Concebida a partir do acervo do museu MAXXI em Roma, a itinerância de Em Casa, na Garagem Sul, Centro Cultural de Belém em Lisboa, é complementada por exemplos portugueses, expandindo leituras e significados potenciados pelos materiais apresentados. A exposição parte da pequena escala do abrigo e vai até à grande dimensão da habitação coletiva, revelando experiências híbridas e complexas que são testemunho de novos modos de relação entre o indivíduo e a comunidade.
Uma série de oito curtas-metragens realizadas por Tiago Casanova oferece um vislumbre do que pode ser visitado e experimentado na Garagem Sul.
O primeiro grupo de projectos inclui a famosa Villa de Malaparte em Capri, em diálogo com o abrigo Bivacco Fanton, dos Demogo, justaposto com a Casa do Vapor. Este edifício provisório, na povoação piscatória da Cova do Vapor, nasceu do envolvimento da comunidade na própria construção.
Avançando para uma escala doméstica, o segundo grupo mistura Carlo Scarpa com Maria Giuseppina Grasso Cannizzo e Fala, o que, à primeira vista, não poderia parecer mais diferente. Contudo, a expressividade dos materiais e um controlo meticuloso do pormenor conferem a cada habitação um universo formal próprio. No exemplo da Casa Veritti: «vemos como o arquiteto imaginou a sequência de espaços interiores e exteriores, as suas geometrias cruzadas, as relações entre materiais e ideias.»
Há uma longa tradição moderna de ostentação do betão armado, uma tecnologia maleável que permite conferir clareza estrutural à arquitetura e sublinhar a importância da luz na modelação dos espaços. Neste projecto de Pier Luigi Nervi, descobrimos arquitectura como «uma proeza técnica, e esta perspetiva disseca os seus segredos. Como é que as entranhas das tubagens e equipamentos mecânicos se dissimulam nos espaços vazios? Como é que uma floreira complementa a forma de um elemento estrutural? Como é que o interior e o exterior se confundem numa estrutura aparentemente complexa?»
O pátio é um tema constante quando se fala de espaços de habitar. A villa presidencial projectada pela dupla romana Monaco e Luccichenti e as casas Guna e Solo, de Pezo von Ellrichshausen, entram em diálogo com a casa em Oeiras de Pedro Domingos. São exemplos de projectos afastados no tempo e no espaço, mas que evocam noções equivalentes no que toca aos métodos usados, ao modo como se relacionam com os contextos em que foram erigidos, e à investigação formal que os inspirou.
As casas Guna e Solo, da dupla chilena Pezo von Ellrichshausen também encontram nesse princípio geométrico possibilidades infinitas de modelar a relação entre os espaços de habitar. Essa unidade formal, que é tanto centrípeta como centrífuga, converge no pátio como núcleo da casa, um lugar que permite desmultiplicar as relações entre interior e exterior nas lógicas do doméstico.
A materialidade é outro tema central na arquitetura e, particularmente, no habitar. O diálogo entre a expressão formal da casa Baldi, de Paolo Portoghesi, e a racionalidade construtiva da casa em Adropeixe, de Carlos Castanheira, exemplifica como o carácter natural da pedra e da madeira põe em destaque a importância crucial dos materiais para a construção do habitar.
A Casa Baldi, uma construção em pedra, é uma arquitetura de massas compactas, que Portoghesi transformou em dinamismo exuberante. Entre cada uma das paredes curvas há janelas e varandas, aberturas para um mundo interior que se desdobra ao ritmo das superfícies de pedra.
No rescaldo dos grandes incêndios em Portugal em 2017, a devastação trágica trouxe consigo o problema da reconstrução das casas ardidas. Foi uma oportunidade para testar modelos de participação e envolvimento das populações em obras que prescindiram da afirmação da linguagem para valorizar os métodos e processos de intervenção. Na exposição, os projectos do atelier MOB são apresentados em paralelo com o programa do governo Italiano INA-Casa, de 1949, no contexto da crise do pós-guerra. Foi uma ocasião em que os concursos de arquitectura organizados contribuíram para relançar a arquitetura italiana, com projectos muito diferentes, mas que convergiam na definição de uma nova cultura urbana, interligando habitação e espaço público.
Esta parelha é também um convite a compreender a importância da a participação dos arquitetos, através de concursos públicos e debates abertos à população. Para isso, é preciso vincular as casas aos lugares, os espaços às pessoas, ouvir e inventar soluções para as novas exigências do quotidiano.
A casa Moriyama de Ryue Nishizawa é um pequeno milagre japonês, uma casa-retrato para um habitante singular que se transforma sem sobressaltos num mini-quarteirão de casas isoladas. Na exposição, é possível ver a maqueta e descobrir a história, o som e os prazeres do dono da casa.
A experiência do indivíduo é também influenciada pela dimensão da comunidade. Em Lisboa, o atelier Promontorio construiu um grande quarteirão urbano com um rigor tipológico quase militar. A sistematização construtiva resulta numa linguagem homogénea e neutra, que oferece o suporte ao desenrolar das mais variadas formas de vida no seu interior. O quarteirão é uma unidade de construção da cidade que oscila entre individualidade e coletivo.
Apenas uma parte do conjunto foi construída, mas, na maqueta, podemos ver como os vários edifícios davam forma a uma praça importante, capaz de acolher os jogos da bola e as conversas de fim-de-tarde. A habitação prolonga-se na cidade.
As diferentes comparações das obras ao longo da exposição geram novas pistas para a sua compreensão e descoberta e, acima de tudo, evidenciam a variedade e a complexidade dos espaços de habitação contemporâneos e o potencial da arquitetura para os reinventar constantemente.
A itinerância em Lisboa da exposição Em Casa. Projetos para Habitação Contemporânea é organizada pelo Centro Cultural de Belém / Garagem Sul em colaboração com MAXXI, o Museo nazionale delle arti del XXI secolo em Roma, e teve a curadoria de Margherita Guccione, Pippo Ciorra, André Tavares e Sérgio Catumba.
Até 5 de setembro de 2021.