Ad Urbis: "Escritórios de arquitetura são um conceito obsoleto em Cuba"

Ad Urbis é um coletivo cubano que confronta todas as particularidades de inserir a arquitetura contemporânea em um contexto de altíssimo valor patrimonial, como é o caso da capital Havana, promovendo, antes de tudo, a pesquisa, teoria e prática arquitetônica entre os âmbitos do desenho e da educação.

Fizemos uma entrevista com o grupo para indagar sobre suas reflexões, seus processos de trabalho, sua relação entre o campo profissional e a academia, seus próximos projetos e expectativas para o futuro da arquitetura em Cuba.

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Fabián Dejtiar (ArchDaily): Vocês dizem que "Ad Urbis não é um espaço, não é um escritório. É um processo de gestão de tempos entre a práticas públicas, as práticas acadêmicas e as práticas privadas". Vocês poderiam nos explicar sobre isso? O que permitiu esse tipo de definição?

Ad Urbis: O contexto no qual o profissional da arquitetura se desenvolve em Cuba tem suas particularidades. O exercício privado da profissão foi abolido na década de 60, como consequência, os espaços para a ação individual são muito limitados. Como não existe um marco legal regulatório que permita ter "personalidade jurídica" e, portanto, acesso legal ao mercado de trabalho e aos materiais.

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Hostel Casa de Pedro e María / Ad Urbis Arquitectos. Image © Nestor Kim Enríquez

Neste contexto adverso, opera um grupo incipiente de arquitetos e engenheiros. É por isso que na Ad Urbis reformulamos a questão a fim de refletir sobre o que não somos. Certamente não somos acadêmicos teóricos, nem artistas, nem construtores, não somos uma empresa, nem sequer nos consideramos um escritório. Este último, em particular, consideramos um conceito obsoleto hoje em dia para operar em um ambiente tão único.

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Hostel Casa de Pedro e María / Ad Urbis Arquitectos. Image © Nestor Kim Enríquez

Podemos dizer que somos um coletivo formado por quatro pessoas, que se cruzaram na academia em primeira instância, quando duas delas deram aula ao outro par. Este coletivo, dependendo das atribuições do projeto, se expande com a adição de colaboradores. A partir de nossa condição individual, cada membro desenvolve um caminho profissional ligado a seus valores. Por opção e com base no princípio da utilidade, três dos quatro membros também desenvolvem seu trabalho profissional em instituições públicas, dedicadas à produção, gestão e implementação de instrumentos especiais de desenvolvimento urbano, cujo eixo transversal é a salvaguarda e valorização do patrimônio cultural.

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Hostel Casa de Pedro e María / Ad Urbis Arquitectos. Image © Nestor Kim Enríquez

Consequentemente, a construção do conhecimento coletivo entre as esferas pública, acadêmica e privada é o maior esforço para a gestão do tempo de produção da equipe. O cruzamento contínuo de ideias, conflitos, problemas e soluções entre essas três esferas é o recurso fundamental de nossas suposições conceituais. Sustentamos nossas ações a partir do pragmatismo e da gestão do tempo; estudo incessante, reflexão crítica e o processamento de um imaginário que nos permite empreender a transformação da realidade.

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Hostel Casa de Pedro e María / Ad Urbis Arquitectos. Image © Nestor Kim Enríquez

FD: Então, como vocês trabalham a partir disso - especialmente em Cuba? Como isso se traduz no processo de desenho?

AU: Nosso principal objetivo é moldar o processo de cada projeto de acordo com as condições reais do cenário onde ele é desenvolvido; sempre sob princípios éticos que regulam nossa maneira de fazer. Assim, usamos o "mise en place" como uma filosofia de trabalho toda vez que iniciamos uma tarefa. Isto nos permite iniciar a concepção da resposta, conhecendo em profundidade cada detalhe do problema. A estética de cada trabalho se torna um resultado e não um fim. Esta forma de entender e fazer nos permitiu maravilhar-nos com o conhecimento descoberto em cada projeto, e articular consequentemente durante os processos, nossa própria "caixa de ferramentas", que está equipada com conceitos úteis tais como: ad (equação), ad-ição, ad-erências ou ad-jacências.

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A oportunidade de construir em contextos de alto valor patrimonial é uma exceção que ocorre em nosso cenário a partir da ativação econômica ocorrida nos últimos dez anos. Isto nos permitiu focar em duas linhas de pesquisa.

A primeira: Reciclagem como inovação. Como reciclar e ressignificar estes edifícios? A partir de novas leis e reconfigurações, é possível dar geometria e funcionalidade a estas antigas estruturas arquitetônicas. Se dá a elas um valor agregado, uma obra nova, entendendo que essas arquiteturas concebem as lógicas contemporâneas de produção, contrapõem o cenário com suas escassezas, com suas virtudes, com suas complexidades, e pretendem dar uma resposta de acordo com seu tempo. 

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A segunda linha: A arqueologia do conhecimento. Nos últimos 40 anos, graças à tecnificação da construção no país, muitos ofícios, técnicas de construção e pesquisas que foram utilizados, reinterpretados e produzidos na primeira metade do século XX, foram totalmente esquecidos. A arqueologia do conhecimento pretende entender e redescobrir muitos desses processos, implementar e resgatar conhecimento para gerar uma nova compreensão a partir do que já existe e que não está em pauta atualmente.

Outro desafio foi compreender que precisávamos desenvolver um processo circular. Acreditamos e apostamos mais nisso, pois podemos aproveitar todos os recursos locais, isto é, os recursos econômicos, materiais e humanos, aprimorando-os a fim de produzir arquitetura. Como condição, determinamos reduzir ao máximo o uso de materiais e produtos importados. Isto beneficia pequenas empresas e produtores artesanais ligados à produção de arquitetura, reabilitação e indústria de materiais; e, portanto, estes investimentos também nos permitem contribuir para o desenvolvimento local.

FD: Em uma entrevista sobre o estado da arquitetura cubana contemporânea, fica evidente que ela "não é um tema de conversa, é quase inexistente e alegal". Então vocês acreditam que estamos em um momento onde os principais esforços devem estar na difusão?

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Hostel Casa de Pedro e María / Ad Urbis Arquitectos. Image © Nestor Kim Enríquez

AU: Para responder a esta pergunta, primeiro teríamos que contextualizar, entender e definir o que é a arquitetura cubana contemporânea. Existe? Pretende ser? Ou é uma ideia primitiva de uma ficção cuja fisionomia ainda não conhecemos? Sim, podemos dizer que ainda é, em grande parte, uma cópia, uma repetição tardia das tendências promovidas na era da informação.

Acreditamos que como geração devemos reformular as perguntas. O que define a qualidade da arquitetura? Ela se define por suas pretensões estéticas? Pelo uso de materiais inovadores e luxuosos? Se limita ao reconhecimento do star system? Como produzir arquitetura de melhor qualidade? Como podemos ser úteis?

Os esforços dessa empreitada devem apontar, dentro da complexa realidade institucional na qual operamos, para a produção de uma arquitetura de maior qualidade e utilidade. Definindo e elevando a qualidade sobre princípios éticos, com uma relação coerente entre os recursos econômicos, humanos, de tempo, e a capacidade transformadora, propositiva e de inovação do imaginário da solução de problemas reais do contexto onde se produz.

Outros dentre os esforços necessários estarão vinculados a criar redes entre colegas regionais, que permita desenvolver intercâmbios de ideias e nos permitam estar preparados para futuros cenários. Até então, acreditamos que nisso devem se centrar os principais esforços, que por consequência são próprios e particulares, e por isso acreditamos que ainda há muito pouco a difundir.

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Residência Santa Clara / Ad Urbis Arquitectos. Image © Nestor Kim Enríquez

FD: Para isso será também fundamental revisar o que se ensina nas universidades? Vocês consideram que existe uma brecha entre a academia e a prática profissional cubana?

AU: Nos últimos anos, temos estado ligados de diferentes maneiras às práticas acadêmicas. Nossos esforços têm sido concentrados no desenvolvimento de trabalhos de conclusão de curso, articulando temas de interesse comum entre as práticas acadêmicas, públicas e privadas. O ensino nas universidades e o currículo do curso de arquitetura vem se ajustando nos últimos anos. Consideramos que em nosso contexto temos uma academia dividida, entre acadêmicos teóricos, construtores, e até mesmo especialistas provenientes de práticas empresariais estatais sequestrados pelo maquinário de produção, com uma maturidade teórica incipiente. Neste contexto, é difícil encontrar um grupo de professores atualizados, com maturidade teórica, ligados à prática e à produção da arquitetura.

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Residência Santa Clara / Ad Urbis Arquitectos. Image © Nestor Kim Enríquez

Por outro lado, podemos garantir que a academia cubana está estritamente vinculada à busca de soluções para os problemas do cenário local, com grandes particularidades e complexidades. Existe um basto e interessante corpo de conhecimento gerado por pesquisadores acadêmicos, de reconhecimento internacional, que produziram conhecimento científico que hoje em dia está sendo utilizado pelas autoridades locais para abordar os desafios de nossas cidades.

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Residência Santa Clara / Ad Urbis Arquitectos. Image © Nestor Kim Enríquez

Traduzido por Julia Daudén.

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Sobre este autor
Cita: Dejtiar, Fabian. "Ad Urbis: "Escritórios de arquitetura são um conceito obsoleto em Cuba"" 03 Fev 2021. ArchDaily Brasil. (Trad. Dejtiar, Fabián ) Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/955919/ad-urbis-escritorios-de-arquitetura-sao-um-conceito-obsoleto-em-cuba> ISSN 0719-8906

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