Com objetivo de conhecer os arquitetos, os projetos e as histórias por trás da arquitetura portuguesa de referência, Sara Nunes, da produtora de filmes de arquitetura Building Pictures, lançou o podcast No País dos Arquitectos, em que conversa com importantes nomes da arquitetura portuguesa contemporânea.
No episódio desta semana, Sara conversa com os arquitetos Pedro Domingos e Pedro Matos Gameiro sobre o projeto da Biblioteca e Arquivo Municipal de Grândola, ao sul de Portugal. Reveja as outras entrevistas realizadas pelo podcast No Pais dos Arquitectos e leia a transcrição da entrevista com Domingos e Gameiro, a seguir.
Reveja, também, as entrevistas já publicadas do podcast No País dos Arquitectos:
- Carrilho da Graça
- João Mendes Ribeiro
- Inês Lobo
- Carlos Castanheira
- Tiago Saraiva
- Nuno Valentim
- Nuno Brandão Costa
- Cristina Veríssimo e Diogo Burnay
- Ricardo Bak Gordon
- Paula Santos
- Carvalho Araújo
- Guilherme Machado Vaz
- Menos é Mais Arquitectos
- depA architects
- ARX Portugal
- Frederico Valsassina
- PROMONTORIO
- Camilo Rebelo
Sara Nunes - Bem-vindo Pedro Domingos! E bem-vindo Pedro Matos Gameiro!
Pedro Domingos e Pedro Matos Gameiro - Bom dia! Muito obrigado pelo convite!
SN - O arquitecto Pedro Domingos e o arquitecto Pedro Matos Gameiro desenvolvem práticas profissionais separadas e cada um gere o seu próprio atelier. O que vos fez unirem-se neste projecto, Pedro Gameiro?
Pedro Matos Gameiro - Em primeiro lugar foi a amizade. Nós somos amigos há uns anos e esta oportunidade esteve sempre à espreita, em boa verdade. Numa altura em que coincidimos com a vontade de fazermos concursos, acabamos por fazer dois concursos, sendo que este foi o primeiro. O outro fizemos depois mais tarde. Este foi, portanto, o primeiro. Tendo ganho este concurso, o projecto foi-se desenvolvendo, naturalmente, em parceria e com grande prazer porque estas oportunidades são sempre maravilhosas para a pessoa conseguir abrir campo e aperceber-se de outras formas de trabalhar. Embora nos conheçamos, a prática de trabalho conjunta levou-nos a conhecer bastante melhor a forma de trabalhar de cada um e a aprender.
SN - O que eu acho curioso é que eu comecei este podcast com a ideia de que nós, em Portugal, colaborávamos pouco uns com os outros, mas ainda bem que este podcast nos está a fazer ver exactamente o contrário. Ou seja, a quantidade de vezes que os arquitectos colaboram uns com os outros, mesmo tendo ateliers estabelecidos. É uma coisa que me deixa muito contente. Nos últimos anos têm crescido o número de projectos de arquitectura de qualidade no Alentejo. Perguntava ao Pedro Domingos se este súbito crescimento de projectos é um sinal de crescimento e de desenvolvimento da região e se o projecto da biblioteca também é um sinal disso.
Pedro Domingos - Essa questão, para além do impacto relacionado com o Alentejo que está a passar por um processo de transformação, é uma questão mais nacional, onde há um maior interesse pela arquitectura, particularmente a partir de edifícios públicos e de concursos. A biblioteca passa por esse processo de transformação do perímetro, com o aparecimento de edifícios públicos, em particular até nesta questão da Rede Nacional de Bibliotecas.
E verifica-se que há uma apetência neste vasto território alentejano e um interesse por ocupar e viver neste território que é lindíssimo. Tem um enorme potencial e existe também uma enorme disponibilidade.
SN - Agora que falava da questão das bibliotecas e da rede das bibliotecas. Nos dias de hoje, lemos os nossos livros no iPad e consumimos audiobooks. Qual a função que a Biblioteca de Grândola desempenha na cidade, Pedro Gameiro, face a esta relação com o livro que temos hoje diferente? As bibliotecas continuam a ter esta mesma importância para as cidades e para o desenvolvimento do conhecimento?
PMG - Eu julgo que sim, eu julgo que eventualmente cada vez mais. Eu consigo imaginar que o livro, ou gostaria de imaginar que o livro, enquanto objecto físico, que apaixona tantos de nós, continuará a ser útil às pessoas no futuro e que nem tudo se transformará em algo mais imaterial. Gosto da ideia do livro físico e da ideia do depósito desses livros físicos, mas claramente a tendência será outra e esta perspectiva, eventualmente, poderá perder algum espaço. Em todo o caso, a Biblioteca de Grândola, especificamente, foi desenhada tendo em vista uma espécie de campo de acção alargado. Ou seja, ela ocupa um lugar central na cidade e dessa forma (ou também por isso) ocupa um lugar central na vivência cultural da cidade, tanto que todo o edifício está preparado, pela forma como foi desenhado, para acolher um conjunto de eventos muito alargado que vai muito para além do livro e da utilização tradicional da biblioteca. Quero imaginar que, sim, a Biblioteca de Grândola ocupa na cidade um lugar absolutamente central na divulgação cultural, para além da questão do livro.
SN - Eu pegava nisso que está a dizer porque, ao visitar a obra, senti exactamente isso, que o edifício não era apenas uma biblioteca e um arquivo municipal, mas tinha um carácter de espaço público, principalmente por causa do pátio que nos convida a entrar como se fosse uma extensão da cidade. E as próprias escadas, que existem à volta desse pátio, parecem também convidar-nos a descobrir não só a biblioteca, mas também alguns detalhes da própria cidade e ainda uma varanda, um terraço. Não sei como é que vocês chamam àquela parte que está ligada à zona de leitura dos adultos, no piso superior, e que também permite ter esta relação com a cidade. Foi intencional este carácter de espaço público da biblioteca, Pedro Gameiro?
PMG - Repetindo um pouco a ideia, este pátio que acaba por consolidar toda a estrutura do edifício, e a partir do qual todo o edifício se desenvolve e organiza é, de facto, como disse, uma extensão da cidade.
Ou nós gostaríamos e tentámos que fosse, no sentido em que convoca todos os percursos que aí confluem. É um espaço bastante acolhedor e que agrega um conjunto de possibilidades, onde já foram realizados, no curto tempo de vida da biblioteca, concertos, ciclos de cinema, feiras do livro. Julgo que vai ter lugar agora um outro evento também à volta do livro e do lançamento (ou do Dia do Livro, algo desse género). Ou seja, é um espaço fundador daquele edifício, por um lado, e determinante na organização, mas também na possibilidade de amplos usos da biblioteca, por exemplo, no contexto, naturalmente da divulgação cultural e espetáculos.
PD - Também é interessante perceber que estes espaços do pátio e da galeria não eram espaços pedidos no programa. Isso é uma coisa que nós gostamos bastante de desenvolver nos nossos projectos, que tem a ver com esta ideia de podermos oferecer espaços que vão para além daquilo que é pedido. Este caso é um exemplo vivo desta abordagem em que o espaço central não era aquilo que era pedido, mas é aquilo que nós achamos que é fundamental para que este programa da biblioteca se construa de uma forma plena.
PMG - O espaço já agora, para acrescentar, são estratégias de alguma maneira. Nós estamos sempre a referir-nos ao pátio como se o pátio fosse um espaço central, um espaço organizador, mas o pátio também permite organizar o acesso de forma estruturada. Ou seja, é através do pátio, do alongamento do percurso e do acesso aos vários pátios da biblioteca que nós conseguimos ir, de alguma maneira, estendendo a aproximação ou a variação de escala, a possibilidade da frescura e da sombra. Quer dizer, dá-nos um conjunto de ferramentas que, de facto, são muito capazes para depois gerar ambientes e adequações graduais que nos interessam para preparar o acesso a determinado espaço.
PD - E há também a tradição mediterrânica. No entanto, para nós nesta biblioteca o pátio é uma sala exterior. Está potenciado pelas diferentes urdes, mas acima de tudo temos de entender o pátio como um espaço central numa sala. Uma sala que é exterior, ao ar livre.
SN - É curioso estar a dizer isso porque da vez que visitei este edifício, estava exactamente a acontecer um workshop com crianças nesse mesmo pátio. Pedro Domingos desafiava-o a descrever como é que foi este processo criativo e o desenvolvimento deste projecto. Já percebi que vocês tinham um programa e que fizeram também uma proposta crítica a esse programa.
Propuseram também este pátio e este espaço mais públicos, mas gostava de saber se há alguma história interessante de como é que foram surgindo as ideias, como é que foi a discussão com os clientes sobre muitos desenhos, maquetes e se envolveram muitos engenheiros na equipa. Gostava que nos desvendasse essas histórias.
PD - Este é mais um projecto dos nossos ateliers, que segue a tipologia que aplicámos anteriormente a outro projecto. Neste caso, pareceu-me interessante. Foi partilhado com o Pedro, gerou aqui um potencial adicional e, acima de tudo, deu-nos a possibilidade de ensaiarmos alguns temas que nos são queridos e que reflectimos em vários projectos, e que aqui foi possível voltar a ensaiar e testar. Um deles tem a ver, naturalmente, com esta questão da tipologia do pátio e que, mais uma vez, viemos a comprovar que é uma hipótese com infinitas possibilidades e continua a ser um garante de qualidade nesta possibilidade de construir um programa, uma casa, uma biblioteca ou de um outro programa a partir deste espaço demorado, deste recinto. Pareceu-nos que aqui houve a possibilidade e foi bastante interessante pesquisá-la e investigá-la. Depois houve esta questão desta relação do edifício com a cidade, desta continuidade. Foi também possível aqui fazer uma reflexão sobre isso, desta sequência do espaço preparatório até chegar ao programa à sala de leitura, à sala polivalente e à sala de exposições. Voltamos aqui a poder fazer uma investigação e um conjunto de testes, que validaram o interesse que temos por esta possibilidade deste edifício ser sempre uma extensão da cidade e eles incorporarem uma dimensão de espaço público. Depois naturalmente houve várias etapas do processo com várias fases. Demorámos cerca de dois anos a fazer o projecto. Numa fase de concurso ganhámos e até ganhámos para um projecto um pouco diferente, mais compacto para um programa mais cedo. Mais tarde, a câmara decidiu por várias razões reduzir o programa e libertou espaço para, exactamente, podermos ir com mais liberdade no valor do projecto do qual nós achámos que fazia sentido ter. Foi a partir desta sequência que explicamos. Portanto, houve vários momentos, mas acima de tudo sempre focados nesta ideia de que o projecto tinha esta matriz em que desejava a relação com a cidade e por outro lado pretendia-se que o projecto se fundasse a partir deste espaço vazio, central e num processo de transição entre a cidade e as salas de leitura, a sala polivalente e a sala de exposições.
SN - Uma das primeiras coisas que me chamou a atenção neste projecto, quando o visitei pela primeira vez, são as palmeiras que antecedem a biblioteca não só pela quantidade, mas também pela forma geométrica que elas ocupam no espaço. Qual o porquê da escolha destas palmeiras? Foi um projecto vosso ou envolveram um paisagista durante o trabalho?
PMG - Estas palmeiras aparecem lá para substituir umas palmeiras que já existiam e que no período entre o concurso e a retoma do projecto removeram por causa daquela doença, que assolou grande parte das palmeiras no sul do país. Elas morreram, foram cortadas e, como existia aquela praça já centenária com as palmeiras, nós achámos que era adequado mantermos essa memória ou renovarmos essa memória. Voltámos a plantar palmeiras e agora com uma nova ordem, de forma a que criássemos uma espécie de antecâmara de entrada para o edifício, uma espécie de preparação, um primeiro passo naquela actuação de escala e naquela busca de sombra. Há sempre aqui um lado em que nós – há pouco falávamos do sul e do Alentejo – naturalmente, por estarmos em Lisboa (por razões várias) estamos mais próximos para trabalhar no sul do país. Depois também por motivos de história familiar estamos mais próximos do sul. Toda esta ideia ligada à arquitectura mediterrânica – da arquitectura mais do sul, da procura da sombra, do fresco e da ligação também da fonte, da ideia do mistério, do percurso, de um certo encantamento na procura de uma sucessiva descoberta, ao longo do edifício – tem muito a ver com esta memória da arquitectura do sul. Esta arquitetura está sempre presente e faz parte da nossa bagagem cultural (se assim quiserem denominar). Aliás, constrói-nos enquanto pessoas e as palmeiras vêm um pouco nessa ordem. Ou seja, elas, muito objectivamente, vêm substituir as que morreram e depois acabámos por considerá-las como oportunidade de estabelecer uma certa ordem numa praça que, geometricamente, é pouco prestável. Portanto, as palmeiras acabam por conseguir atribuir uma certa estabilidade a um espaço cuja geometria não antecipava essa hipótese. Por outro lado, cria um primeiro tecto que de alguma maneira prepara e adequa o nosso olhar ao que vem a seguir.
PD - Há um aspecto que eu gosto bastante da obra que tem a ver com esta relação entre o pátio e a praça das palmeiras. De alguma forma são espaços um pouco opostos. Temos a praça com a malha das palmeiras e com o tecto que cria esta sombra densa e depois quando entramos vemos o pátio vazio, céu aberto e suspenso. Este diálogo, que é feito de escalas semelhantes, é muito forte e muito intencional no projecto. Para nós foi um privilégio neste projecto da biblioteca também podermos fazer a praça. Não é muito comum.
O que foi utilizado e o que me pareceu até fundamental para fundar o edifício e podermos reorganizar a praça foi tratar esse comum como um todo. Nesse sentido, a praça é o primeiro espaço e é um espaço fundamental. Foi curioso porque a primeira fase da obra foi fazer a praça e depois fazer a obra do edifício. Garantiu-se que as palmeiras ficassem dois anos plantadas, enquanto se fez a obra do edifício, ganhando forma e escala. Hoje em dia quando lá vamos elas já estão...
SN - Sim, elas parecem já estar ali há muito tempo, não é?
PD - Foi um acidente, mas foi muito positivo.
PMG - Elas já foram plantadas grandes, naturalmente, não é?
SN - Certo!
PMG - Foram escolhidas já no viveiro. Várias dezenas de palmeiras foram escolhidas uma a uma e já com uma altura considerável. Naturalmente que dois anos depois de estarem plantadas elas ganham um lugar e essa é a sensação que relata quando chega lá e elas parecem estar lá já há muito tempo. Ainda vão crescer mais naturalmente, mas já têm uma escala bastante elevada.
SN - Sim, é interessante. Não tinha pensado nessa perspectiva de as palmeiras, até pela forma como estão colocadas...
PMG - São arquitectura!
SN - São arquitectura exactamente. Era o que eu ia dizer!
PMG - Já são arquitectura!
SN - Já são arquitectura e, ao mesmo tempo, não tinha pensado nesta questão da importância da sombra numa cidade como Grândola.
PMG - É fundamental!
SN - Até porque tem um calor abrasador e esta questão aqui da sombra é importante.
PMG - Eu acrescentava aqui uma coisa que tem a ver com esta retoma das palmeiras existentes. Toda a praça, aliás, teve pequenas alterações que tiveram mais a ver com a limpeza geral que envolvia a sinalética. Com a sinalética da cidade e iluminação, por ser muito dispersa e variada, houve a tentativa de reduzir o ruído naquela zona tão conflituosa da cidade e retomar, de alguma maneira, os elementos simples que se calhar existiam há 50 ou 60 anos. Toda aquela praça foi, de alguma maneira, reordenada, de forma a que se conseguisse obter o silêncio possível também nesse espaço. E sempre em preparação à entrada da biblioteca.
PD - De certa forma, prolonga-se para o edifício. Há aqui uma vontade de tentar silenciar uma série de questões muito visíveis de forma a propormos um conjunto de espaços intemporais. Isso era uma vontade muito concreta que temos neste projecto, mas que também temos nos outros projectos que fazemos. Eu e o Pedro, cada um no seu atelier, estamos sempre muito à procura desta dimensão intemporal e de um certo silêncio, garantindo que os próprios espaços e edifícios sobrevivam ao seu tempo. No fundo, para isso é preciso haver uma intencionalidade de gestão de projectos, de maneira a que se crie até uma resistência a uma imposição de regulamentos e de medidas que visam elementos técnicos. E esse trabalho de resistência dá muito trabalho. Às vezes é uma luta difícil, mas nesta obra confirmou-se que vale a pena. Verifica-se que, de facto, há um certo silêncio desde a praça até à sala de leitura e essa vontade de apagar e anular uma certa presença, habitualmente ruidosa, neste edifício público revelou-se bastante qualificadora no pátio.
PMG - Estamos a falar, no fundo, de simplificação e integração de tudo aquilo que é referente à sinalética e todos aqueles elementos mais gritantes que, de alguma forma, é possível integrar e é possível ordenar, de maneira a que eles integrem uma lógica disciplinada, que acompanhem o edifício sem estar contra ele, sem estar a prejudicar o ambiente que se pretende para cada espaço.
PD - É uma prática de alta resistência. É preciso dizê-lo.
PMG - É duríssimo!
PD - Dá muito trabalho, mas como acreditamos vamos continuar nesse trabalho de resistência.
SN - Acho muito curioso estarem a falar da questão do silêncio, uma vez que estamos perante um edifício de uma biblioteca, onde para ler é fundamental esse silêncio. Uma das coisas que também fiquei muito impressionada com este edifício foi com a qualidade da construção. Nos dias de hoje em que a mão de obra é escassa e cada vez menos qualificada, como é que se garante que um projecto bom resulta num bom edifício? Fale-nos um pouco sobre isso, Pedro Domingos?
PD - Primeiro vem a partir de uma estratégia de projecto. Neste caso, foi mais um ensaio que fizemos e onde reflectimos sobre a possibilidade de, através de poucos meios e recursos, tentarmos incluir um sistema construtivo que, de alguma forma, respondesse a esta obra pública e a este investimento. E decidimos fazer um ensaio invertido. Ou seja, por um lado existe aquela parte que é mais comum e o lugar que é do edifício onde se prepararam os espaços interiores com um certo detalhe e um certo nível de acabamento; e por outro lado, os espaços exteriores ficaram mais simples. A partir da estratégia de o pátio ser um espaço fundador da biblioteca pensamos que, provavelmente, poderia ser interessante aqui inverter e concentrar um certo investimento do desenho desses espaços exteriores a partir da presença mais perene da pedra, neste caso do mármore, num reboco de cortiça depois barrado a branco; e nos espaços interiores ter um sistema semelhante, mas mais cru a partir de um reboco de cortiça, mas agora aparente, sem o acabamento final. Existem depois alcatifas correntes nas salas de leitura, betonilhas na sala polivalente e na sala de exposições. Portanto, esse espaço está num estado mais cru e os espaços exteriores estão mais acabados. No fundo essa estratégia – que nos parece que também resulta bastante bem no edifício – fez com que fosse possível com um valor de obra relativamente pequeno apostar, neste caso, com maior solidez no espaço exterior e investir nas salas interiores, partindo do princípio que existe uma relação entre estas salas e o pátio. Para além disso, essa relação permite que as salas possam ficar num estado mais cru. E essa estratégia acho que foi um óptimo ensaio para outros projectos futuros nossos (meus e do Pedro) porque nos pareceu que tem vitalidade e depois enquadra nesta questão da contenção.
PMG - E conseguimos também noutro nível como por exemplo o nível da gestão técnica toda do tratamento do ar, do arrefecimento e do aquecimento. Simplificar os sistemas, tendo por base um edifício que acaba por ter uma grande capacidade de resistir à variação das temperaturas exteriores. Isso permitiu-nos reduzir a necessidade de equipamentos.
Portanto foram estratégias encadeadas e articuladas que permitiram, de facto, construir algo que seria completamente impossível de construir hoje em dia. E, aliás, já foi bastante difícil na altura.
SN - Pergunto-vos o que é que esta Biblioteca Municipal vos ensinou sobre a Arquitectura?
PD - Neste projecto – como todos os que fazemos, sobre os quais colocamos sempre algum risco e queremos ensaiar temas que nos acompanham –, mais uma vez, foi possível verificar que a tipologia do pátio tem infinitas soluções e tem um enorme potencial como espaço de vida. Aqui, ensinou-nos, mais uma vez, a desenhar e a pensar este espaço. Neste caso, conjugado com a galeria e a forma como desenhamos a galeria e a diversidade em torno deste espaço central. De certeza que vamos continuar a refazer nos próximos projectos com mais confiança e vontade. Esta ideia do recinto continua a ser o garante até numa certa articulação com esta ideia de criar aquilo que possa ser o paraíso ou o Éden. Há sempre esta ideia do recinto murado em que no seu interior há uma harmonia entre as pessoas, a natureza, os animais e esta sensação de que, na biblioteca, o pátio também é um lugar dessa harmonia entre as pessoas.
SN - Um espaço de encontro.
PD - É isso. E o que aprendemos de certeza é isso.
PMG - E em boa verdade a grande relação desta biblioteca tem sido – eu não queria deixar de dizer isto – a forma como ela é utilizada. As nossas melhores expectativas estão a ser cumpridas no sentido em que tanto as pessoas que trabalham na biblioteca, como as pessoas que a visitam encontram na biblioteca sempre uma espécie de um lugar de prazer. Isso é para nós fundamental. Esta ideia de que a arquitectura pode e deve construir lugares de absoluto prazer é o que, eventualmente mais nos interessa e é isso que mais nos interessa aqui porque foi sempre um tema que esteve presente na feitura deste projecto. E a realidade é que as pessoas manifestam-se sempre muito por esse lado em que existe uma certa felicidade e prazer na possibilidade de estar na biblioteca. A par disso, o seu comportamento reflecte essa paz que nós procuramos e esse silêncio que também já referimos. Isso é testemunhado pelas pessoas que lá trabalham. De alguma maneira, estão altamente empenhadas e mantêm contacto connosco semanal no sentido de preservarem a biblioteca tal como ela sempre foi pensada. A sua dedicação, julgo eu que também resulta da própria receptividade que o edifício tem tido.
SN - Eu posso testemunhar essa mesma recepção porque no dia que visitei a biblioteca existiam crianças a fazer um workshop no pátio e existiam pessoas na zona da entrada a ler revistas e jornais. Existiam pessoas a ver a exposição e realmente as pessoas que trabalham lá têm muito orgulho no espaço porque eu fiz perguntas e estavam super contentes por me puderem ajudar e queriam que eu visitasse todos os espaços da biblioteca. Foi muito bom sentir isso.
PMG - É óptimo isso. Deixa-me bastante feliz! Grândola não é uma cidade muito grande e ainda assim, chegados ali, o número de pessoas que habita regularmente aquele espaço é significativo. Muitas vezes até no fim-de-semana. A biblioteca está aberta no sábado num período mais reduzido e vê-se imensa gente no fim-de-semana que vai lá. Eu não diria que vão passear, mas vão passar um tempo e isso é sinal de que a Arquitectura também constrói esses hábitos, assim a arquitectura o permita. Motiva as pessoas a reunirem-se. Nós, no princípio da conversa, falávamos sobre este lugar de encontro e, de facto, verifica-se que tem sido.
SN - Sim, e outra coisa que também me deixou até impressionada foi que não só tinha várias pessoas no espaço como também eram de faixas etárias muito diferentes. Portanto era também um espaço de encontro de várias gerações. Muito obrigado, Pedro Gameiro e Pedro Domingos pela vossa partilha e por terem feito um edifício que tem realmente este impacto positivo na cidade de Grândola.
PMG e PD - Ora essa, nós é que agradecemos. Obrigado. Até breve!
Nota do editor: A transcrição da entrevista foi disponibilizada por Sara Nunes e segue o antigo acordo ortográfico de Portugal.