No País dos Arquitectos é um podcast criado por Sara Nunes, responsável também pela produtora de filmes de arquitetura Building Pictures, que tem como objetivo conhecer os profissionais, os projetos e as histórias por trás da arquitetura portuguesa contemporânea de referência. Com pouco mais de 10 milhões de habitantes, Portugal é um país muito instigante em relação a este campo profissional, e sua produção arquitetônica não faz jus à escala populacional ou territorial.
No episódio desta semana, que encerra a segunda temporada de entrevistas, Sara conversa com o arquiteto Manuel Aires Mateus sobre o projeto para a Sede da EDP em Lisboa. Ouça a entrevista e leia a transcrição da conversa, a seguir:
Reveja, também, as entrevistas já publicadas do podcast No País dos Arquitectos:
- Carrilho da Graça
- João Mendes Ribeiro
- Inês Lobo
- Carlos Castanheira
- Tiago Saraiva
- Nuno Valentim
- Nuno Brandão Costa
- Cristina Veríssimo e Diogo Burnay
- Ricardo Bak Gordon
- Paula Santos
- Carvalho Araújo
- Guilherme Machado Vaz
- Menos é Mais Arquitectos
- depA architects
- ARX Portugal
- Frederico Valsassina
- PROMONTORIO
- Camilo Rebelo
- Pedro Domingos e Pedro Matos Gameiro
- Luís Rebelo de Andrade
- Susana Rosmaninho e Pedro Azevedo
- João Pedro Serôdio
- João Carlos Santos
Sara Nunes - Queria-lhe dizer que estamos muito entusiasmados com esta conversa porque ouvimos dizer que o arquitecto Manuel é um excelente conversador. Bem-vindo!
Manuel Aires Mateus - Muito obrigado! Não sei se sou um excelente conversador, mas tenho todo o gosto em estar aqui.
SN - Vamos descobrir isso ao longo da conversa. O projecto sobre o qual vamos falar hoje é a sede da EDP. É um edifício de escritórios, de uma empresa ligada à energia, que se situa em Lisboa, no Cais do Sodré. E o Cais do Sodré sofreu uma grande transformação, nos últimos anos, sendo que este edifício também contribuiu, de certa forma, para essa transformação positiva. Como estava o lugar quando o visitaram pela primeira vez, Manuel, e quais as primeiras ideias que surgiram para este edifício?
MAM - O lugar era um lugar real, um lugar que existia. Era um lugar devoluto, vazio, que tinha uma antiga parede que, curiosamente, dá origem àquela expressão muito lisboeta que é: “para inglês ver”. Foi uma parede feita quando a rainha Vitória veio a Portugal para esconder o mau aspecto do edifício industrial que estava por detrás, que era inglês. Aquela parede era do estilo neogótico e depois o lugar que era o lugar vazio. Descobrimos que era um lugar vazio e bastante inquinado. Quer dizer, na verdade, percebemos isso só depois. Portanto, tínhamos este lugar vazio e este era o lugar real. Aquela parede, que ainda se pensou conservar... Depois, felizmente essas questões foram ultrapassadas. Também não tinham interesse nenhum, era um neogótico bastante pobre.
SN - Mas essa história é muito engraçada.
MAM - A história tem valor, a parede não.
SN - Certo. (risos)
MAM - Temos de conservar a história de uma outra maneira, não ali com a parede... mas este era o lugar físico e real. Os lugares não têm só o lado físico, não é? Também têm um lado histórico e um lado cultural. Naquele caso, era importante essa questão porque aqueles lugares são, no fundo, lugares ganhos ao rio. São lugares onde existia um traçado daqueles boqueirões com ruas perpendiculares muito estreitas ao rio, com pavilhões industriais ligados ao rio, aos barcos, às pescas, à construção de barcos...
SN - Acho muito curioso... desculpe interromper. Eu vi fotografias históricas do lugar e acho incrível a quantidade de barcos que existiam no rio, que é algo que perdemos nos dias de hoje. O rio está muito mais vazio.
MAM - Perdemos isso e perdemos também a actividade do porto. Se olharmos para metade do século XX, todos aqueles pavilhões cobriam a frente do porto de Lisboa. Ou seja, o contacto de Lisboa com o rio. E o porto de Lisboa respondia a uma parte muito significativa do Produto Interno Bruto português. Ou seja, era um porto com uma enorme actividade. Isso foi-se perdendo. É evidente que todos os portos se modernizaram. O nosso porto, obviamente, não era um porto modernizável sequer. Foi-se perdendo. Mas esse lugar tinha essa característica. Havia barracões perpendiculares ao rio, muito compridos e essas ruas, que ainda existem algumas, chamadas boqueirões. Eram as ruas, entre esses barracões, que ligavam a cidade ao rio e também existia uma outra condição histórica que foi muito importante para o projecto e que era muito importante para todos os arquitectos de Lisboa que é a memória do Palácio Corte Real. É um palácio que existia antes do terramoto e que desapareceu com o terramoto (de 1755). Era um palácio que era feito com duas alas perpendiculares ao rio também e os braços chegavam ao mar, faziam uma espécie de porto, uma chegada de água a partir do rio.
E essa também era uma condição que para todos os arquitectos de Lisboa tinha importância. Digamos que o lugar, quando nós chegámos, era um lugar histórico... histórico, nesse aspecto, com uma série de referências que são determinantes para a cidade de Lisboa. Todas aquelas que servem de referência entre o Tejo, como a condição, que selecciona a localização da cidade de Lisboa... Há uma frase muito bonita que um amigo nosso (Valentino Capelo de Sousa) escreveu: “O Tejo é Lisboa antes de o ser”. É uma frase muito bonita porque...
SN - É como se fosse a origem da cidade.
MAM - É. E é a origem da cidade. As primeiras implantações de Lisboa colocam-se do outro lado do rio e depois só, posteriormente, é que é tomada... O outro lado do rio é um lado mais fácil, é um lado sem condição íngreme. Assume uma condição muito mais plana com o rio. As primeiras implantações são feitas do outro lado do rio, no Mar da Palha e só depois é que vêm para este lado. É de facto este rio, este mar que temos à nossa frente que nos dá esta condição da cidade. Portanto, tudo aquilo que é a relação entre a cidade e o rio é sempre uma condição que Lisboa tem que privilegiar. E este era o lugar como nós o encontrámos.
SN - Sei que este lugar e o rio também foi um mote para uma das vossas ideias. A ideia, se calhar, mais forte para desenvolverem este edifício. Pode-nos falar um pouco sobre as ideias que motivaram este projecto.
MAM - Começando por essa ideia que é uma ideia óbvia: como é que nós mantemos a relação das encostas com o rio. Aliás, havia condições complicadas. Imagine-se o Miradouro de Santa Catarina que não poderia nunca ser prejudicado com a presença de um edifício de grande escala. Portanto, a primeira condição que determinámos foi que o edifício seria perpendicular ao rio. Imaginámos logo dois corpos perpendiculares ao rio, ligando o Tejo às encostas de Lisboa.
Isso era interessante porque criava um espaço entre eles, um espaço de pertença para a EDP, mas de alguma maneira não deixava de ser um grande vazio que atravessava entre as encostas da cidade e o rio, deixando uma muito maior transparência... construíamos só dois edifícios muito estreitos. A outra condição foi uma manipulação do programa. Pensámos sempre que o programa seria para a superfície, só para os pequenos espaços porque havia, exactamente, aquelas torres pequenas. E tudo o que fosse os grandes espaços, as grandes salas de reuniões, o lobby, o auditório... tudo aquilo que eram grandes áreas, nós decidimos logo, desde o princípio, que queríamos enterrá-las para não bloquear a vista entre a cidade e o rio. Depois pensámos também que era importante criar uma ligação porque a rua D. Luís I é uma rua aberta, é uma rua aberta recentemente. Quer dizer, recentemente no sentido em que tem cem anos...
SN - Sim...
MAM - Quer dizer, não é uma rua histórica, como está a de trás, que é o limite da cidade, nem a rua criada pela construção do muro que dá o novo porto de Lisboa. Portanto, é uma rua entre condições e que, de facto, foi artificialmente aberta. Ou seja, aquela rua foi rasgada. E é uma rua que precisa de respirar, precisa de se ligar a estas ruas mais importantes e necessita de se ligar ao rio. Nós achámos que era interessante criar uma grande abertura, a que nós lhe chamámos: uma grande praça sombreada, que liga a rua D. Luís I ao rio. Portanto, no sentido de arejar a condição do rio. Essa essas eram as condições. Manipulávamos o programa para manter a transparência, mantínhamos esta implantação da perpendicularidade ao rio que é importante por razões práticas e óbvias, mas depois por razões históricas porque a cidade é construída... Se olharmos para o Bairro Alto já com esta relação com o rio por razões de limpeza, por razões económicas... a Baixa Pombalina, que tem sempre este traçado perpendicular ao rio.
Isto de alguma maneira é sempre aquilo que é característico da nossa cidade. Tudo isto eram condições reais e culturais, que nos levaram a este ponto de partida. Depois, obviamente, nós tínhamos de fazer um edifício eficiente, em muitos aspectos, e um edifício também eficiente do ponto de vista energético, por isso o edifício foi estudado desde o princípio para ter uma espécie de relação com o sol muito particular porque é, evidente, que estamos a falar de um edifício que é difícil de desenhar. É um edifício de escritórios que necessita de uma grande flexibilidade. Na generalidade, tem de ser todo transparente e nós, obviamente, queríamos que essa transparência fosse criada, mas queríamos proteger o vidro da incidência directa.
SN - Sim, isso é um dos grandes desafios deste projecto. Ou seja, por um lado conseguir esta transparência e essa relação com o rio e com a vista e, por outro, como é que controlam a incidência solar, de forma a que isso não prejudique também energeticamente o edifício, não é?
MAM - Sim, porque o problema para nós é um edifício... é um desafio relativamente mais raro. Nós fizemos alguns edifícios de escritórios na Expo e depois, com grande escala, fizemos este edifício. E são edifícios que têm este problema porque têm de ter uma grande versatilidade. Uma grande versatilidade significa que nós temos de ter módulos de 1,20 metros, ou aproximadamente, para podermos ver... o que é que isso quer dizer... para podermos fazê-lo variar como quisermos e isso quer dizer tudo transparência. Depois temos de proteger essa transparência. Ali nós – se considerarmos que o quadrante com maior exposição é o sul poente – protegemos com elementos verticais, que depois têm uma variação, caso necessitem de criar mais sombra ou não. Estas sombras são mais pequenas, nos sítios, onde não há vidros por trás são de menor dimensão e nas zonas onde há duplos pés direitos e espaços mais abertos são as lâminas maiores de todas.
Isto é um padrão de arranque que tinha a ver com esta necessidade de protecção e depois, evidente, é feita uma composição a partir daquilo para desenhar a imagem do edifício. A nós interessava-nos desenhar esse edifício muito flexível. Nós dizíamos que não lhe desenhávamos a luz, mas sim a sombra. Queríamos criar o desenho da sombra sobre os vidros e isso é que ia criar a identidade do edifício. Portanto, o edifício tinha de ser esta grande máquina flexível e eficaz e eficaz do ponto de vista ecológico, não é? Depois o edifício também tem umas aventuras, tem umas máquinas enterradas abaixo da cota do rio, abaixo da cota das fundações que são abaixo de 30 metros.
SN - Caramba! Foi muito profundo.
MAM - O edifício é uma espécie de icebergue.
SN - Ok.
MAM - Aquilo que nós vemos à superfície é muito menor do que aquilo que está enterrado. A construção do edifício começa com uma piscina invertida para não deixar entrar água, que tem 30 metros de profundidade e 60 por 90. Portanto, é um gigantesco quarteirão com prédios de oito a nove andares, construídos a negativo. É uma gigantesca área que é escavada e depois tem uma zona técnica, tem quatro pisos de estacionamento e tem um piso que são um e dois. Ou seja, um piso duplo onde estão esses tais grandes espaços que são necessários para que não cortassem a vista entre a cidade e o rio. Esta era uma ideia também clara porque, por um lado, pretendia-se proteger, por outro lado tornar eficaz e, ainda, para além disso, garantir que não cortávamos a relação entre a cidade e o rio. Depois também havia uma manipulação do programa que para nós sempre foi importante que era considerar que todo o edifício ia tendo áreas exteriores. O que nós fazemos para concretizar isso integrámos sempre varandas ou balcões. Ou seja, colocámos varandas negativas, varandas metidas dentro daquela pele, daquela retícula.
Fomos metendo varandas que olham para o rio, varandas que olham para a cidade, varandas que olham para dentro, varandas que olham para fora para ir criando sempre áreas exteriores. Também nos interessou bastante, neste edifício, trabalhar uma mudança de paradigma, tendo em conta que estávamos perante uma empresa que deixa de ter os seus quadros a trabalhar, fundamentalmente, em gabinetes e passa a pô-los a trabalhar em open spaces. Portanto, era necessário criar espaços que respondessem aos open spaces, mas depois criar também os espaços de privacidade e espaços de encontro. Nós considerámos que isso poderia ser extensível para as áreas exteriores. As áreas exteriores, na verdade, acabaram por resultar de uma forma muito clara. A nossa primeira ideia quando as pessoas vão lá fora é que elas se deslocam lá fora para fumar, para tomar um café... portanto, todas aquelas áreas exteriores estão acumuladas com áreas informais de encontro, que têm máquinas de café para as pessoas terem as suas reuniões informais e as silent rooms com o objectivo de tornar mais eficaz a ideia do open space. Mas, na verdade, as pessoas aqui fora começaram a usá-lo e isso era a nossa esperança... começaram a usá-lo, estendendo largamente a sua utilização. Também usam aqueles espaços para trabalhar, para reunir porque é evidente que hoje a pessoa trabalha com um laptop, tem internet em todo o lado, muda para onde quer e trabalha até onde quer. Portanto, as pessoas na verdade... isso é uma das nossas esperanças usaram estes espaços exteriores para trabalhar.
SN - Acho interessante como é que o próprio espaço motiva a forma como as pessoas trabalham, não é? Mais neste sistema de partilha do que cada um no seu escritório, fechado sobre si. Ou seja, o espaço a promover também esta partilha e uma forma diferente de trabalhar, que nos dias de hoje tornou-se ainda mais pertinente, não é?
MAM - Tornou-se pertinente, mas sabe que, há uns anos, fizemos um trabalho que tinha um caderno de encargos feito por uma empresa libanesa muito grande de investigação sobre condições de trabalho. Era um projecto gigantesco. Depois o projecto não avançou com a crise. Era um trabalho para o Dubai, um trabalho muito grande, havia muito escritórios metidos lá dentro e, efectivamente, havia – estamos a falar há 15 anos – esta busca para perceber como é que as pessoas iam começar a trabalhar. Existia esta ideia da informalidade num espaço de trabalho.
SN - Ok.
MAM - Como uma forma de aumento de produção porque a pessoa não está cingida ao seu pequeno espaço confinado que usa todos os dias. A pessoa chega, tem o laptop, trabalha no escritório e trabalha fora, trabalha em salas de reuniões, trabalha em partilha, ou trabalha isolado porque tem de escrever. Por outras palavras, trabalha de muitas maneiras. Havia uma série de ideias que tinham apontado nessa altura em que fizemos isso e que também nos levaram a isto: à criação de open spaces, mas para além desses open spaces também podermos ter áreas em que as pessoas estão informalmente a trabalhar, até porque mudam a altura da cadeira. É diferente a pessoa estar a reunir em cadeiras tradicionais ou em cadeiras que denominámos como cadeiras de lounge.
SN - Certo.
MAM - Com mesas baixas que... Há um lado mais informal a partir do momento em que se vai mudando essa dimensão da forma como trabalhámos. Pareceu-nos interessante integrar aqui essa ideia e levar isso para o exterior. Com o clima que nós temos obviamente que o exterior é completamente central. Aliás, é uma condição que nós também usámos no tal hallporque fizemos a distribuição... Aquele edifício é um edifício clássico. Clássico no sentido da distribuição. As pessoas ou chegam a pé ou chegam de carro. A maioria chega de carro, obviamente.
SN - Sim.
MAM - Mas também se pode chegar a pé. Então o que é que as pessoas fazem? Vão, páram o carro ou chegam a pé e vão ter a um hall, um hall central não controlado.
SN - Que é o tal espaço subterrâneo que nos falou há pouco.
MAM - Exactamente. O espaço que está na cota menos 2, ou está 7 metros abaixo da cota da terra. As pessoas quando chegam pela praça, descem umas escadas, que são umas escadas de anfiteatro de 7 metros, umas escadas muito largas, uma de um lado e outra do outro. Chegam, o edifício é assimétrico, chegam lá abaixo... ou então chegam desses elevadores, por esses elevadores não controlados e vão ter a esse hall.
SN - E nesse espaço qualquer pessoa pode entrar, não é? É um espaço público, não é?
MAM - É. E a ideia é que depois todos os espaços possam estar ligados a este espaço, sejam nas actividades públicas como nas zonas de encontro informais. O grande le foyer, as casas de banho estão ligadas a este espaço público. Depois as pessoas são controladas quando vão para os espaços de trabalho. Isto é o sistema normal. A diferença aqui é que este hall em vez de ser térreo é metido na cota menos sete. Ou seja, 7 metros abaixo. Depois temos quatro grandes pátios e estes quatro grandes pátios é que permitem que a pessoa quando chega a esse lugar tenha uma espécie de nova cota térrea. Há uma nova cota, a cota do chão, porque tem quatro pátios enormes cheios de luz. Dois pontos e a pessoa chega, dois nos extremos, portanto ali há sempre muita luz. A pessoa tem a sensação de estar no exterior. Isto é outra ideia que nos interessava utilizar em relação ao projecto. A outra ideia era para a utilização destes pátios. Ou seja, havia não só os pátios superiores, como havia também...
SN - Sim, os espaços mais privados e estes mais públicos.
MAM - Sim. Estes pátios são, em parte, espaços completamente públicos. Depois trata-se de um edifício tradicional. A pessoa chega ali, é controlada, diz para onde pretende ir ou tem o seu cartão badge para entrar... ou vai assistir a um concerto e não precisa de ser controlado porque está num espaço público. Nesse sentido é um projecto muito tradicional, cuja utilização dos pátios permitiu baixar a cota térrea para a cota menos sete.
SN - Eu já tive oportunidade de ir almoçar algumas vezes ao edifício e um dos aspectos curiosos é que o edifício está numa zona muito central da cidade, mas quando estamos cá em baixo, nesse espaço que estava a descrever, quase não damos conta que estamos no centro da cidade. Acho muito curiosa essa protecção que fazem do edifício não só da luz, mas também do som e do ruído e confusão da cidade. Parece que somos transportados quase para outra dimensão da cidade.
MAM - Também há um aspecto curioso neste edifício... Este edifício também, de alguma maneira quando a EDP escolhe o lugar... Quer dizer, aquilo era um terreno deles, mas eles tinham muitas hipóteses na cidade para construir a sede e escolheram um lugar que estava um pouco abandonado da cidade. Nós já não nos recordámos, mas é um edifício que lançámos antes da crise. A construção dele dura...
SN - Três anos, não é?
MAM - Sim, mais ou menos três anos... será? Sim, algo desse género. Talvez um pouco mais até de três anos. Já não me lembro bem. Eu perco a noção do tempo. Eu e toda a gente...
SN - Eu só sei que ele foi inaugurado em 2015, construiu durante três anos, não é?
MAM - Sim, quer dizer que em 2009/2010 foi feito o lançamento do concurso, não é? Sim, mais ou menos será isso. Mas quando nós olhámos para aquela zona em 2009/2010 era um sítio muito castigado da cidade. A cidade, de forma geral, estava muito castigada. O Mercado da Ribeira não tinha sido recuperado. Aquele edifício que tem muitos cafés na rua D. Luís I, na praça, também não tinha sido recuperado. Os edifícios à volta estavam muito decadentes, havia muito pouca gente, naquela zona...
SN - As próprias ruas e o trânsito, não é?
MAM - Aquilo tornou-se evidente, não é? Foi muito curioso. Foi um edifício que se tornou completamente evidente. Nós, aliás, tivemos uma outra surpresa. Foi quando acabámos a recuperação do Mercado da Ribeira, que eu temi sempre, temi por aqueles promotores, pensei que aquilo ia ser um flop. Não estava a ver quem é que ia para aquele lugar...
SN - A sério?!
MAM - É que nós hoje... esta ideia de que a cidade...
SN - Olhar para trás é fácil, não é?
MAM - Exactamente. Agora tudo parece óbvio, não é? Na altura, penso que correram um risco gigantesco e, na verdade, quando eu tentei lá ir dois dias depois e não encontrei uma mesa... percebi que aquele lugar já estava a mudar e que Lisboa estava, de algum modo, a mudar. Tinha excesso de gente e excesso de pessoas que vinham para a cidade por imensas razões. Havia muitos turistas e havia novos residentes, portanto a cidade ia ter uma nova pressão e uma pressão despreconceituosa. São pessoas que chegam, que escolhem demasiado com base em critérios muito mais realistas como o gosto pelo rio e acha evidente o lugar.
Ou seja, cria critérios que não eram os critérios principais para os habitantes da cidade de Lisboa. A cidade ali começou-se a transformar e é evidente que eu também acho que o edifício da EDP contribuiu, obviamente. O edifício coloca ali 800 pessoas, que trabalham ali todos os dias, a girar por aquela área. Coloca muita gente que também lá vai visitar o edifício durante o dia...
SN - Sim, até porque este edifício. Vocês tiveram esta ambição de não fazerem apenas um edifício de escritórios, mas quiseram fazer também um espaço público. Há, claramente, uma vontade aqui de melhorar não só a vida das pessoas que trabalham neste edifício, mas também dos vizinhos e das pessoas que passam por ali.
MAM - Há uma ideia que é a de estender o valor. O rio é um valor, seguramente, portanto nós abrimos aquela grande praça e dissemos: esta é uma passagem pública. A ideia original – eu até penso que eles ficaram com pouco espaço – era criar na cota térrea restaurantes, cafés... Ou seja, uma animação que funcionasse como uma extensão do Mercado da Ribeira. Disseram que era uma coisa completamente pública. Depois tiveram um espaço e tiveram de fazer umas incubadoras de empresas... Também têm o seu interesse. Está cheio de pessoas que trabalham ali. A ideia era mesmo estender isso. Depois uma ideia muito importante foi a de abrir para poder arejar atrás. É interessante nós pensarmos que ao estarmos a arejar a rua D. Luís I, estamos a abrir uma ligação clara deste edifício que está agora a ser construído pelo arquitecto Alejandro Aravena também para a EDP, atrás, que vai poder usufruir dessa ligação com o rio. Esta ideia de abrir para ligar mais àquilo que é o valor, o valor central parece-nos uma ideia muito clara. E é evidente que é uma ideia em que a cidade precisa de ter estas ligações, não é? Nós esquecemo-nos que a cidade histórica está cheia destas surpresas, que não se esperava.
É evidente que, à partida, quando pensámos que ali iria ser construído um edifício com uma grande empresa, imaginámos que todo o rés-do-chão seria ocupado pela empresa.
SN - Sim, imaginámos sempre um paralelepípedo, não é? Uma coisa estanque.
MAM - Uma fronteira, exactamente. E esta ideia de abrir era uma coisa que tínhamos a necessidade carregada disto. A cidade histórica de Lisboa está carregada disto e nós, contemporaneamente, temo-lo feito pouco. Falo desta questão de oferecer coisas partindo do espaço privado... oferecer condições ao espaço público. Esta coisa dos privados oferecer algo ao público penso que tem uma vantagem óbvia para o público, mas também tem uma vantagem óbvia para o privado porque é evidente que integra muito mais os edifícios no espaço público, que será sempre o espaço principal de uma cidade. Nós estamos neste momento numa condição um pouco rara de limitação de utilização do espaço público por causa desta condição pandémica, nos últimos dois anos. Em tempos normais, o espaço público é sempre um espaço central de uma cidade. De alguma maneira, será sempre esse o elemento fundamental.
SN - Este edifício foi pensado com esta função para ser um edifício de escritórios, mas também havia esta dimensão pública e, ao mesmo tempo, sinto que há sempre uma vontade vossa, nas vossas obras, de responder a uma função e a um tempo. Um tempo que é este, o nosso. Para além disso, existe a preocupação de que as vossas obras possam resistir no tempo, sendo capaz de alterar a sua função e os seus usos. Também houve essa preocupação nesta obra?
MAM - Houve. O edifício começa por ser um edifício completamente flexível, não é? Nós introduzimos pouquíssimas regras. O edifício é muito estreito.
Aquelas torres, aqueles espaços todos têm muita luz natural. Existem todas essas preocupações ecológicas. O edifício, obviamente, tinha de atingir uma classificação ecológica elevada por ser um edifício que representa uma companhia que produz electricidade.
SN - Já agora, deixa-me interrompê-lo. Foi muito curioso porque eu ouvi uma entrevista de uma pessoa ligada aos recursos humanos da EDP que dizia que o edifício tinha luz, durante todo o dia, e por isso sentiam que os trabalhadores tinham mais energia por causa disso. Achei muito curioso esse comentário.
MAM - Há um lado muito positivo, sabe? Quando eles mudaram havia um certo pânico. No fundo, todas as pessoas estavam habituadas a trabalhar em gabinetes. De repente, iam para aquele edifício transparente, com open spaces, onde se via tudo para todo o lado. E, na verdade, foi uma surpresa a reacção. Houve uma adesão completa ao edifício. Desde o princípio que as pessoas quando visitavam o edifício informalmente vinham falar comigo e mostravam reservas. Neste caso, estou a referir-me àquela pessoa que está atrás de um computador a ver gráficos indecifráveis sobre cotações de energia, passando pelos administradores até às pessoas que trabalham na recepção. As pessoas, de um modo geral, aderiram ao edifício porque o edifício, na verdade, é um edifício muito aberto. Quando falamos dessa ideia de resistir interessa-nos esta ideia de que os edifícios sejam facilmente apropriáveis. É isso que transforma a possibilidade de resistirem. Porque uma pessoa agora é aquilo, no outro dia será outra coisa. Aquele edifício é um edifício que tem umas áreas com um tipo de configuração em baixo, que são grandes espaços. São quatro grandes espaços. Um deles é um auditório, os outros três estão divididos.
Aí, uns têm cafetarias, outros têm salas de reuniões e outros têm um espaço de trabalho de outra maneira qualquer, mas são espaços que são grandes espaços que podem ser reconvertidos no que se quiser e, para cima, existem espaços com muita luz, muito abertos e com total flexibilidade quer ao nível técnico, quer ao nível da vivência. E esta ideia de que as vivências são fáceis e são facilmente alteráveis é determinante para fazermos os edifícios resistir. Nós não podemos desenhar edifícios adequados directamente a uma função porque, obviamente, as funções estão sempre a mudar e os edifícios ficam logo desactualizados. Para além disso, um edifício que é muito adequado a qualquer coisa é algo que sacia e nós não gostamos de ser saciados. Nós, humanos, não gostamos de ser saciados. Não tem interesse nenhum fazer edifícios que tenham essa condição de saciar. O que nós temos de oferecer e o que a arquitectura tem de oferecer são espaços que são suportes de vida com uma grande abertura. Nós aqui o que é que poderíamos fazer? Fizemos um edifício que era claríssimo e que tinha uma regra matemática. O edifício é construído com uma regra matemática, que são aquelas lâminas. No fundo, é a mesma lâmina que sobe uma torre, passa em cima, desce, sombreia a praça, sobe outra torre, passa em cima e desce do outro lado.
SN - Acho curioso que estas lâminas, ao mesmo tempo que são estrutura também fazem o sombreamento do edifício. Acho muito interessante como é que conjugaram tudo na mesma...
MAM - Sim. E elas também são infraestrutura.
SN - Ok.
MAM - Elas são tudo. Elas funcionam como tudo. São a métrica do edifício, são a regra que faz o edifício. Aliás, há uma coisa curiosa. O ângulo recto do edifício é curioso porque o ângulo recto num dos edifícios tem 89 graus e no outro tem 91.
Isto é devido à regra. A regra é matemática e é aquilo que dá esse resultado porque a execução ou a condição daquelas colunas começa por permitir um grande aligeiramento da estrutura. Isto acontece porque as colunas são muito repetidas, mas cada uma daquelas colunas suporta lajes em diferentes andares. Eu posso ter uma coluna que suporta o 1, o 3 e o 7, outra o 2, o 4 e o 5, outra o 3, o 2 e o 4 e elas fazem isso para transformar a estrutura numa espécie de estrutura espacial. Ela acaba por ser uma espécie de estrutura espacial, o que a torna muito mais ligeira. E essa estrutura é desenhada como um princípio, não é? Depois a condição do terreno força a sua... ela tem de ser perfeita, não é? É uma estrutura metálica que tem de ser perfeita, daí haver uma espécie de falta de rigor num ângulo recto, que a nós sempre nos divertiu muito e que nunca quisemos acabar. No fundo, começa por ser isso e, a partir daí, pode-se usar tudo, pode-se fazer tudo. A partir desse ponto, o edifício pode ter tudo. E esta ideia para nós é uma ideia que é muito importante. Nós hoje defendemos muito este problema ecológico e uma das principais respostas que a arquitectura tem de dar, nesse sentido, é a resistência. É a resistência que não é só uma resistência física. É também uma resistência programática. Nós já não podemos fazer edifícios que se tornam obsoletos num instante porque a sua função está ultrapassada. Eu tenho sempre um exemplo que vivo intensamente, que é a nossa escola em Mendrisio, na Suíça. A escola tem dois edifícios, onde tradicionalmente se davam aulas. Agora um deles até mudou novamente de função para biblioteca, mas que é um antigo convento, foi convertido em hospital e depois foi convertido em escola. E isto é a história da Europa. A Europa está cheia destes edifícios.
SN - E de Portugal, não é? Também estamos cheios desses edifícios.
MAM - Sim, claro. É um grande legado da arquitectura europeia.
Nós desenhávamos edifícios com esta ideia de que os edifícios poderiam ser infinitamente adaptáveis... mas tem este edifício, não é? Está a ser adaptado e eu sempre dei aulas naquele edifício. Aliás, recusava-me a ir para outro. E agora reconverte-se o bar do outro para ser o nosso atelier, mas o outro é um edifício desenhado para ser uma escola de arquitectura. Ou seja, desenhado para aquela função e, na verdade, nem para aquela função serve. A pessoa não quer que lhe digam como é que ela quer viver. A pessoa precisa de um espaço do qual tenha liberdade de usar. Penso que esta é uma condição muito importante e, inclusive, para a nossa luta ecológica. Nós temos de desenhar edifícios que sejam resistentes do ponto de vista quer físico, quer programático. Nós não podemos só falar do custo da energia da construção do edifício. Temos de falar do custo da energia da construção do edifício versus o seu tempo. Quando eu penso num edifício que já foi tudo e que dura há 800 anos, o seu custo energético é zero. Já houve tempos em que isso não era sequer um problema, não é?
SN - Não existe maior resposta à sustentabilidade do que essa, não é?
MAM - É. E isto é importante porque nós estamos sempre a colocar os problemas ecológicos na ordem da engenharia, não é? Se o edifício produz energia, se não produz energia... é evidente que são questões importantes sobre as quais temos de reflectir. Tem de se integrar qual é a pegada que o edifício cria, qual a distância para irmos buscar os materiais. Todas essas questões são importantes, mas há uma responsabilidade que é exclusivamente da arquitectura, que é a resistência tipológica do edifício. Ou seja a sua abertura, a possibilidade de uso e da liberdade do seu uso – esta é uma condição do nosso tempo e essencial para o nosso tempo.
SN - Manuel, o que é que este projecto da sede da EDP lhe ensinou sobre a Arquitectura, que ainda não sabia?
MAM - Todos os projectos me ensinam imenso. Uma coisa que eu gosto é que eu aprendo todos os dias com tudo. E tenho sempre a sensação de que, na verdade, havia imensas coisas que eu não sabia. Neste edifício, especificamente, eu lembro-me de termos essa discussão... aqui foi a primeira vez que fizemos uma pormenorização completamente diferente, não é? É um programa completamente diferente para nós. Estávamos a fazer uma sede corporativa de uma empresa, mas, no fundo, trata-se de um grande edifício de escritórios, que é o que é uma sede corporativa de uma empresa. Nesse contexto, tivemos de usar um tipo de pormenorização muito diferente, uma standardização muito diferente da que tínhamos. Imagine o que é que é desenhar um nó, uma rótula de uma janela que é repetida... o número de vezes que é repetida podemos dizer que é repetida ao infinito, não é? Ou a maneira como se encaixa qualquer coisa, a maneira como se fixam os painéis, a maneira como... tudo era mais ou menos repetido ao infinito. Havia uma ideia de seriação no edifício necessária que era muito diferente. Para além disso, nós também queríamos construir o edifício. O edifício é construído em betão. Ele era todo em betão branco para baixo, depois tivemos que... houve dois aspectos que fizeram subir o custo do edifício: um deles foi descobrirmos os solos inquinados e o outro foi descobrirmos vestígios arqueológicos, que tiveram de ser tratados. Como nós tivemos de encurtar o custo para responder a estas duas alterações do projecto...
SN - A essas duas surpresas.
MAM - Exacto. Por exemplo... porque o edifício era todo construído em betão branco para baixo, incluindo as garagens. Depois deixámos de ter o betão branco nas garagens e passou a ser o betão cinzento nas garagens.
Havia betão branco nos tais dois pisos, nos pisos públicos abaixo da cota de terra e depois a estrutura a partir daí é toda metálica. Nós também nunca tínhamos feito um edifício metálico. Trata-se de uma construção completamente diferente. É construído tudo em aço e depois foi fechado, foi revestido a seco, que é uma condição quase entre a construção metálica e a pré-fabricação na construção daquele edifício. Na verdade, o edifício demorou imenso tempo a ser construído para baixo. É um tempo infinito.
SN - Foi mais rápido para os pisos superiores?
MAM - Não, em todos os dias via-se aquilo crescer. Era assustador ver...
SN - A rapidez.
MAM - Sim, no fundo, foi uma estrutura de aço que foi montada rapidissimamente. Para cima tem só os núcleos, por questões sísmicas. Isto é, os núcleos, os elevadores dos acessos, que são quatro núcleos que vêm em betão. O resto é tudo uma construção metálica muito filigránica, que é a tal construção que tem um cálculo que procura uma certa condição tridimensional ou espacial para aligeirá-la. Imagine o que é construir um edifício com aquela altura, que tem quase 40 metros e em que as colunas devem ter 7 por 20 cm, ou algo desse género. Aquilo é mesmo uma coisa verdadeiramente filigránica. Depois o edifício... no fundo, é construído com esta estrutura. Metem-se vidros e metem-se aquelas protecções que servem para tudo. Servem para fechar vidros, servem para proteger tudo... para conduzir cabos e fecham tudo isso. Mas é sobretudo uma espécie de montagem pré-fabricada contra o edifício. Nós aprendemos imenso sobre essa condição porque nunca tínhamos feito com esta dimensão.
Tínhamos feito na Expo um edifício em que construíamos as fachadas todas completas fora e depois eram levantadas contra o edifício e montadas de uma só vez. Tínhamos montado três pisos de uma só vez, mas nunca tínhamos feito a pré-fabricação.
SN - Sim, teve de haver uma sistematização muito grande, não é?
MAM - É essa a maior diferença e depois trata-se de um edifício que tem algumas bizarrias como aquelas ligações que unem o rés-do-chão ao primeiro andar, que fazem simetricamente as entradas no edifício porque aquilo era um edifício que também tinha uma grelha de 1,20 metro. Na grelha de 1 metro e 20 não passa um carro e não passam pessoas. Isto é, pessoas àquela escala. Portanto, o edifício tem de se levantar cruzando estes dois vasos para poder fazer entrar os carros e para poder fazer sair os carros, de um lado e do outro, e fazer entrar as pessoas naquelas diagonais para dentro da praça. Porém essas bizarrias ou esses lugares particulares do desenho obrigavam... e depois como é que se fazia esse desenho de seguir esta sistematização foi um desafio muito interessante.
SN - Já agora, houve um trabalho muito próximo com a equipa de engenheiros porque aparece com muitos desafios técnicos, não é?
MAM - Isso é quase mal-educado não o referir desde o princípio, não é? Isto era feito com o Rui Furtado e com a AFAconsult, que é uma equipa com quem nós trabalhámos talvez nos nossos projectos que necessitam de uma maior integração. São projectos mais complexos que necessitam de uma maior integração. Temos este aqui e temos um outro projecto que estamos agora a terminar e que também é muito complexo que é o museu de Lausanne (Museu do Design e Artes Aplicadas Contemporâneas, MUDAC, e Museu da Fotografia, L" Elysée).
Esse duplo museu de Design de Fotografia, em Lausanne, e que obviamente são edifícios que têm de começar logo acompanhados pelo cálculo. Nós trabalhámos isto com a AFAconsult e com o Rui Furtado e, desde o princípio, integrou-se tudo. Aliás, foi muito divertido. Nós tivemos que desenhar todos os tectos da EDP. Eles são tão apertados em termos de infraestruturas que tiveram de ser todos desenhados tridimensionalmente para perceber como é que se podiam montar todas as infraestruturas e fazê-las caber dentro daquele chão tecto porque aquilo tem uma estrutura que tem toda a altura disponível, mas que suporta... o chão corta fogo, depois suporta acima o chão falso para podermos andar a passar com todas as redes eléctricas e de comunicações pelo chão e depois abaixo deixa ainda um espaço para meter tudo o que é ventilações e iluminação no piso, no tecto falso. São umas lajes muito complexas, com muito pouco espaço... passa a estrutura e depois passam todas as infraestruturas ali no meio e tivemos de as desenhar tridimensionalmente. Isso foi muito divertido e também obrigava a essa integração de equipas com uma grande capacidade de incluir todas as condições. E nós trabalhámos desde o princípio aqui, mano a mano com os engenheiros. Mesmo assim, posso dizer que nós trabalhámos de uma forma geral sempre muito.
SN - Muito próximos.
MAM - Com toda a gente porque a optimização das coisas obriga a esse trabalho. E também há uma condição muito interessante que é a introdução das necessidades e condições técnicas que nos permitem desenvolver os projectos, não é? Os projectos chegam a uma certa altura... e esse choque com a necessidade de tornar real, de introduzir todos os factores técnicos, os factores económicos... os factores reais dão-lhe um interesse muito maior. Para nós isso sempre foi uma condição importante para percebermos de que maneira é que poderíamos montar condições num projecto como este.
Isso trabalhámos sempre... nestes que são muito complexos... obviamente que trabalhámos desde o princípio. Trata-se de um projecto com uma estrutura muito ambiciosa, com umas redes muito difíceis de integrar, mas também ao mesmo tempo uma vontade muito grande de ter um grande desempenho energético no edifício, que era um dos pontos de partida do projecto. Aliás, o projecto – devo dizer que aí a EDP foi muito inteligente – tinha um programa de concurso muito curto. Pedia muitas poucas coisas.
SN - Ok.
MAM - Davam uma quantificação de quadros de pessoas que trabalhavam, davam alguns elementos programáticos mínimos de coisas que queriam. Um dos poucos elementos onde havia uma grande insistência era na condição ecológica. Isso para nós foi desde o princípio... para eles era determinante, para nós obviamente também o foi.
SN - Certo.
MAM - Devo dizer que esse programa, nesse sentido, também era muito inteligentemente pautado porque permitia uma grande liberdade. Ou seja, uma grande capacidade de reflectir sobre muitas questões para se chegar ao projecto, à resposta que nós queremos dar.
SN - Arquitecto Manuel, muito obrigada por partilhar connosco estas histórias do projecto e também as histórias sobre a cidade de Lisboa. Aprendemos muito sobre a cidade de Lisboa hoje. Obrigada por nos fazer lembrar sobre esta importância dos edifícios serem pensados para resistir, ao longo do tempo, para com eles também construirmos o futuro.
MAM - Muito obrigado eu. E até breve!
Nota do editor: A transcrição da entrevista foi disponibilizada por Sara Nunes e segue o antigo acordo ortográfico de Portugal.