- Área: 140 m²
- Ano: 2021
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Fotografias:Jeroen Verrecht
Texto por Aslı Çiçek. Em Grez-Doiceau, Philippe Vander Maren e Richard Venlet projetaram uma casa com diversos elementos minuciosos aos detalhes da arquitetura e ainda conseguiram evitar seu exagero. Decisões precisas sobre os volumes arquitetônicos, aplicados a uma organização espacial pragmática, resultando em uma complexidade impressionante.
Uma boa arquitetura tem o poder de criar condições espaciais específicas para as funções mais banais da vida cotidiana. Este é o ponto onde o ato de construir se torna a arte de construir. Comprar pode se tornar mais do que comprar bens, os anos na escola podem se tornar memórias ligadas à experiência espacial e comer uma refeição deliciosa pode ser prazeroso. Em uma casa, a rotina pode ser igualmente coreografada e afetar o modo de vida, indo muito mais longe do que apenas ter um teto acima da cabeça. Por outro lado, todas essas experiências podem ser prejudicadas por uma configuração arquitetônica séria, que impõe intervenções exageradas no ato de viver.
A Casa M, uma colaboração arquitetônica entre Philippe Van der Maren (arquiteto) e Richard Venlet (artista), é um projeto, que presta muita atenção aos elementos da arquitetura e ainda consegue evitar seu exagero. Não é a primeira vez que Vander Maren e Venlet trabalham juntos e alcançam esta qualidade, porém as colaborações anteriores foram reformas de casas já existentes. Nessas construções, eles sempre encontraram algo a que reagir e fizeram intervenções contrastantes com base nas existentes. A Casa M ofereceu um caso diferente por ser um edifício novo, cercado por nada mais do que bosques.
Vander Maren e Venlet sentiram logo no início do processo que a busca de contraste não seria necessária. Eles conceberam um projeto com diversos materiais e decisões precisas e o aplicaram a uma organização espacial pragmática. No entanto, sua precisão compartilhada na combinação de elementos arquitetônicos faz com que a planta simples da casa alcance uma complexidade impressionante na terceira dimensão.
O projeto fica em um terreno inclinado com muitas árvores. Apenas um telhado é visível da estrada que leva à casa, que se estende sobre uma caixa de vidro sobre um volume de tijolos, e a escada seguindo a encosta. Ao olhar mais de perto, a caixa de vidro se revela mais como uma vitrine sobre uma base de tijolos. As paredes desta base atravessam a fachada de vidro do pavimento superior transparente, e o tijolo continua horizontalmente, cobrindo exatamente metade da superfície total do piso, subindo também ao longo da única coluna de aço em forma de cruz do espaço aberto. A outra metade deste pavimento tem piso de concreto, o mesmo material percorre o teto sobre toda a superfície. As janelas do piso ao teto não revelam caixilhos horizontais, nos cantos as placas de vidro se encontram sem um perfil vertical que permita a integração com o exterior.
A Casa M recorda muitas qualidades das casas de vidro transparente e modernista ambientadas na natureza. Inevitavelmente, a coluna em forma de cruz na planta remete a coluna de Mies van der Rohe. O piso inferior de tijolos lembra a Brick House de Philip John- filho, o irmão silencioso da Glass House, e abriga os quartos de hóspedes e a área técnica do volume transparente, posicionado a 25 metros dela. Na Casa M, entretanto, os espaços auxiliares no volume maciço são literalmente parte da casa, deixando o tijolo permear a sala de estar.
O pilar em forma de cruz também se distancia da coluna de Mies, pois é envolto no tijolo grosso e cresce da base de alvenaria. Vander Maren e Venlet reconfiguram referências modernistas e libertam a arquitetura da Casa M do peso de elementos icônicos. Eles usam cada componente que projetaram para a casa como uma cenografia para a vida doméstica que se relaciona com a natureza ao redor, bem como com ela mesma. Mas não há uma sobrecarga de materiais ou gestos, ao contrário, apenas cinco materiais presentes recorrentemente, que assumem diferentes funções.
No entanto, as consequências mais interessantes da colaboração de Vander Maren e Venlet talvez se encontrem nas composições precisas feitas para cada plano do volume arquitetônico: as fachadas com cantos de vidro sobre o vidro do pavimento superior transformam as árvores do jardim em papel de parede para o interior. Já a fachada de tijolos se transforma em um tapete para a sala de estar, até mesmo a cobertura do lado de fora, que acolhe na chegada, oferece uma configuração feita com volumes circulares de claraboias e poços, completados com um círculo um pouco maior e baixo que armazena a água da chuva: um convite aos pássaros para matar a sede.
Se, por um momento, a vida cotidiana pudesse ser vista como uma peça de teatro e uma casa como sua cenografia, a Casa M seria o cenário perfeito para encenar essa peça. Em uma boa cenografia cada elemento do palco tem uma função, seja prática ou narrativa, a luz é direcionada nos momentos certos para os pontos relevantes, tudo se relaciona com o contexto da história, e as coisas fluem umas para as outras e cada momento da narrativa é apoiado por elementos espaciais. Os atores utilizam o palco de forma evidente, a cenografia atende à peça e ainda assim tem sua própria dignidade e características. Neste sentido, a Casa M é um palco meticulosamente composto, sereno para a vida doméstica, cercado pela natureza e convidando seus atores a habitar.
