"Um poeta do vago que projeta com engenhosa exatidão." Foi assim que a arquiteta e curadora Marta Bogéa descreveu Gustavo Utrabo em seu ensaio publicado na edição 207 da revista espanhola El Croquis. Famosa pelas caprichosas monografias de escritórios de renome mundo afora, foi a primeira vez que seu editorial lançou luz sobre um profissional brasileiro. Este não é, porém, o único reconhecimento internacional que Utrabo guarda no currículo: entre outros, suas Moradias Infantis em Canuanã, — desenvolvidas em parceria com Marcelo Rosembaum enquanto ainda era sócio da firma Aleph Zero, junto a Pedro Duschenes — venceram o Prêmio RIBA 2018 e foram incluídas na lista das 25 melhores obras de arquitetura do século XXI elaborada pelo jornal britânico The Guardian.
Com uma equipe enxuta e projetos em várias escalas, de instalações em praças a complexos multiusos de milhares de metros quadrados de área construída, Utrabo se mantém fiel a uma prática pautada pela experimentação com maquetes físicas e por uma proposital imprecisão. No lugar do traço a lápis que, pela sobreposição, pouco a pouco ganha contorno preciso, manchas de aquarela oferecem a incerteza desejada no início do projeto e, como uma névoa que se desfaz aos poucos, acabam gradativamente revelando formas mais definidas. "O processo de trabalho começa, de fato, muito vago", diz o arquiteto sobre os momentos iniciais do projeto, "são quase sentimentos e apreensões sobre algumas questões que começam na forma de pinturas e desenhos que vão se transformando nesses modelos de realidade que carregam consigo uma materialidade", conclui.
Esta materialidade não é arbitrária. Traz consigo reflexões não só de ordem técnica —custos, eficiência, sustentabilidade ambiental — mas sobretudo cultural. O contexto, entendido num sentido amplo que abrange geografia, clima, terreno e tradição local, tem papel fundamental nessas decisões e não raro reflete formalmente no projeto. É o caso de quando o arquiteto constrói de cima para baixo, isto é, a cobertura antes das paredes, oferecendo aos trabalhadores abrigo contra o tempo. Esta inversão, além de poupar a equipe de construção do sol escaldante, tem inspiração na oca indígena — uma arquitetura que é só cobertura, sombra e luz.
Utrabo se formou e iniciou sua carreira em Curitiba e, por melhores oportunidades profissionais, mudou-se para São Paulo. Sua prática, contudo, não se limita a estes estados. Suas obras mais conhecidas se localizam em áreas bastante distantes dos grandes centros urbanos brasileiros: as Moradias em Canuanã, as Coberturas do Xingu e a Moradia Infantil em Bodoquena marcam, respectivamente, sua atuação nos estados de Tocantins, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul.
Em 2021, Utrabo foi convidado pelo Illinois Institute of Technology a ocupar a cadeira de professor visitante no curso de arquitetura. "É uma questão de sustentabilidade", comenta Gustavo, "porque o tempo disponível é limitado, então, a partir do momento que se consegue unir essas pesquisas, tanto a prática como a academia ganham — a pesquisa ganha corpo, meu conhecimento num certo tema ganha corpo, logo, consigo ensinar melhor e praticar melhor", conclui.
Tivemos a oportunidade de conversar com o arquiteto sobre seu processo de trabalho, a participação comunitária em seus projetos, e como se inspira na arquitetura vernacular para projetar uma arquitetura que é, ao mesmo tempo, contemporânea e enraizada no contexto. Assista à entrevista no vídeo acima.