O Prêmio Pritzker de Arquitetura, a maior honraria em nosso campo profissional, foi concedido a Anne Lacaton e Jean-Philippe Vassal, fundadores do escritório Lacaton & Vassal. A dupla francesa é famosa por seus projetos de habitação sustentável e pelo Palais de Tokyo, uma galeria de arte contemporânea em Paris. Em suas três décadas de atuação, a firma vem se dedicando ao “enriquecimento da vida humana”, beneficiando os indivíduos e apoiando a evolução da cidade.
"A boa arquitetura é aberta – aberta à vida, aberta a aumentar a liberdade de qualquer pessoa, onde todos possam fazer o que precisam. Não deve ser exibicionista ou imponente, mas familiar, útil e bela, capaz de sustentar silenciosamente a vida que nela terá lugar." – Anne Lacaton
Anunciado hoje por Tom Pritzker, Presidente da Fundação Hyatt, Anne Lacaton (1955, Saint-Pardoux, França) e Jean-Philippe Vassal (1954, Casablanca, Marrocos) são o 49º e 50º laureados do Prêmio Pritzker de Arquitetura, por suas contribuições consistentes e significativas para a humanidade e o ambiente construído. Lacaton se torna a primeira arquiteta francesa a receber a honraria.
Elogiados por sua abordagem que renova as esperanças modernistas de melhorar a vida das massas e revê a própria definição da profissão, o escritório francês gera intervenções que “respondem às emergências climáticas e ecológicas de nosso tempo, bem como às urgências sociais, particularmente no reino da habitação urbana”. Repensando a noção de sustentabilidade, a dupla acredita firmemente no princípio de “nunca demolir”, aproveitando as oportunidades para atualizar e transformar, celebrando as propriedades duradouras dos edifícios.
Este ano, mais do que nunca, sentimos que fazemos parte da humanidade como um todo. Seja por questões de saúde, políticas ou sociais, é preciso construir um senso de coletividade. Como em qualquer sistema interconectado, ser justo com o meio ambiente, ser justo com a humanidade é ser justo com as próximas gerações. [...] Lacaton e Vassal são radicais em sua delicadeza e ousados em sua sutileza, equilibrando uma abordagem respeitosa e direta ao ambiente construído. – Alejandro Aravena, Presidente do Júri do Prêmio Pritzker de Arquitetura.
Tendo se conhecido no final dos anos 1970 na École Nationale Supérieure d'Architecture et de Paysage de Bordeaux, Anne Lacaton (1955, Saint-Pardoux, França) e Jean-Philippe Vassal (1954, Casablanca, Marrocos) construíram seu primeiro projeto conjunto em Niamey, Níger: uma cabana de palha temporária, construída com galhos de arbustos locais que cederam às forças do vento dois anos após a conclusão. Naquela época, juraram “nunca demolir o que pudesse ser resgatado [...] ampliando por acréscimos, respeitando o luxo da simplicidade e propondo novas possibilidades”. Em 1987, fundaram a Lacaton & Vassal em Paris, com foco em espaços generosos e liberdade de uso por meio de materiais econômicos e ecológicos. Seu portfólio conta atualmente com mais de 30 projetos em toda a Europa e África Ocidental, que vão desde instituições culturais e acadêmicas privadas a espaços públicos, habitação social e projetos urbanos.
Anne Lacaton e Jean-Philippe Vassal sempre entenderam que a arquitetura empresta sua capacidade de construir uma comunidade para toda a sociedade. […] Seu objetivo de servir a vida humana por meio do trabalho, da demonstração da força através da modéstia e do cultivo do diálogo entre o antigo e o novo amplia o campo da arquitetura. – Tom Pritzker
Melhorando o espaço “de maneira econômica”, primeiramente os arquitetos integraram tecnologias verdes por meio de jardins de inverno e varandas. Sua aplicação inicial foi na Latapie House em 1993 (Floirac, França) antes de progredir para escalas maiores, como a Tour Bois le Prêtre em 2011 (Paris, França), um projeto habitacional de 17 pavimentos e 96 unidades originalmente construído em início dos anos 1960. Rejeitando os planos da cidade que previam a demolição das habitações sociais, a dupla removeu a fachada de concreto original e ampliou a área do edifício para oferecer varandas bioclimáticas, expandindo a área de cada uma das unidades. Essa estratégia foi replicada em outros conjuntos de habitações sociais. Em 2017, ao lado de Christophe Hutin Architecture e Frédéric Druot, o escritório foi encarregado de transformar 530 unidades em três edifícios no Grand Parc em Bordeaux, França, concebendo espaços de dentro para fora para priorizar o bem-estar dos habitantes.
Sempre lidando com a ideia de maximização do espaço utilizável, em sua mais recente transformação do Palais de Tokyo (Paris, França 2012), Anne Lacaton e Jean-Philippe Vassal aumentaram o museu em 20.000 metros quadrados para acomodar suas necessidades de mudança. Já no projeto para o Atelier de Préfabrication no. 2 (AP2), uma instalação naval do pós-guerra, a dupla optou por erguer um segundo edifício, idêntico em forma e dimensões ao primeiro, em vez de preencher o vazio existente. Em Nantes, trabalhando ao lado de instituições acadêmicas, os arquitetos conseguiram quase dobrar a área exigida na reforma da École Nationale Supérieure d'Architecture (Nantes, França), criando espaços deliberadamente não definidos e adaptáveis.
A transformação é a oportunidade de fazer mais e melhor com o que já existe. A demolição é uma decisão fácil, de curto prazo. É um desperdício de muitas coisas – um desperdício de energia, um desperdício de material e um desperdício de história. Além disso, tem um impacto social muito negativo. Para nós, é um ato de violência. – Anne Lacaton
Outros trabalhos significativos da Lacaton & Vassal incluem a Cap Ferret House de 1998 (Cap Ferret, França), 14 casas sociais para Cité Manifeste (Mulhouse, França 2005); o Pôle Universitaire de Sciences de Gestion (Bordéus, França 2008); um bloco de apartamentos de 53 unidades (Saint-Nazaire, França 2011), um teatro polivalente (Lille, 2013), a habitação social e estudantil Ourcq-Jaurès (Paris, França 2013); um empreendimento de 59 unidades de habitação social nos Jardins Neppert (Mulhouse, França 2014–2015); e um edifício residencial e comercial em Chêne-Bourg (Genebra, Suíça 2020).
Entre os trabalhos em andamento estão a transformação de um antigo hospital em um edifício de 138 unidades habitacionais, um edifício de apartamentos de médio porte em Paris, França, e um edifício de 80 unidades em Anderlecht, Bélgica; a transformação de um prédio de escritórios em Paris; edifícios de uso misto com hotéis e espaços comerciais em Toulouse, França; e um edifício de 40 unidades habitacionais privadas em Hamburgo, Alemanha.
Nosso trabalho é resolver restrições e problemas e encontrar espaços que possam criar usos, emoções e sentimentos. Ao final desse processo e de todo esse esforço, deve haver leveza e simplicidade, quando tudo antes era tão complexo.
– Jean-Philippe Vassal
Lacaton e Vassal já receberam alguns dos mais prestigiados prêmios do campo da arquitetura, dentre os quais: o Grande Prêmio BDA de 2020; o Prêmio Global de Arquitetura Sustentável, Cité de l’Architecture & du Patrimoine, 2018, juntamente com Frédéric Druot; a Académie d’Architecture Gold Medal, 2016; a Medalha Heinrich Tessenow, 2016; o Prêmio Rolf Schock de Artes Visuais, 2014; o Prêmio Daylight & Building Components, da Villum Foundation e Velux Foundation, 2011; o International Fellowship do Royal Institute of British Architects, 2009; o Grand Prix National d'Architecture, França, 2008; e o Schelling Architecture Award, 2006. Seu escritório já recebeu o Prêmio da Trienal de Lisboa pelo Conjunto da Obra (2016); e o Prêmio Mies van der Rohe de Arquitetura Europeia Contemporânea (2019) juntamente com Frédéric Druot Architecture e Christophe Hutin Architecture pela transformação de 530 unidades habitacionais no Grand Parc, em Bordeaux.
Citação do Júri
O trabalho de Anne Lacaton e Jean-Philippe Vassal reflete o espírito democrático da arquitetura. Por meio de suas ideias, abordagem e edifícios resultantes, provaram que o compromisso com uma arquitetura restauradora que é ao mesmo tempo tecnológica, inovadora e ecologicamente responsiva pode ser assumido sem nostalgia. Este é o mantra da equipe de Anne Lacaton e Jean-Philippe Vassal desde a fundação de sua empresa com sede em Paris em 1987. Eles não apenas definiram uma abordagem arquitetônica que renova o legado do modernismo, como também propuseram uma definição adequada da própria profissão de arquitetura. As esperanças e sonhos modernistas de melhorar a vida de muitos são revigorados por meio de um trabalho que responde às emergências climáticas e ecológicas de nosso tempo, bem como às urgências sociais, principalmente no âmbito da habitação urbana. Eles alcançam isso por meio de um poderoso senso de espaço e materiais que cria uma arquitetura tão forte em suas formas quanto em suas convicções, tão transparente em sua estética quanto em sua ética. Ao mesmo tempo belos e pragmáticos, eles recusam qualquer oposição entre qualidade arquitetônica, responsabilidade ambiental e a busca por uma sociedade ética.
Por mais de 30 anos, sua abordagem crítica à arquitetura incorporou a generosidade de espaço, ideias e usos, além da economia de meios, materiais e formas. Essa abordagem resultou em projetos inovadores para edifícios residenciais, culturais, educacionais e comerciais. Desde os seus primeiros projectos, incluindo a Latapie House, uma residência privada em Bordeaux, e obras cívicas como a proposta para o Centro de Ciências Humanas em Saint-Denis ou a Escola de Arquitetura de Nantes, a dupla tem mostrado sensibilidade e atenção à experiência dos habitantes de seus edifícios. Os arquitetos dizem que os edifícios são belos quando as pessoas se sentem bem neles, quando a luz no seu interior é bela e o ar é agradável, e quando existe um fluxo fácil entre o interior e o exterior.
A noção de pertencer e ser responsável por um todo maior envolve não apenas outros seres humanos, mas o planeta em geral. Desde muito cedo, Anne Lacaton e Jean-Philippe Vassal expandiram consistentemente a noção de sustentabilidade para ser entendida como um equilíbrio entre os pilares econômico, ambiental e social. Seu trabalho é composto por uma variedade de projetos que abordam ativamente a responsabilidade nessas três dimensões.
O escritório inicia cada projeto com um processo de descoberta que inclui observar atentamente e encontrar valor no que já existe. No caso da comissão de 1996 para a Praça Léon Aucoc, a abordagem foi simplesmente empreender o mínimo trabalho de substituição do piso e ligeira modificação do tráfego, visando renovar o potencial daquilo que já existia.
Em seus projetos de habitação para a transformação da Tour Bois le Prêtre, em Paris, e três blocos no bairro Grand Parc em Bordeaux (ambos realizados com Frédéric Druot), em vez de demolir e reconstruir, os arquitetos acrescentaram área aos edifícios existentes na forma de extensões generosas, jardins de inverno e varandas que permitem a liberdade de uso e, portanto, suportam a vida cotidiana dos residentes. Há uma humildade na abordagem que respeita tanto os objetivos do projeto original, como as aspirações dos atuais ocupantes.
Para o centro cultural FRAC Nord-Pas de Calais, em Dunquerque, optaram por manter o galpão original e anexar um segundo de dimensões semelhantes às do existente. Sem nostalgia do passado, exploram transparência, abertura e luminosidade com respeito pelo herdado e uma busca para agir com responsabilidade no presente. Hoje, um edifício que antes passava despercebido torna-se um elemento emblemático de uma paisagem natural e cultural renovada.
Por acreditarem que a arquitetura é mais do que apenas edifícios, pelas questões que abordam e pelas propostas que realizam, por traçar um caminho responsável e às vezes solitário, ilustrando que a melhor arquitetura pode ser humilde e é sempre atenciosa, respeitosa e responsável, a dupla tem mostrado que a arquitetura pode ter um grande impacto em nossas comunidades e contribuir para a consciência de que não estamos sozinhos. Por seu trabalho realizado e pelo que está por vir, Anne Lacaton e Jean-Philippe Vassal são homenageados com o Prêmio Pritzker de 2021.
Acompanhe a cobertura do ArchDaily sobre o Prêmio Pritzker:
- Quem são Lacaton & Vassal? 15 fatos sobre os vencedores do Pritzker 2021
- Lacaton & Vassal: Conheça a obra construída dos vencedores do Pritzker 2021
- Por que Lacaton & Vassal receberam o Prêmio Pritzker 2021?
- Translucidez e materiais aparentes: breve análise das soluções de Lacaton & Vassal
- Transformação de 530 unidades habitacionais de Lacaton & Vassal, pelas lentes de Laurian Ghinitoiu