Arquitetura e saúde mental: entrevista com Atelier do Corvo

No País dos Arquitectos é um podcast criado por Sara Nunes, responsável também pela produtora de filmes de arquitetura Building Pictures, que tem como objetivo conhecer os profissionais, os projetos e as histórias por trás da arquitetura portuguesa contemporânea de referência. Com pouco mais de 10 milhões de habitantes, Portugal é um país muito instigante em relação a este campo profissional, e sua produção arquitetônica não faz jus à escala populacional ou territorial.

No primeiro episódio da terceira temporada Sara conversa com os arquitetos Carlos Antunes e Désirée Pedro, do Atelier do Corvo, sobre o projeto para a Casa de Saúde Rainha Santa Isabel em Condeixa-a-Nova. Ouça a entrevista completa e leia parte da transcrição da conversa, a seguir:

Sara Nunes - O projecto sobre o qual vamos falar hoje é um edifício ligado à saúde, em particular à saúde mental, que é um tema que nos últimos dois anos se tem falado muito por causa da pandemia. Pode a arquitectura promover a saúde mental? Consideram que a arquitectura tem este poder curativo, Carlos?

Carlos Antunes - Esta é uma conversa que temos diariamente. Ainda ontem, conversávamos a esse respeito, a propósito da dimensão salvífica da arquitectura. Eu penso que é preciso relativizar a capacidade da arquitectura transformar o mundo. Como em todas as disciplinas, o mundo é cada vez mais complexo e cada um de nós contribui. Ninguém, por si só, tem essa capacidade de transformar o mundo, no sentido de o tornar num lugar radicalmente melhor, mas cada um de nós deve, de facto, cumprir o seu parco papel, que é entendido como um sistema e é de uma enorme importância. É como o elo de uma cadeia, que não pode ser interrompida, nessa pequena escala, e que é fundamental para o funcionamento do sistema total – é assim que eu vejo a arquitectura.

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© Rita Caniceiro

Para além disso, há questões que têm a ver com níveis da capacidade de entendimento perceptiva da arquitectura. Ou seja, é aquilo a que nós podemos denominar, genericamente, como literacia espacial. Essa experiência é uma experiência extraordinária. Nós vivemos num contexto muito pouco habituado a uma reflexão culta da arquitectura, como sabe. A nossa experiência é uma experiência sobre esse ponto de vista e é muito divertida. Ontem, tivemos uma reunião, a propósito de um possível convite para fazer uma obra local. Os arquitectos locais são pessoas que fazem o seu melhor, mas de facto não abundam grandes ateliers de arquitectura. Ou, pelo menos, com capacidade de respostas contundentes àquilo que eu considero que deva ser o exercício da arquitectura.

Então, de uma lista de arquitectos locais e de projectistas locais, onde grande parte deles são, até, engenheiros... nesse possível convite para o concurso, que se estava a fazer, foi discutido, na assembleia desta associação, que talvez o Atelier do Corvo não reunisse as condições para fazer o projecto. O que nos deu imensa vontade de rir porque os nossos pares são engenheiros que fazem vivendas, mas eles consideraram que nós não tínhamos capacidade. Devemos reflectir acerca do que estamos a falar. As pessoas olham para nós como alguém que faz uns projectos e pensam que, se calhar, não somos precisos para fazer um armazém. Até posso dizer mais. É uma obra para os bombeiros locais. Há todo um mundo que se abre nesta discussão que tem a ver com a forma como cada um de nós entende a arquitectura, a partir dos pressupostos daquilo que cada um considera ser a arquitectura.

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© Rita Caniceiro

Portanto, o que eu considero fundamental, para fechar esta resposta é que haja um processo de literacia espacial, que deve começar muito cedo para que questões desta natureza nem sequer se venham a colocar. Quando se equaciona a possibilidade de o Atelier do Corvo não ter a capacidade para desenhar um pequeno edifício para os bombeiros, mas considera-se que um engenheiro local, que faz vivendas, já tem essa capacidade... Eu penso que há muito caminho para andar para trás. Há muito caminho que ficou por trilhar e, se calhar, esta é a questão essencial da sua pergunta.

SN - E, já agora para quem nos está a ouvir, não estamos a falar de um atelier recente. O Atelier do Corvo, se não estou enganada, tem mais de 20 anos de experiência.

CA - 25 anos.

SN - Não estamos a falar de uns miúdos, que aprenderam agora a fazer edifícios. Outra questão: fala-se, muitas vezes, que os edifícios ligados à Saúde são espaços frios e que não permitem esta conexão entre as pessoas. Gostava de saber se concordam e, se sim, de que forma quiseram contornar essa frieza com a vossa intervenção, Désirée. 

Désirée Pedro - Sim, isso foi um dos pressupostos do projecto. Quisemos afastar o estigma da saúde mental e a céptica porque muitas destas pessoas vão viver muito tempo nestes espaços. O edifício vai passar a ser a sua casa, a sua cidade porque é um edifício que tem tantas valências que vai desde o quarto, às salas, aos consultórios, aos refeitórios, às zonas de fisioterapia... portanto, a sua vida consegue ser feita ali. 

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© Rita Caniceiro

Reveja, também, as entrevistas já publicadas do podcast No País dos Arquitectos:

Nota do editor: A transcrição da entrevista foi disponibilizada por Sara Nunes e segue o antigo acordo ortográfico de Portugal.

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Sobre este autor
Cita: Romullo Baratto. "Arquitetura e saúde mental: entrevista com Atelier do Corvo" 26 Fev 2022. ArchDaily Brasil. Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/976540/arquitetura-e-saude-mental-entrevista-com-atelier-do-corvo> ISSN 0719-8906

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