Fundado por Filipe Paixão em 2014, Corpo Atelier é um estúdio de arquitetura e arte com sede em Faro, Portugal, voltado para a exploração e expansão da anatomia arquitetônica com uma prática baseada na tradição do desenho à mão. Com projetos que englobam reabilitações de estruturas preexistentes, edifícios novos, design de produto, textos e editoração de livros, o ateliê enxerga essa diversidade como algo natural à prática arquitetônica, "processos conceituais que são exatamente os mesmos."
Após o estúdio ter sido selecionado para a lista dos melhores Jovens Escritórios de Arquitetura de 2020 do ArchDaily, tivemos a oportunidades de conversar com Filipe Paixão sobre as abordagens projetuais do ateliê, sua visão interdisciplinar e seu gosto pelo trabalho do artista Gordon Matta-Clark. Leia a entrevista a seguir:
Romullo Baratto (ArchDaily): Poderiam, por favor, explicar a origem do nome do ateliê e sua estrutura de trabalho?
Filipe Paixão: O nome tem precisamente que ver com aquele que é o nosso entendimento da arquitectura, ou seja, concebê-la enquanto Corpo, dotado de uma anatomia própria, com um número limitado de elementos, em que cada um serve a um propósito específico na composição. A nossa prática actua sobretudo na exploração e experimentação dessa anatomia, procurando levar cada elemento a algum grau de excesso, para que dessa forma possa, eventualmente, manifestar novas possibilidades funcionais e/ou estéticas. Enquanto método de produção, o atelier baseia-se sobretudo na prática do desenho, maquete e texto.
RB: Vocês trabalham com projetos de arquitetura, design de produto, textos, editoração de livros, enfim, uma prática bastante variada. De que forma estas áreas se complementam ou tensionam?
FP: Creio que essa diversidade na produção do atelier é apenas aparente. Isto é, a nossa percepção é a de que, verdadeiramente, a produção de um projecto, um desenho, um texto ou livro são apenas diferentes expressões da mesma coisa: o questionar o que é a arquitectura, o seu significado contemporâneo e as possíveis formas de a produzir. Os processos conceptuais são exactamente os mesmos: a identificação do tema, o questionamento dos fundamentos e formas convencionais de produção e a procura de novas possibilidades de uso e/ou significado.
Todas essas expressões variam apenas na técnica, nas ferramentas usadas para as produzir. Em última análise, os mesmos processos servem de base para qualquer tipo de criação criativa, seja de uma música, uma pintura abstracta ou de uma receita culinária.
RB: Há muitos projetos de requalificação em curso em Portugal, devido, sobretudo, à valorização de áreas urbanas anteriormente desvalorizadas. Nos projetos deste tipo desenvolvidos pelo escritório parece haver a intenção de desconstruir para, então, reconstruir a fachada a partir de uma técnica de colagem de fragmentos, resultando em arquiteturas muito gráficas, visualmente instigantes. Poderiam falar um pouco mais sobre isso, por favor?
FP: O pensamento e a estética de uma prática são, em boa parte, uma consequência directa do tipo de encomenda que recebem. Actualmente, cerca de 80% do trabalho que temos vindo a desenvolver actua sobre estruturas arquitectónicas existentes no centro histórico de Faro, em maior ou menor grau de degradação. Esta proximidade, não só conceptual como física, com o tema da ruína, acentuou em nós uma nova percepção da arquitectura enquanto organismo em constante estado de transformação e degradação, assim como um certo fascínio por esse tipo de estética fragmentada. Gradualmente, fomos fazendo uso dessa ferramenta como forma de produzir significado em arquitectura.
Interessa-nos particularmente a idea de que existe uma maior e mais intensa tomada de consciência de um determinado elemento ou símbolo arquitectónico, quando este nos é propositadamente apresentado de forma inacabada, em si mesmo, ou desconexa do restante. Se algo completo e terminado representa essencialmente um sistema encerrado em si mesmo – demonstra claramente a sua forma e aquela que é a sua função – o contrário, isto é, o desconstruido, torna-se ambíguo, logo, com muitas mais possibilidades de interpretação e apropriação.
RB: Num ensaio bastante divertido, vocês transformam Matta Clark em verbo e apresentam alguns exemplos de aplicação deste novo verbo. Para além do aspecto visual, qual a influência deste artista na obra do ateliê?
FP: A atracção pela obra do Matta Clark tem que ver precisamente com essa ideia do inacabado e das possibilidades de actuação sobre arquitecturas abandonadas. Mais do que uma obra específica, influencia-nos aquilo que o seu legado representa: uma completa inversão daquele que é o processo comum de produção da arquitectura, ou seja, a criação de uma poética espacial conseguida, não pela construção da forma, mas pela sua desconstrução. Pelo gesto destrutivo e não construtivo. Esta concepção teve um impacto fortíssimo na nossa interpretação da arquitectura, de uma forma geral, mas principalmente, na nossa abordagem à temática da reabilitação.
RB: Aproveito a ocasião e faço a mesma pergunta que tenho feito a outros coletivos e escritórios de arquitetura que se voltaram a outras áreas sem, necessariamente, abandonar a prática projetual, mas complementando-a. Acham que essa interdisciplinaridade é um aspecto específico deste período ou enxergam isso como normalidade – ou, até mesmo, essencial – para o futuro da arquitetura?
FP: Não foi uma tomada de posição consciente da nossa parte, de idealizar o atelier com uma abordagem interdisciplinar, ou que divergisse para várias específicas. Foi antes algo que aconteceu de forma orgânica, como consequência natural da própria prática de projecto. Servimo-nos dessas ferramentas externas à arquitectura com tanto de inocência como de entusiasmo. De alguma forma, parece-nos essencial que haja esse grau de liberdade para a experimentação e para a convergência de outras práticas, se estas vierem para informar e influenciar o resultado arquitectónico. Essencialmente, acreditamos que cada prática será tanto mais interessante quanto mais e melhor fizer uso dessa liberdade, em coerência com aquela que é a singularidade de cada autor ou conjunto de autores.
RB: Há algum projeto prestes a ser concluído, seja de arquitetura, arte ou outra área? Podem falar um pouco sobre o que está por vir?
FP: O atelier atravessa agora um período particularmente interessante. Os últimos dois anos foram dedicados sobretudo à produção de projectos e à realização daquele que foi primeiro livro do atelier. Foi um período bastante fértil, de grande crescimento e maturação de temas que vínhamos a trabalhar desde o inicio do atelier. Coincidentemente, os últimos meses conheceram, não só o lançamento do livro, como o arranque de uma boa parte desses projectos para a fase de obra. Estamos com bastante expectativa por esse processo de confrontação entre o projecto e a obra. Paralelamente, um conjunto de projectos de natureza diferente daquela que tem sido a nossa encomenda comum, tem levado a uma adaptação da nossa estética. O facto de não ser ainda claro como essa adaptação vai ocorrer cria em nós uma espécie de inquietação interessante.
Esta entrevista é parte do tópico do mês do ArchDaily: Escritórios Jovens. Todo mês, exploramos um tópico através de artigos, entrevistas, notícias e obras. Saiba mais sobre nossos tópicos aqui. Como sempre, no ArchDaily valorizamos as contribuições de nossos leitores; se você deseja enviar um artigo ou um trabalho, entre em contato conosco.
N.E.: A entrevista foi feita por email e optamos por manter as respostas em seu idioma original, o português falado em Portugal.