Economia de meios e adaptação ao Cerrado: entrevista com BLOCO Arquitetos

Divididos entre a admiração pela arquitetura moderna de Brasília, cidade onde estão sediados, e o respeito pelo bioma do Cerrado, onde estão inseridos, os arquitetos Daniel Mangabeira, Henrique Coutinho e Matheus Seco, sócios do escritório BLOCO Arquitetos, têm desenvolvido uma prática fundada na racionalização de recursos, simplicidade formal e atenção ao contexto natural ou urbano. Seus projetos variam da pequena à grande escala, compreendendo interiores comerciais, casas, edifícios residenciais, clubes e propostas urbanísticas.

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Tivemos a oportunidade de conversar com os sócios sobre o trabalho desenvolvido pelo escritório, suas decições projetuais, a importância da paisagem e o reconhecimento que o BLOCO vem recebendo mesmo estando fora do eixo Rio-São Paulo. 

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Daniel Mangabeira (esquerda), Matheus Seco (centro) e Henrique Coutinho (direita). Foto © Diego Bresani

Romullo Baratto (ArchDaily): Como os três sócios se conheceram e o que levou à criação do Bloco Arquitetos? E por que o nome BLOCO?

BLOCO Arquitetos: Nos conhecemos na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília - UnB, no final dos anos 90, porém, não fizemos muitos trabalhos acadêmicos juntos. Henrique entrou em 1992 e Daniel e Matheus entraram na mesma turma em 1993. Nos aproximamos durante um estágio que fizemos durante a faculdade, quando trabalhamos juntos em um escritório de arquitetura cuja especialidade era a elaboração de projetos de comunicação visual. Foi durante esse período que identificamos afinidades profissionais e decidimos formar uma sociedade.

Os primeiros dez anos de formados fizeram parte de um período de trabalho que funcionou como uma formação complementar, no desenvolvimento e acompanhamento de obras de pequeno porte, como reformas de interiores, mesmo de projetos que não eram nossos. Lucio Costa, quando fala sobre sua definição de arquitetura, começa por dizer que “arquitetura é, antes de tudo, construção”. Podemos dizer que nosso interesse durante esses anos iniciais foi vivenciar o canteiro de obras para aprender a construir e, portanto, aprender a projetar melhor. Também prosseguimos nossos estudos complementares em momentos distintos. Matheus concluiu seu mestrado em arquitetura na Bartlett School of Architecture de Londres em 2004 e Daniel o mestrado em Arte em Arquitetura em 2013, na Westminster School of Architecture, também em Londres. Enquanto isso, o Henrique se especializou em assuntos relativos à administração. Durante esse tempo, os trabalhos do escritório cresceram lentamente em quantidade e escala. Também encontramos tempo para participar direta e indiretamente do IAB-DF e do CAU-DF, trabalho que consideramos essencial na nossa trajetória. Matheus exerceu a presidência do IAB/DF e Daniel foi presidente do CAU/DF até 2020, sendo assim, o caminho do escritório foi construído ao longo dos anos, sem algo necessariamente pré-definido. Tudo até agora foi, e ainda é, parte de um amadurecimento lento e contínuo.

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Casa dos Eixos. Foto © Haruo Mikami

O nome “BLOCO” veio depois, só em 2013. Usamos outros nomes antes, mas a partir daquele ponto achávamos que tínhamos começado a produzir obras que faziam mais sentido para nós, portanto, nos pareceu pertinente mudar o nome do escritório naquele momento. Em Brasília, todos os edifícios do Plano Piloto são endereçados oficialmente por “blocos”. Por aqui é algo muito natural se referir a um edifício como um “bloco”. O “bloco” também é um elemento construtivo básico, um bloco de fundação, um bloco cerâmico, por exemplo. Para nós, o nome “BLOCO” tem relação com a cidade onde estamos e com nosso interesse em relação aos processos de obra na materialização de nossos projetos. Além disso, também costumamos dizer que trabalhamos em “bloco”, pois nosso trabalho é desenvolvido de forma coletiva.

Atualmente nossa equipe conta com oito arquitetos, uma assistente administrativa e três estagiários.

RB: O escritório tem se destacado no cenário nacional e o fato de vocês estarem fora do eixo Rio-São Paulo torna isso especialmente interessante. Nesse sentido, qual a importância — se é que há — de Brasília e do ideário moderno na produção do Bloco?

BA: Podemos dizer que nossa inspiração está diretamente relacionada ao interesse e admiração que temos pelo modernismo brasileiro das décadas de 60 e 70, mais especificamente o conjunto de edifícios construídos em Brasília fora do Eixo Monumental, a “arquitetura do cotidiano” da cidade. É um acervo de muita qualidade ainda pouco conhecido por quem não mora aqui, projetado por arquitetos que vieram de outras cidades para trabalhar durante as primeiras décadas da construção de Brasília. São nomes como Eduardo Negri, Glauco Campello, Milton Ramos, Oscar Niemeyer, Lelé, José de Souza Reis, Alcides da Rocha Miranda, Sérgio Rocha, entre outros. São prédios de apartamentos, casas, bibliotecas, equipamentos públicos ou prédios de escritórios que refletem a forma como esses arquitetos lidavam com os recursos limitados e a urgência de se construir. Suas abordagens refletem um espírito de época, uma forma de pensar arquitetura que também estava diretamente ligada a vivência no canteiro de obras.

A maior parte desses edifícios são construtivamente engenhosos e simples ao mesmo tempo, “sem tempo” para a inclusão de elementos supérfluos, por assim dizer. Economia de meios, praticidade, adaptação ao clima e o entendimento sobre os meios de construção disponíveis são alguns dos princípios que estão presentes nestas obras e que são relevantes ainda hoje. Vemos nosso trabalho como uma tentativa de dar continuidade ao trabalho dessa geração de profissionais que não se formou em Brasília, mas que encontrou aqui um campo fértil para experimentações. Ao mesmo tempo tentamos entender as limitações dos dias atuais, seus desafios e oportunidades de desenvolvimento para um futuro conectado à nossa cultura e tradição construtiva.

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Casa Torreão. Foto © Haruo Mikami

RB: Alguns projetos, como as Casas Vila Rica, Torreão e Palicourea, aparentam ter uma relação estreita com o Cerrado, explorando miradas e abrindo grandes panos de vidro para a paisagem. Poderiam falar sobre o papel que desempenha a paisagem no processo projetual de vocês?

BA: A reflexão sobre a relação entre a arquitetura e a paisagem, entendida aí como a natureza da região onde estamos, tem importância essencial para o que fazemos. Um edifício não pode existir como elemento isolado, temos consciência de que ele sempre interferirá na paisagem e de certa forma “desconfigurará” parte da natureza para transformá-la. Acreditamos que nosso dever é agir responsavelmente através dessa transformação e pensar sobre suas consequências e possibilidades. A nossa preocupação sobre o tema reflete-se em várias frentes, desde a forma como lidamos com a topografia e vegetação existentes e a forma como tentamos maximizar a utilização de recursos naturais de cada terreno para tentarmos encontrar a melhor forma de se construir naquele lugar.

Assim, a relação do edifício com seu entorno pode variar bastante em nossos projetos, desde uma relação plena de ligação com o exterior na Casa Cavalcante, Palicourea ou Vila Rica, por exemplo, ao olhar “para dentro” de uma quadra urbana, como no projeto para a Casa 711H.

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Casa 711H. Foto © Joana França

RB: De grande ou pequena escala, os projetos do escritório mostram, em geral, apreço pela racionalidade estrutural. Que fatores influenciam a tomada de decisão em relação à estrutura? 

BA: Nossa abordagem para iniciar um projeto sempre parte de uma análise das condições que teremos para trabalhar: orçamento, prazos, programa, terreno.

Retomando a definição de Lucio Costa sobre arquitetura que mencionamos anteriormente, as decisões “plásticas” que tomamos durante o processo de projeto são informadas por essa análise inicial. Todos esses fatores podem influenciar em nossa decisão sobre a estrutura a ser utilizada. Costumamos dizer que muitas vezes submetemos a proposta a uma “dieta funcional” (como diria o crítico de arte Mário Pedrosa). Para nós, isso inclui retirar elementos que não consideramos essenciais para o projeto. Por isso, talvez a racionalidade estrutural seja algo que apareça como um resultado natural do processo. A linguagem é, portanto, uma consequência desse processo e não um objetivo.

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Casa Grid. Foto © Haruo Mikami

RB: De modo similar, esses projetos parecem querer explorar a expressividade de cada material — madeira, concreto e tijolo são frequentemente usados sem revestimento. Por que são usados assim?

BA: Nossos projetos incorporaram algumas características ao longo dos anos e o uso dos materiais em seu estado natural é uma dessas características, ainda que ela não se reflita em todos os projetos igualmente. Além disso, nos parece natural que a valorização da “natureza dos materiais”, como descrevia o arquiteto Frank Lloyd Wright nos anos 30, tenha relação direta com nosso processo de projeto e a análise que fazemos das condições que teremos para trabalhar. Lloyd Wright, de forma sucinta, dizia que “o material mais adequado para uma determinada situação geralmente é também o mais bonito”.

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Casa Berezowski. Foto © Joana França

Também nos interessa pensar em como nossas obras vão envelhecer. Nesse sentido, acreditamos que devemos aceitar os efeitos inerentes à passagem do tempo sobre os materiais para que possamos projetar pensando neles. Isso se aplica tanto a um edifício construído em concreto e tijolo quanto a outros em madeira, aço ou com paredes pintadas, por exemplo. O tempo embeleza a boa arquitetura.

RB: Já falamos um pouco sobre a importância do Cerrado enquanto paisagem, porém, enquanto bioma ele também tem relevância na arquitetura de vocês. Ele impõe certas condicionantes climáticas que vocês buscam resolver, me parece, através de determinadas estratégias de projeto, como elevar o piso do solo, destacar a laje e o forro, permitir a circulação de ar etc. Poderiam falar um pouco sobre isso?

BR: Em Brasília, ainda que a média das temperaturas diárias nos permita obter uma conexão bastante direta entre interior e exterior, há também a necessidade de proteger os interiores dos edifícios da insolação excessiva, pois a radiação solar direta na cidade apresenta valores elevados durante quase todo o ano. Por isso, um dos desafios constantes em nossos projetos é pensar em como podemos maximizar o uso da iluminação e ventilação naturais nos interiores ao mesmo tempo em que devemos sombreá-los adequadamente. Nesse sentido, damos preferência a estratégias de orientação solar, beirais, aberturas sombreadas, brises fixos e demais elementos de sombreamento passivo, como fizemos no edifício Posead de 2009, por exemplo. Evitamos a utilização de elementos móveis ou soluções complexas, ainda que possamos utilizá-los eventualmente.

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Casa Cavalcante. Foto © Joana França

O mesmo tipo de preferência por soluções simples se aplica ao uso da ventilação natural. Em outros casos, existe a preocupação em evitar a entrada de pequenos animais ou minimizar a modificação excessiva da topografia, o que explica os pisos elevados do terreno em alguns de nossos projetos em áreas rurais. Em todos os casos, procuramos deixar que as soluções para essas questões possam influenciar diretamente no desenho final e na expressão de cada projeto.

Fora isso, temos consciência de que Brasília está inserida no “coração” no segundo maior bioma do país, o Cerrado brasileiro, a savana com maior biodiversidade no mundo e considerado atualmente o segundo bioma mais ameaçado do Brasil. Assim, mesmo quando trabalhamos em áreas urbanas da cidade, procuramos imaginar formas de habitar a região que também levem em consideração suas especificidades, sua preservação e possibilidades de convivência equilibrada entre homem e natureza.

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Casa Palicourea. Foto © Joana França

RB: Além de obras distribuídas por Brasília e regiões próximas, recentemente o escritório tem desenvolvido projetos em outras cidades brasileiras, como Rio de Janeiro e São Paulo. Como é, para vocês, projetar para um contexto diverso? E quais são os principais aprendizados e desafios envolvidos na realização de projetos à distância?

BA: Nossa experiência e interesse nos processos da execução de obras sempre informaram o que fizemos em nossos projetos e vice-versa. Dessa forma, podemos dizer que ao longo dos anos aprendemos a projetar melhor e a nos concentrarmos em formas mais eficazes de acompanhar essas obras e desenhar para elas, mesmo que à distância. Logicamente, isso foi infinitamente facilitado pelas tecnologias de comunicação que nos permitiram contato em tempo real com os vários empreiteiros que executam nossos projetos, tanto em Brasília quanto em outras cidades. Além disso, houve também a adoção das tecnologias da execução e gerenciamento dos projetos em si, como a tecnologia BIM que adotamos há vários anos e que nos permitiu a eliminação quase completa de eventuais erros de compatibilização entre os projetos de arquitetura e seus complementares, minimizando os imprevistos. Toda essa experiência foi acelerada pela tragédia da pandemia, que nos obrigou a trabalhar à distância mesmo nos projetos locais.

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Casa dos Pórticos. Foto © Haruo Mikami

Por isso, podemos dizer que essa evolução lenta e gradual na forma de projetar e acompanhar obras dos últimos anos nos permitiu que adaptássemos nosso olhar a novas formas mais eficientes (e às vezes não-presenciais) de fazer projeto. Mesmo assim, ainda existe a questão de encontrar bons parceiros locais para a execução e acompanhamento das obras. Dizemos que esse é o maior desafio.

RB: Esse ano, a Sede de Escritório de Advocacia venceu a premiação Building of the Year, na categoria "Escritórios" e a Casa Palicourea conquistou o segundo lugar no prêmio Obra do Ano, ambos promovidos pelo ArchDaily. Poderiam falar um pouco do significado desses projetos para o escritório?

BA: Primeiramente, é uma grande felicidade poder contribuir com o ArchDaily ao compartilhar nossas obras. As matérias têm um alcance imenso e isso faz com que o portal tenha um papel essencial na democratização do conhecimento e divulgação de assuntos de interesse para nossa profissão. Por isso, o reconhecimento que recebemos através destas premiações é importantíssimo!

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Sede de Escritório de Advocacia / BLOCO Arquitetos + Renata Dutra Arquitetura. Foto © Haruo Mikami

Além disso, os dois projetos premiados recentemente são especiais para o escritório porque refletem dois assuntos com os quais temos trabalhado com bastante interesse ultimamente: o reuso e transformação de estruturas existentes, no caso do Escritório de Advocacia, e o trabalho em contato direto com o Cerrado nativo, como é o caso da Casa Palicourea. Essas experiências têm sido muito úteis nos trabalhos que temos desenvolvido no escritório recentemente, em diversas escalas.

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Sobre este autor
Cita: Romullo Baratto. "Economia de meios e adaptação ao Cerrado: entrevista com BLOCO Arquitetos" 06 Nov 2022. ArchDaily Brasil. Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/990699/economia-de-meios-e-adaptacao-ao-cerrado-entrevista-com-bloco-arquitetos> ISSN 0719-8906

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