jirau como nosso principal negócio.
Na nossa primeira sede, na Rua do Riachuelo, trabalhamos em um mezanino com uma varanda. Um sinônimo de mezanino é jirau, e jirau termina com AU, de arquitetura e urbanismo. Daí veio o nosso nome.
RB: O Jirau tem sede em Caruaru, no interior de Pernambuco, em um contexto bastante diferente daquele da maioria dos escritórios que aparecem nas mídias especializadas. Poderiam falar um pouco sobre as especificidades locais e como elas interferem no modo de projetar e no dia a dia do escritório?
Bernardo Lopes (Jirau): Temos que tirar leite de pedra a cada momento (!), pois trabalhamos num ambiente de chuvas mal distribuídas e de aridez de recursos, onde os orçamentos são mais limitados ainda. Além disso, há uma atmosfera de informalidade que atrapalha a vida dos arquitetos da região, pois todos evitam, ao máximo, os procedimentos formais para construção.
Então, o escritório tem de encontrar, constantemente, soluções de fácil execução, já que o acesso às novas tecnologias é mais difícil, e de preço compatível com nossa realidade. Tarefa nem sempre simples.
RB: No portfólio do escritório, destacam-se as propostas de habitação social. No contexto histórico brasileiro, este programa é geralmente resolvido por meio de volumes verticalizados, enquanto que nos projetos de vocês prevalecem soluções que exploram a individualidade unifamiliar através de pequenas residências. Poderiam falar sobre esta decisão projetual?
PP: Queremos sempre fazer o melhor projeto possível, seja qual for a encomenda. Quando os primeiros projetos de Habitação Popular apareceram, Bernardo primeiro se atreveu a repensar as plantas, que àquela altura já estavam consolidadas, e nós, em um segundo momento conseguimos melhorar os aspectos formais do projeto. O mercado aceitou isso bem. A arquitetura começou a ajudar nas vendas dessas casas. Daí por diante, fomos ganhando confiança e, sempre que possível, tentamos interferir e repensar os modelos preestabelecidos.
A nossa opção por unidades unifamiliares está diretamente ligada à tradição e ao jeito de morar do interior de Pernambuco. As pessoas aqui querem ter seu jardim, sua garagem, sua área de lazer o canto do seu cachorro. O prédio é uma realidade, mas ainda percebemos que a casa esta mais ligada ao jeito de morar daqui.
RB: Quais os principais desafios na habitação popular em relação às soluções projetuais, qualidade dos espaços, técnicas construtivas e orçamento?
PP: Orçamento é sempre o grande desafio.
Fazer habitação popular é sempre um exercício de fazer mais com menos.
RB: Em linhas gerais, os projetos de habitação popular na América Latina enfrentam problemas de adaptabilidade da planta de acordo com o programa de necessidades e, sobretudo, o número de pessoas em cada família. Nos projetos desenvolvidos pelo escritório para o programa Minha Casa, Minha Vida, percebemos certa flexibilidade para que os futuros moradores possam realizar intervenções. Poderiam falar sobre o papel do desenho arquitetônico como ferramenta para transformar essas unidades em lares, no sentido mais pessoal e simbólico da palavra?
PP: Hoje os projetos precisam ser ampliáveis. As famílias crescem, as pessoas tendem a melhorar de vida e vai ser natural a construção de mais um quarto, ou banheiro.
A nossa intenção quando fazemos os projetos é sempre dar dignidade à habitação. Por meio da inserção do bom design, acreditamos que as pessoas desenvolvem uma sensação de pertencimento, de orgulho de ter aquela casa.
RB: Ao longo dos dez anos do escritório, o reconhecimento no campo profissional veio justamente por meio dos projetos de habitação social, que mostram soluções interessantes para este programa tão complexo no Brasil. Mas além destes, em que outras tipologias e programas o escritório vem trabalhando?
BL: Faz-se de tudo um pouco. Ninguém pode escolher projeto numa região tão pobre! Mas, cada um recebe carinho na intenção de fazer boa Arquitetura. O Jirau trabalha, desde sempre, com projetos urbanísticos, com residências unifamiliares, com produtos para o mercado imobiliário, com torres habitacionais, empresariais e mistas, e, em menor medida, projetos de interiores comerciais e residenciais.
RB: Para vocês, de que modo os projetos arquitetônicos podem dialogar com o desenho urbano e promover espaços públicos de qualidade?
BL: Cada tijolo assentado redesenha e redefine a cidade. Às vezes, com intenção. Outras vezes, deixando o resultado a cargo do acaso.
Nossa peleja do todo santo dia, por exemplo, é eliminar ou vazar os muros de nossas cidades amuralhadas e prisioneiras do medo, onde cada um deles disputa com os vizinhos qual tem o revestimento mais caro. A ideia de que, vazado, trará mais segurança ainda causa surpresa. Nossos projetos verticalizados também buscam conversar com a rua, evitando os altos muros que só servem para esconder veículos e afastar a vida dos moradores da vida do passeio público, e apostando em galerias cobertas de lojas, jardins que se integram às calçadas e as ampliam, e ruas internas que permitem uma travessia abrigada, rompendo a quadra.
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