Elaborar espaços que sejam confortáveis e seguros para toda a população passa pela necessidade de que esses espaços sejam pensados por pessoas diversas. Uma cidade que acolha cidadãs negras e cidadãos negros é uma cidade melhor para todos. O Betoneira Podcast convidou a arquiteta e urbanista Gabriela de Matos para falar sobre a importância de evidenciar, enaltecer e estimular a participação de mulheres e pessoas negras nos projetos das cidades para uma discussão mais democrática sobre a organização dos territórios urbanos.
Essa falta de visibilidade, esse apagamento que a gente tem na arquitetura e em todos os campos de conhecimento, que faz com que pessoas negras sintam que não pertencem a esses espaços, também passam uma ideia de que às vezes a gente é o único mesmo.
Diante dessa realidade, Gabriela idealizou o projeto Arquitetas Negras, que mapeia a produção de arquitetas negras brasileiras e pesquisa o racismo estrutural e suas influências no planejamento urbano. Desde 2018 ela vem reunindo nomes de profissionais da área e hoje o projeto já contabiliza 700 arquitetas negras mapeadas e tem um livro publicado, o Arquitetas Negras Vol I.
Eu não acho que o racismo estrutural apenas influencie o planejamento das cidades, eu acredito que a cidade seja produzida a partir do racismo estrutural.
Com esta afirmação, Gabriela reforça que não há como dissociar uma coisa da outra ao pensarmos na história da configuração das nossas cidades. O planejamento parte de uma desigualdade racial, privilegiando os lugares da branquitude e retirando a cidadania e a dignidade dos espaços ocupados pela população negra e pobre.
Isso é histórico. A gente sabe que hoje não estamos vivendo nenhuma novidade em termos de crise urbana. Não tem uma crise por conta da pandemia de Covid-19, a gente tem um agravamento, uma constatação de que as coisas sempre foram pensadas dessa forma.
Gabriela também comenta sobre seu cargo como vice-presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil de São Paulo (IABsp), sobre Francis Kéré, o primeiro negro e africano a receber o prêmio Pritzker, e sobre seus trabalhos mais recentes, como a expografia da mostra Coleção MAR + Enciclopédia Negra, em cartaz no Museu de Arte do Rio, e o programa Desapegue se for capaz, no ar pelo canal GNT.
Eu considero um privilégio poder potencializar o meu discurso nesses espaços, como o programa do GNT, porque não é nada que eu já não esteja falando há algum tempo. Que bom que agora eu posso falar em plataformas com essa visibilidade, porque eu acho que o ganho é muito maior não só para eu me conectar com essas pessoas, mas também para as pessoas se conectarem com a arquitetura. Esse distanciamento, criado há muitos anos, não beneficia o público, porque cria uma noção de que nós somos pessoas inacessíveis, e também não é benéfico para nós arquitetos, primeiro porque restringe o nosso trabalho, depois porque deixa essa crítica em bolhas.