Moradas é um projeto visual-literário iniciado em 2020 por Rafael Baldam, onde são utilizadas ilustrações baseadas em plantas-baixas e pequenos textos para refletir sobre o espaço da casa e sobre o morar. A partir do início da quarentena, o arquiteto e poeta passou a refletir sobre o espaço doméstico, já que este seria o cenário permanente dos meses seguintes, como veio a se confirmar e que ainda em fevereiro de 2021 perdura.
Encarei a arquitetura interna da casa como algo que teríamos que lidar, como se aquela permanência profunda no mesmo espaço começasse a escavar sulcos e frestas no ato de habitar. Dessa escavação vertem segredos, desejos, impossibilidades, devaneios do espaço da morada. Para mim, surgiu uma casa dentro da casa.
A partir dessa abordagem poética, Rafael tirou proveito de sua formação em arquitetura e urbanismo para emprestar da representação arquitetônica uma possibilidade de visualidade dessas questões. Em MORADAS, a planta arquitetônica é desvinculada do caráter técnico-construtivo, ao qual é normalmente associada, perdendo assim sua objetividade, ainda que se valha de alguns elementos objetivos reconhecíveis da linguagem de representação arquitetônica, como os símbolos para janela, porta e paredes. Estes elementos se remontam, desfazem, transformam-se de acordo com o contexto em que são colocados nas ilustrações. O símbolo para “porta”, por exemplo, pode assumir desde sua função tradicional (a porta como mecanismo de acesso a um espaço) até uma função absolutamente plástica, considerando o desenho do seu símbolo que será manipulado de diversas formas.
As ilustrações falam de espaços possíveis e impossíveis, genéricos e específicos, sugerindo uma sobreposição deles, como se todos pudessem existir sobre o espaço da casa real que habitamos. Nessa leitura, as ilustrações soam como mapas de sensações espaciais, de modo que para sentí-las é preciso mergulhar naquela planta baixa, ou seja, é preciso observá-la a ponto de estar nela (ou o mais próximo possível disso). Em outros momentos, as ilustrações sugerem uma relação entre o espaço da morada e o espaço psíquico, dando uma forma física para uma condição mental.
Um dos impulsos para a feitura desse trabalho foi a leitura de A poética do Espaço, livro do poeta e filósofo francês Gaston Bachelard, publicado em 1957. Neste trabalho, Bachelard investiga o devaneio a partir de metáforas de espaços da casa. O sótão como espaço do sonho, o porão como o fundo obscuro da mente, a miniaturização que se dá na compartimentalização dos espaços da casa, a casa natal, a casa onírica etc. Tudo isso entrelaçado com representações na literatura poética. Para ele, a poética é uma forma de investigar o mundo, e nesse caso a morada é um barco de investigação do ser.
Para completar as representações imagéticas da morada, Rafael produziu um trabalho de escrita de pequenos contos que acompanham as ilustrações. Estes contos mantém-se em temas como a morada, o habitar, o doméstico, porém por utilizar a linguagem escrita e ao serem associados às ilustrações, lado a lado, ganham significados intermediários a partir da subjetividade de quem lê.
Os textos estão em etapa de escrita nesse momento, e serão finalizados durante o primeiro semestre desse ano. Veja, a seguir, 25 das 100 ilustrações que acompanharão a futura publicação.
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