A coletiva Terra Preta Cidade publicou um trecho da entrevista realizada por Natália Alves com Ricardo Aleixo - que é poeta, artista visual e sonoro, performador, pesquisador das poéticas intermídia, cantor, compositor, ensaísta e editor -, onde, em um encontro especial, Ricardo contou seus enredamentos com a cidade, espaço urbano, o corpo, a performance, questões raciais, entre outras coisas.
A entrevista foi realizada em outubro de 2019 e publicada pela primeira vez em janeiro de 2021 no site da coletiva. Você pode ouvir o podcast e ver alguns destaques deste encontro, a seguir.
Só que o meu corpo além dele pensar, ele é o lugar de uma voz que propõe questões conceituais, é uma dupla aberração, porque ele esta se recusando ao lugar que poderia ser ocupado serenamente que é o do corpo que se pode desejar e ele está se deslocando para um lugar de pensamento, que não espera que negros ocupem isso à cena pública para propor reflexões teóricas, não no campo da arte. - Ricardo Aleixo
Natália Alves: A noção de espaço é muito importante para o seu trabalho. Por que dessa importância?
Ricardo Aleixo: Por causa do corpo, que é o primeiro espaço de quem faz performance e é também um elemento presente nessa dimensão reduzida que é a escrita. A escrita também é um ato performativo, escreve-se com o corpo, as mãos, escreve-se deitado, sentado, em pé no metrô, isso tudo é da ordem do performativo e tudo isso demanda uma negociação com o espaço. O espaço que é o nosso corpo negocia outras espacialidades o tempo todo.
Aí há um momento da minha trajetória, eu que comecei como escritor, escrevendo a mão, depois no final da adolescência experimentei uma usar máquina de escrever e aí é totalmente diferente a demarcação espacial feita pelo meio da caneta e usando a máquina de escrever. Até que quando eu já tinha 21, 22 anos minha mãe comprou uma máquina elétrica, que é outra relação e eu demoro até a década seguinte, meados da década de 90 para ter contato pela primeira vez com o computador. Quando o espaço deixa de ser o espaço real e passa a ser o espaço virtual, espaço que se vê na tela nem mesmo é o espaço que se verá na página impressa. Isso produziu uma defasagem muito grande, uma defasagem de olhar e de compreensão do fenômeno. Você lida com um espaço na tela que pode ou não se consolidar no expresso. Isso pode ser aterrorizante. O mesmo valendo para cor, para textura, para a inserção no virtual. O que eu fiz para tentar me organizar internamente? Eu progressivamente vim voltando para a manualidade, para o exercício da caligrafia, do desenho e o abandono progressivo do computador como esse lugar de elaboração das coisas. Eu fiquei entre 1999 e 2008, 2009, eu fui literalmente um viciado em tecnologia ao ponto de ter abandonado mesmo as práticas manuais em tudo, na relação com o som, com o texto.
Hoje é um meio de passagem, voltou a ser um meio de passagem para mim, dada a consideração que eu faço do corpo como ele próprio um dispositivo tecnológico, assim como a voz é dispositivo tecnológico. Por que isso? Porque nossos antepassados, nossos ancestrais não chegaram ao mundo já munidos de algo que hoje a gente chama de aparelho fonador, com suas funções já definidas. Isso foi desenvolvido ao longo de milênios. Da mesma forma o aparelho auditivo que também não tinha esse nome, nem as funções que passou a ter com o tempo. Portanto é de tecnologia que falamos quando falamos de entoação, da visão, quando falamos do corpo ereto que aprender a caminhar, que aprende que o caminhar é objetivo é prático, mas tem também alguma coisa no caminhar que já da ordem do prazeroso e aí a gente já vai pra dança. Mas isso não é assim hoje, amanhã, depois de amanhã são saltos de milênios ou pelo menos de centenas de anos. E tudo isso que eu chamo de gestos inaugurais permanece inscrito na nossa corporeidade, como algo que renegocia e renova os termos com os espaços dados. O espaço da casa, da rua, da cidade, são escalas diferentes sempre mediadas por esse primeiro espaço que é o espaço do corpo, é assim que eu vejo isso.
Você pode ler a entrevista completa neste link.
Ricardo Aleixo já publicou, entre outros, os livros Pesado demais para a ventania (Todavia, 2018), Antiboi (LIRA/Crisálida, 2017 — finalista do Prêmio Oceanos 2018) e Modelos vivos (Ed. Crisálida, 2010 — finalista dos prêmios Portugal Telecom e Jabuti 2011). Já fez performances na Alemanha, na Argentina, em Portugal, na França, no México, na Espanha, nos EUA e na Suíça. Integra antologias, coletâneas e edições especiais de revistas e jornais dedicados à difusão da poesia brasileira nos EUA, na Argentina, em Portugal, na França, de País de Gales, em Angola e no México. Tem participado de exposições coletivas, como Poiesis < Poema entre pixel e programa > (RJ, 2007), Radiovisual — Em torno de 4’33” (Bienal do Mercosul, Porto Alegre, 2009) e Poética Expositiva (RJ, 2011). É curador do festival ZIP/Zona de Invenção Poesia&. Edita a revista Roda — Arte e Cultura do Atlântico Negro e a Coleção Elixir, de plaquetes tipográficas. Desenvolve seus projetos de criação e pesquisa no LIRA/Laboratório Interartes Ricardo Aleixo e no KORA/Kombo Roda Afrotópica, ambos localizados no bairro Campo Alegre, região Norte de Belo Horizonte. Você também pode ouvir o podcast POESIA& realizado por ele aqui.
COMO CITAR ESSE TEXTO
ALVES, N. et al. Coletiva Terra Preta. Performancidade. 2021. Disponível em: < https://medium.com/@terrapreta/corpo-mapa-d2d22aff1cd2>.