Arquigrafias. Guido Guidi e Álvaro Siza é a exposição que assinala a reabertura ao público da Casa da Arquitectura, depois do confinamento. A mostra de fotografias do italiano Guido Guidi sobre obras do arquiteto Álvaro Siza tem curadoria de Paula Pinto e Joaquim Moreno e fica em cartaz na Galeria da Casa de 17 de abril a 3 de outubro 2021.
Os curadores selecionaram oito projetos situados em Lisboa, Porto e Matosinhos, que estão representados através de 97 imagens captadas pela lente de Guido Guidi. Arquigrafias oferece assim um “diálogo entre a obra fotográfica de Guido Guidi (Cesena, 1941) e a obra arquitetónica de Álvaro Siza (Matosinhos, 1933) e constitui um encontro singular entre duas figuras ímpares nos seus respetivos campos de trabalho”.
A exposição nasce, segundo os curadores, em dezembro de 2014, aquando da exposição "Guido Guidi. Carlo Scarpa: Túmulo Brion" na Garagem Sul do Centro Cultural de Belém, também com curadoria de ambos. Nessa altura, Guido Guidi expressou vontade de fotografar a arquitetura de Álvaro Siza.
Texto curatorial
Por Paula Pinto e Joaquim Moreno
A fotografia escreve com a luz. O conceito inventado de arquigrafia é uma fotografia escrita com a arquitetura, uma tentativa de fixar a passagem do conhecimento através das coisas e transportar a arquitetura ao encontro das ficções que inventa. Esta arquigrafia é um diálogo entre a fotografia de Guido Guidi e a arquitetura de Álvaro Siza. Retrato e reflexo de um encontro entre duas figuras singulares nos seus campos de trabalho, estas imagens são um tributo ao arquiteto Álvaro Siza e às relações que a sua obra estabelece com a luz, com os corpos e com o passar do tempo.
Fotógrafo da arquitetura vernacular e da paisagem trivial e corrente das periferias e das margens, Guidi não se interessa pelos exercícios instantâneos de reconhecimento, e pelo contrário “usa a fotografia como uma armadilha” para esperar pacientemente que realidades menos evidentes se imprimam nas imagens. Regista a passagem da realidade concreta ao que dela fazemos. Guidi diz que mais que olhar as coisas, a fotografia mostra os efeitos do olhar e nos faz ver o que não tínhamos intenção de ver, e que chega a sentir que, uma vez enquadradas, são as coisas que olham para o fotografo e o transformam.
Depois de ter recebido encomendas para fotografar a obra de Carlo Scarpa (1996-2007), de Mies van der Rohe (2001) e de Le Corbusier (2016-2017), esta é a primeira vez que Guido Guidi se auto propõe a fotografar um arquiteto vivo: Álvaro Siza. É na arquitetura de Álvaro Siza que a fotografia de Guidi melhor se reflete. Aos oitenta anos, o fotógrafo revela a urgência deste encontro entre uma arquitetura que nasce do seu lugar e circunstância e um instrumento de conhecimento que não manipula o que quer ver, e pelo contrário, devolve o que não prevíamos ou não sabíamos ver.
“Imaginar a evidência” é uma frase célebre de Álvaro Siza que tão bem descreve o encontro do extraordinário com o necessário nas suas obras. As suas obras e projetos são de facto evidentes depois de imaginados por Siza. Muito mais que simplesmente o produto das circunstâncias, as obras refletem as múltiplas determinações do projeto e são uma oportunidade de inventar algo que em muito as excede, ultrapassando sempre o necessário. As imagens que estas obras projetam expandem o real. De outra maneira, as fotografias de Guido Guidi também dão imagem à evidência. Descobrem o insólito em arquiteturas desgastadas pelas imagens.
Guidi admite experienciar a fotografia como uma espécie de transe e mesmo que a melhor experiência seria a de dormir numa arquitetura de Álvaro Siza, e acordar no sítio sem ideia do que fotografar. A sua fotografia não capta um pensamento feito, antes materializa uma capacidade analítica de experienciar o lugar, de troca de olhares que serve igualmente para perceber quem somos. Esta arquigrafia é uma viagem que obriga o fotógrafo a sair do próprio ego para sentir a transformação provocada por uma arquitetura que lhe devolve mais do que um reflexo; lhe devolve outras possibilidades de aproximação ao mundo.
Assumindo as múltiplas vidas da obra de Álvaro Siza, as arquigrafias de Guido Guidi celebram as memórias visuais testemunhadas pela matéria arquitetónica. Mais do que imagens do desenho ou da conceptualidade dos projetos, estas imagens retratam a arquitetura a partir de dentro, na sua relação com os habitantes, o tempo e a luz. Além de evidenciar as formas ou singularizar os objetos, Guidi pretende olhar para o que a obra vê, para o seu entorno, para os diferentes tipos de usos e para o seu estado atual de preservação. E nesse sentido, devolve a Álvaro Siza um retrato da sua arquitetura.
Nesta primeira apresentação, apenas consta uma parte ínfima dos mais de 60 anos de projetos de arquitetura de Álvaro Siza, mas dá-se início a um trabalho que Guido Guidi quer prosseguir nos próximos tempos, talvez seguindo a sua sugestão de fotografar um edifício que viu passar o tempo sem ser alterado pelo habitar e outro profundamente alterado na sua construção.
Para mais informações sobre a exposição, acesse a página da Casa da Arquitectura.