Estúdio 41 é um nome frequentemente visto em listas de vencedores de concursos de projetos pelo Brasil. Sediado em Curitiba, é um escritório de arquitetura criado pela colaboração entre arquitetos formados na UFPR, e que tem investido energia em desenvolver propostas para concorrências, onde questionamentos, experimentações e inovações encontram terreno fértil. O que impressiona é que a equipe formada por João Gabriel Rosa, Martin Kaufer Goic, Eron Costin, Emerson Vidigal e Fabio Henrique Faria tenha um índice de sucesso expressivo, com obras como a Estação Antártica e a Sede da Fecomércio já construídas.
Nesta entrevista, tivemos a oportunidade de conversar com eles sobre sua obra, algumas das suas estratégias projetuais, suas preocupações com a profissão e o planeta, bem como sua primeira oportunidade de trabalho com a iniciativa privada, a Galeria Laguna, um edifício já construído, localizado na capital paranaense, lugar onde a entrevista ocorreu.
Romullo Baratto (ArchDaily): Vocês têm projetos bastante reconhecidos, desenvolvidos para o setor público. Este aqui, a Galeria da construtora Laguna, é seu primeiro projeto construído para a iniciativa privada. Quais as principais diferenças no desenvolvimento de projetos para iniciativa privada e pública?
Emerson Vidigal: Estamos muito habituados a atender o poder público através de concursos e a primeira diferença é que no concurso não conversamos com os clientes, apenas através do edital. Quando trabalhamos com a iniciativa privada, por outro lado, conversamos diretamente com o cliente, que nos informa suas necessidades, o programa desejado, além de podermos também visitar o terreno. A diferença fundamental é essa, no mercado privado há a oportunidade de se aproximar do cliente antes de entregar o estudo preliminar. Já no concurso é diferente, após escolhido o vencedor, o cliente muitas vezes altera a proposta original. Com a Laguna, construímos a proposta juntos desde o início.
RB: Essa experiência foi positiva?
EV: Foi boa porque eles são bons clientes, empenhados e interessados em entender o que estávamos propondo. Ajudaram a manter o partido forte na etapa de projeto executivo. Começamos com o pé direito. Inclusive, este não é apenas nosso primeiro cliente do mercado imobiliário, é também nosso primeiro cliente em Curitiba. Somos conhecidos por fazer projetos para concursos, mas todos fora da cidade.
João Gabriel Rosa: Para além da participação mais ativa do cliente, o processo de criação e a metodologia de trabalho dentro do escritório não mudaram muito. Como estamos muito acostumados a fazer projetos para concursos, isso que o Emerson disse sobre acertar na proposta já de início, talvez se deva ao fato de dedicarmos muita atenção ao estudo preliminar — algo com o que o mercado imobiliário não está muito acostumado. Nesse sentido, não houve muita dificuldade para nós.
No entanto, a velocidade do desenvolvimento após o estudo preliminar é bem diferente. Por exemplo, houve uma fase de testes para decidirmos o material da fachada, que durou cerca de três meses. Essas decisões técnicas são mais próximas quando lidamos com o mercado privado.
Eduardo Souza (ArchDaily): Ainda sobre o material da fachada, o que fez vocês optarem pelo uso do policarbonato?
JG: O terreno tem uma forma longilínea e os limites laterais não oferecem vistas muito interessantes. Além disso, o programa previa espaços para construir apartamentos decorados para o mercado imobiliário, ou seja, mudaria constantemente. Assim, buscamos um material que fosse externamente uniforme sem a necessidade de estabelecer relações visuais com o entorno. O policarbonato foi uma boa opção pois cria uma atmosfera um pouco mais contida nas áreas internas, direcionando a atenção dos visitantes aos produtos da Laguna, ao mesmo tempo que rende ao edifício um aspecto distinto de seu contexto urbano, estabelecendo contraste entre o entorno caótico e sua volumetria austera.
EV: Quando desenvolvíamos o projeto, em determinado momento alguém apresentou uma imagem de um espaço iluminado por uma luz filtrada, suave e indireta. O policarbonato e o vidro foram meios que encontramos para criar essa atmosfera. E, como o João estava falando, partimos do entendimento do entorno, do contexto no qual a galeria está inserida, para chegar no material.
Martin Kaufer Goic: Buscamos oferecer uma iluminação distinta daquela do entorno, e por isso não há aberturas na fachada. Apenas no subsolo, onde a transparência possibilita a relação com o jardim externo.
RB: A Laguna é conhecida por projetos com certificações, como LEED e Well. Vocês já sabiam de partida que o edifício que vocês iriam projetar precisaria alcançar estas certificações?
EV: Sim, estava dado desde o início.
RB: E que implicações isso trouxe ao processo de projeto do escritório?
EV: Um outro dado estabelecido de partida era que a Laguna queria que este edifício fosse industrializado, a princípio com estrutura de concreto pré-fabricado, que eles já tinham à disposição. Também queriam inaugurar a Galeria em um curto período de tempo. Esses dados pareciam conversar com a necessidade de alcançar as certificações, e isso permeou o processo de projeto, das discussões às maquetes produzidas, buscando sempre um alto grau de industrialização dos componentes.
Com isso, temos eficiência construtiva, menos desperdício de material no canteiro de obras, e, ao mesmo tempo, do ponto de vista da certificação, mostramos bom uso dos recursos do planeta. A preocupação com a eficiência energética, reuso da água, qualidade do ar, acústica esteve presente desde o início e fez parte do processo de trabalho.
Mas, não sei se isso representou uma dificuldade para nós, porque outros projetos, como a Sede da Fecomércio e a Estação Antártica Comandante Ferraz, também lidavam com essas questões. A Fecomércio, por exemplo, tem certificação AQUA-HQE™, e a Estação, por sua vez, precisava ser completamente autossuficiente devido às condições onde se encontra. Essas eram questões com as quais já estávamos acostumados a trabalhar. A diferença é que neste projeto trabalhamos desde o início com a consultoria da certificação, que acompanhou todo o processo.
RB: Poderiam falar um pouco mais sobre as estratégias projetuais nesse e em outros edifícios que levam em conta a sustentabilidade não apenas do ponto de vista da eficiência, mas entendida num sentido mais amplo considerando recursos e aspectos sociais?
EV: A decisão do arquiteto sempre terá desdobramentos para a sociedade, seja na escolha do material ou na estratégia de implantação. Qualquer intenção de projeto terá uma responsabilidade também no âmbito social.
Já conversamos, entre os sócios, sobre o termo sustentabilidade e seu significado, e em algumas apresentações o substituímos por responsabilidade, pois sustentabilidade pode ser às vezes uma armadilha que leva a crer que se tivermos uma boa nota no LEED ou no AQUA-HQE™ o projeto será necessariamente bom. É uma armadilha quando o termo é esvaziado de significado, tornando-se apenas discurso de mercado — um selo que você quer agregar para vender mais, um rótulo que você quer colocar para conseguir mais lucro.
Não quero debater se isso é certo ou errado, mas penso que há um componente ético: você, enquanto arquiteto, deve estar à altura daquilo que está propondo como solução. Deve ser consciente da responsabilidade daquele processo. Não me recordo bem, mas acho que foi o Souto de Moura que disse que toda boa arquitetura, se olharmos para a história, tem componentes de sustentabilidade muito fortes. Ela busca materiais de construção perto do sítio, posiciona a construção segundo a melhor orientação solar, abre as janelas para ventilar, leva em consideração a força de trabalho envolvida. A discussão é mais ampla do que apenas rotular.
JGR: Os gestos que não necessariamente têm a ver com certificações — como recuar o edifício um pouco mais do que é necessário para alinhar com uma casa histórica ao lado, criar uma pequena praça próxima ao passeio, ou uma entrada de luz para o subsolo — dizem respeito a essa responsabilidade para com aquilo que já existe, o contexto, mas também as tecnologias. Para nós essas coisas se misturam.
Quando pensamos na responsabilidade em relação ao consumo de materiais, a questão da pré-fabricação está muito presente. Há os gestos de projeto, claro, como a proteção solar ou a implantação, mas, em si, a pré-fabricação já levanta muitas questões de sustentabilidade. Ela implica também a relação com a mão de obra, que pode trabalhar com condições mais adequadas, e também o desperdício de materiais.
No geral, penso que a austeridade dos nossos projetos tem mais a ver com isso: ser um pouco mais contido pensando no legado que vamos deixar e a quantidade de recursos que vamos consumir. Tem mais a ver com isso do que apenas a estética.
RB: Curioso que o vocês nomearam de responsabilidade a gente vê muito por aí sendo chamado de gentileza urbana, mas eu acho pertinente o termo que vocês usam porque ele implica em um necessário rigor à prática. Ainda sobre responsabilidade, então, queria saber a opinião de vocês sobre a responsabilidade dos arquitetos para um futuro possível, tendo em vista questões como recursos limitados no planeta e crise ambiental.
EV: Por mais diversa que seja a escala, uma metrópole, um prédio como esse ou outros projetos que a gente tenha feito, há sempre algo ordenando o pensamento e a prática, que é justamente como fazer para viver melhor e para que a gente não acabe com o planeta, exaurindo seus recursos. Essa é, talvez, a grande questão do nosso tempo e das próximas gerações.
Basta não fechar os olhos, abrir a mente para isso e não agir com uma postura negacionista. Assim, enquanto arquiteto, você acabará fazendo essas escolhas de uma forma consciente e responsável. Entenderá seu papel e, sobretudo, entenderá que essas são questões da humanidade. Como falei, por menor que seja o objeto: desenhar um banco ou qualquer coisa assim, há responsabilidade na intenção, na materialidade, na fonte dos recursos e na energia gasta para produzir. Por mais que não pensemos o tempo todo nisso quando estamos desenhando, essas preocupações estão lá como se fosse uma luz de alerta que nos obriga a ficar atento.
Fabio Henrique Faria: Buscamos sempre projetar um edifício eficiente, com escolhas de materiais que garantam performance e não demandem muitos recursos ao longo do tempo. Mas, além disso, não se trata apenas do edifício, mas de tudo o que já foi gasto e investido de energia para produzir os materiais que vão compor esse edifício. A pergunta que você colocou vai além do exercício da arquitetura, ela diz mais sobre o que a gente faz como ser humano no nosso dia a dia. Desde a sacolinha do supermercado ao veículo que utilizamos. É uma pergunta muito abrangente, muito aberta, pode resultar em diversas interpretações e diversas respostas, e acho que estamos aprendendo.
JGR: A cidade é cheia de oportunidades e a nossa profissão implica necessariamente em consumo de recursos. A gente vai estar sempre consumindo recursos para construir e colocar de pé ideias que tenham uma função. Acho que o que não podemos fazer é desperdiçar as oportunidades. Cada oportunidade desperdiçada é um recurso que foi consumido e já foi, já era. Então, a responsabilidade de se projetar também tem a ver com isso: todo projeto é uma boa oportunidade e temos que fazer valer.
Em questões práticas, pensando em recursos, as próprias certificações exigem um consumo de material maior. Por determinado motivo você precisa trocar uma esquadria de vidro simples por vidro insulado, por exemplo. De certa forma é um paradoxo: para conseguir uma certificação, um selo, você tem que consumir mais recursos com um componente específico.
MKG: Estamos o tempo todo questionando a pertinência das coisas que propomos. A austeridade dos nossos projetos tem um pouco a ver com essa vontade de que cada ação projetual nossa faça muito sentido. Queremos sempre, com a resposta mais simples e singela, atender a um problema. E aí, se essa construção cumprir um papel importante para a sociedade, talvez ela esteja justificada. Toda arquitetura boa sempre se preocupou com isso, mas, com certeza, isso ganhou relevância nos últimos anos.
A entrevista foi realizada na Galeria Laguna durante a inauguração do edifício em 22 de setembro de 2022. O ArchDaily agradece a Construtora Laguna, que levou os editores ao evento em Curitiba.