Neste episódio do Arquicast, a conversa é sobre um filme que, apesar de ambientado no único projeto de Le Corbusier efetivamente construído em toda a América Latina, tem toda sua trama centrada em um elemento arquitetônico, digamos, quase secundário, do ponto de vista compositivo da obra: o muro da divisa dos fundos. Estamos falando do premiado filme argentino O Homem ao Lado. As relações de vizinhança e a própria arquitetura servem de ponto de partida para os diretores falarem de temas espinhosos como direito de propriedade, desigualdade social, cultura e intolerância.
O episódio conta com a participação da arquiteta Paula Vilela, sócia fundadora da produtora Filmes de Bolso e mestre em Cenografia pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). Junto com a Paula, participa ainda o arquiteto Gustavo Novais.
O Homem ao Lado, dirigido por Mariano Cohn e Gastón Duprat, conta a história do premiado designer industrial Leonardo (Rafael Spreguelburd), que mora na famosa casa com sua esposa e filha, e sua relação nada amigável com seu vizinho de fundos, Victor (Daniel Aráoz). Os conflitos começam quando Victor abre uma janela exatamente no muro que faz a divisa de fundos entre os dois terrenos, onde, por lei, não é permitida nenhuma abertura. Mas o filme vai muito além da legislação urbana.
Tratada como uma obra de arte, a casa é entendida como um espaço imaculado e qualquer alteração não prevista interfere na apreciação e vivência deste espaço. Ao menos, pelo ponto de vista de Leonardo e sua família. E é neste sentido que a arquitetura desempenha um papel central na trama.
O projeto de Le Corbusier, conhecido como Casa Curutchet devido ao nome de seu primeiro morador, segue à risca os preceitos modernistas e o filme explora amplamente o resultado espacial da conjugação dos 5 pilares fundamentais do movimento moderno: planta livre, janela em fita, fachada livre, terraço-jardim e a estrutura independente, com pilotis. As medidas internas da casa foram adaptadas tendo o Modulor como parâmetro. O projeto final teve ainda a colaboração do arquiteto argentino Amancio Williams, responsável pelo acompanhamento da obra, uma vez que Le Corbusier não chegou a visitar o local.
Durante todo o filme é possível perceber a relação das pessoas com o espaço projetado e como os arquitetos souberam tirar partido dos elementos arquitetônicos modernistas para lidar com um terreno de uso residencial, num lote de miolo de quadra, cercado por edificações mais altas. A busca por luz e pela qualidade do ambiente interno é o grande motivador das ações dos personagens e simboliza as diferenças entre as posições econômicas e culturais dos protagonistas.
Os diretores não economizam na crítica à dimensão objetual da arquitetura e em como a exacerbação de um determinado padrão de beleza e comportamento pode ser extremamente excludente e, no caso do filme, até mesmo perigoso.
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Texto por Aline Assis.