Quantas arquitetas e arquitetos LGBTQIA+ você conhece? Certamente estudou com alguém, mas dificilmente ouviu algum professor citar uma referência. Trazer esses nomes à tona é fundamental para compreender como essa população possui papel fundamental no campo da arquitetura, nas suas áreas teóricas e práticas. Afinal, se torna mais evidente como alguns deles trazem vivências de suas identidades na hora de projetar ou debater as teorias arquitetônica e urbana. Um fator essencial para que qualquer pessoa que se identifique como LGBTQIA+ se sinta à vontade para se expressar livremente, com sua potencialidade e individualidade na profissão.
Quando pesquisamos sobre o assunto, nomes americanos ou europeus - como Amaza Lee Meredith, Andrés Jaque, Eileen Gray, Joel Sanders, Julia Morgan, Mario Gooden, Paul Rudolph - são falados com mais frequência. No entanto, diversos profissionais do sul são proeminentes e merecem o devido destaque por atuarem em outros contextos e agregarem aspectos fundamentais para a arquitetura mundial. A seguir, apresentamos dez deles.
Canela Grandi (1957)
Arquiteta travesti argentina, Canela já realizou mais de 210 empreendimentos, entre projetos, anteprojetos e execuções de obras de arquitetura. Leciona há mais de 30 anos na Faculdade de Arquitetura, Planejamento e Design da Universidade Nacional de Rosário, onde se formou. Especialista em arquitetura orgânica, a arquiteta conta que após sua transição, realiza uma arquitetura "mais amável, mais solta, com formas curvas e suaves (...) uma arquitetura que celebra a vida".
Fernando Martínez Sanabria (1925 - 1991)
Fernando nasceu na Espanha, mas devido à guerra civil espanhola, passou a viver na Colômbia a partir de 1938. Foi pioneiro da arquitetura orgânica neste país, entre suas obras de destaque estão um conjunto de casas que denominou "El Refugio", realizado no norte de Bogotá, a renovação urbana da Plaza de Bolívar, o edifício da Caja Agraria en Barranquilla e a praça de acesso da Universidade Nacional, onde foi professor.
Flávio Império (1935 - 1985)
Nascido em São Paulo, Flávio Império foi arquiteto, cenógrafo, figurinista, diretor, professor e artista plástico. No campo da arquitetura, destaca-se o trabalho com Sérgio Ferro e Rodrigo Lefèvre no Arquitetura Nova, onde revisavam o papel social do arquiteto, sua presença no canteiro de obras, com foco na industrialização da construção civil e outras técnicas construtivas tradicionais. Como cenógrafo, pode-se dizer que é um dos maiores nomes da área no Brasil, trabalhou em importantes peças do Teatro de Arena, com Augusto Boal, e do Teatro Oficina, de Zé Celso Martinez. Além disso, realizou o cenário para shows de grandes ícones da música brasileira como Caetano Veloso, Gal Costa, Gilberto Gil e Maria Bethânia. Flávio era portador do HIV e morreu às vésperas de completar 50 anos, vitimado por uma infecção bacteriana nas meninges.
Geoffrey Bawa (1919 - 2003)
Considerado um dos mais importantes arquitetos asiáticos do século XX, Geoffrey Bawa recebeu um número significativo de prêmios e homenagens internacionais. Membro honorário do American Institute of Architects, recebeu o Architect of the Year em Londres (1996), o Prêmio Aga Khan de Arquitetura pelo conjunto de sua obra (2001), que tem sido frequentemente objeto de retrospectivas em todo o mundo. Sua principal marca é o uso de elementos e técnicas construtivas tradicionais dentro de um repertório moderno, a ambiguidade de espaços abertos e fechados, além de sua procura por fazer edifícios climaticamente adequados ao Sri Lanka. Bawa foi considerado excêntrico e parte de sua vida se transferiu para seus projetos, principalmente seus jardins. Neles não faltaram elementos decorativos e ecléticos, incorporando aspectos pitorescos dos jardins ingleses na paisagem tropical local. Vistas e caminhos sensuais, e nus masculinos em esculturas e baixos-relevos foram frequentes na construção dessas imagens. Seu principal companheiro foi o artista australiano Donald Friend.
Gerson Castelo Branco (1948)
Gerson Castelo Branco é um arquiteto autodidata do Piauí. Sua arquitetura é composta por um conjunto de referências e experiências vividas que ele sintetiza como "uma expressão de liberdade", a Paraqueira. Inspirada na natureza, sua obra respeita e surge para o bem-estar do usuário. Em entrevista ao ArchDaily, ele afirma que se deparou com uma fluidez sexual e falta de julgamentos que acarretou “na possibilidade de ser criativo independente das regras do sistema", criando um conjunto de edifícios que trouxe a ele a comparação com Frank Lloyd Wright, feita pela revista americana Architectural Digest na edição de setembro de 1995.
Jenaro Pindú (1946 - 1993)
Jenaro Pindú foi um arquiteto paraguaio que teve sua carreira encurtada ao ser vítima da AIDS aos 47 anos. De família rica e filho de militar, exilou-se de seu país durante a ditadura mais longa da América do Sul. Passou por Argentina e Brasil, onde fez sucesso na Bienal de São Paulo, sobretudo como artista plástico. Em seu país natal, suas arquiteturas foram declaradas patrimônio cultural urbano no ano de 2017, "levando em conta que a obra arquitetônica é reconhecida como um marco urbano e deixa de ser um espaço neutro". Numa prática que se propõe a acontecer de forma experimental, o arquiteto foi além da construção civil e criou projetos artísticos, de interiores, mobiliário, paisagismo e cenografia.
Lota Macedo Soares (1910 - 1967)
Reconhecida como arquiteta autodidata e paisagista emérita, foi convidada pelo governador do Estado da Guanabara Carlos Lacerda para trabalhar em seu governo, quando ela propôs mudanças na Praia do Flamengo que resultaria no maior aterro urbano do mundo, hoje cartão postal do Rio de Janeiro. Responsável pela equipe que transformou a paisagem da cidade e sua relação com a orla, ela coordenava nomes como Burle Marx, Affonso Reidy e Sérgio Bernardes (este projetou a casa na qual Lota viveu com sua companheira, a poeta estadunidense Elizabeth Bishop). Antes de deixar seu cargo, logrou o tombamento do Parque do Flamengo, impedindo qualquer possibilidade de loteamento neste.
Luís Barragán (1902 - 1988)
Um dos maiores arquitetos mexicanos, Luis Barragán revolucionou a arquitetura moderna em seu país com o uso de cores oriundas da arquitetura vernacular mexicana. Entre seus mais importantes projetos estão a Casa Barragán, a Capela das Capuchinas, as Torres de Satélite, "Los Clubes" e a Casa Gilardi. Sua combinação de cores vibrantes e paisagismos ímpares lhe rendeu o Prêmio Pritzker em 1980, o Prêmio Jalisco em 1985 e, um ano antes de falecer, o Prêmio Nacional de Arquitetura do México.
Roberto Burle Marx (1909 - 1994)
Provavelmente o maior nome do paisagismo mundial, Burle Marx também se destacou como pintor, desenhista, tapeceiro, designer de joias e escultor. Realizou projetos de paisagismo em mais de vinte países e desempenhou um papel fundamental para o reconhecimento de grandes obras da arquitetura moderna brasileira como o Aterro do Flamengo, o Edifício Capanema, do Ministério da Educação e Saúde do Rio de janeiro, e o Eixo Monumental de Brasília, para citar apenas algumas. Além de compor com elementos da natureza, também organizou inúmeras expedições em biomas brasileiros, tornando-se um grande defensor da flora e descobrindo novas espécies nativas - mais de trinta plantas levam seu nome.
Tainá de Paula (1983)
Tainá de Paula é uma ativista das lutas urbanas. Atuou em diversos projetos de urbanização e habitação popular, realizando assistência técnica para movimentos de luta pela moradia. A arquiteta bissexual traz em seu trabalho uma perspectiva fundamental para compreender o pensamento arquitetônico para além do hegemônico e nos lembra que "os atores do 'centro' provocaram colapso e desigualdade sistêmica". Tainá foi eleita vereadora na cidade do Rio de Janeiro em 2020, onde defende e atua para que os planejamentos urbanos trabalhem com neutralidade e equidade de gênero a partir de políticas de enfrentamento ao racismo, misoginia e lgbtqfobia.
Este texto foi elaborado em conjunto pelo Arquitetura Bicha (@arquiteturabicha), um projeto brasileiro que busca a visibilidade de arquitetura feita e performada por pessoas LGBTQIA+.