No País dos Arquitectos é um podcast criado por Sara Nunes, responsável também pela produtora de filmes de arquitetura Building Pictures, que tem como objetivo conhecer os profissionais, os projetos e as histórias por trás da arquitetura portuguesa contemporânea de referência. Com pouco mais de 10 milhões de habitantes, Portugal é um país muito instigante em relação a este campo profissional, e sua produção arquitetônica não faz jus à escala populacional ou territorial.
Neste episódio da quarta temporada, Sara conversa com Graça Correia e Roberto Ragazzi, do escritório Correia/Ragazzi Arquitectos, sobre o projeto Marechal 720, em que os arquitetos procuraram reinterpretar “a nova casa burguesa do Porto”. Ouça a conversa e leia parte da entrevista a seguir.
Sara Nunes - A Graça Correia é uma arquitecta portuguesa e, como já devem ter percebido pelo nome, o arquitecto Roberto Ragazzi é italiano. Pergunto-vos: o que é que a arquitectura portuguesa tem a aprender com a arquitectura italiana, e o que é que a arquitectura italiana tem a aprender com a arquitectura portuguesa? Consideram que essa aprendizagem, essa troca mútua, tem sido um benefício para a vossa prática profissional no vosso atelier?
Graça Correia - Na verdade, o nosso encontro até surgiu por afinidades musicais.
SN - Isso é muito curioso!
GC - O Roberto foi, antes de vir para Portugal, disc jockey, durante muitos anos, em Itália. Como eu também gosto muitíssimo de música – aliás, nos testes de orientação profissional tinha Belas Artes e Música... e, durante muitos anos, estudei piano, algo que agora nem sequer pratico nada, mas sempre ficou a paixão pela música – foi nesse contexto que nos conhecemos. Nesse sentido, diria que, inicialmente, não imaginava que... e, de certa forma, quem se formou e cresceu num contexto de arquitectura portuguesa dos anos 80, ou 90 com o Eduardo Souto de Moura a emergir... eu fui aluna dele e muito influenciada por ele, mas soube esta grande influência... desde Carlos Ramos, a Fernando Távora e Álvaro Siza... todos eles professores que dignificaram muito a arquitectura portuguesa.
Por vezes, quase parece que não vamos buscar nada a outro lado, mas ao contrário, não é? É evidente que há, sobretudo, uma arquitectura – eu diria entre os anos 50, 60 – que me fascinou sempre muito. Uma arquitectura italiana como é o caso do Scarpa, que era quem eu conhecia melhor, que depois fui descobrindo nas viagens que fui fazendo com o Roberto. Existe a consolidação também da importância de todos aqueles que estão para trás, desde o Alberti, etc... e começa a estar muito presente nesta síntese que nós fazemos entre o nosso pensamento de um e do outro. Depois há uma espécie de consolidação de um pensamento mais teórico que os italianos têm uma facilidade e, se calhar, até uma formação que já vem do liceu científico. Eles fazem uma distinção grande nos liceus – que eu creio e noto isso também muito com os alunos – e há também uma espécie de cultura geral muito interessante. Tudo isso depois é misturado e, tal como na música, faz-se o remix. Penso que poderá ser por aí.
Roberto Ragazzi - Sim, por outro lado, tenho de dizer que o fascínio da arquitectura portuguesa para um italiano no final do século passado – estamos a falar da década de 90... foi no final daquela década que resolvi vir a Portugal para ter uma experiência de trabalho – era muitíssimo elevado. Paradoxalmente, apesar de haver aquela tradição, aquela presença da arquitectura tão grande, tão histórica e tão vincada na Itália, havia uma espécie de crise da arquitectura contemporânea que nós sentíamos muito. Na verdade, a crise correspondeu a uma crise cultural muito grande daquela altura, na Itália, na década de 90. Ao contrário – o que nós víamos que era reproduzido em Portugal, na maior parte da arquitectura – a melhor arquitectura portuguesa daquela altura tinha, de alguma forma, escapado às coisas mais horríveis que o pós-modernismo tinha produzido em todo o lado. Portugal tinha uma arquitectura contemporânea de elevadíssima qualidade e era, obviamente, um exemplo em toda a Europa e em todo o Mundo.
SN - Havia esse fascínio e essa curiosidade pela arquitectura contemporânea portuguesa, não é?
RR - Com certeza. E nas escolas... eu estudei em Veneza no IUAV (Instituto Universitário de Arquitectura de Veneza) e lá havia vários professores italianos que tinham esta consciência e convidavam repetidamente os arquitectos portugueses. Havia muitas conferências do Álvaro Siza, do Eduardo Souto de Moura, do Gonçalo Byrne e, na altura, algumas vezes também do Luís Carrilho da Graça. Eles eram repetidamente convidados e explicavam os projectos deles nas nossas aulas quase como uma excepção ou como um bom exemplo de como a arquitectura contemporânea poderia ser declinada numa altura em que havia muita crise porque depois dos muitíssimos bons mestres italianos, dos anos 50 e 60, como estava a dizer a Graça, veio um momento de dificuldade, principalmente a dificuldade da encomenda na Itália que tinha tudo a ver com a grande crise cultural que começou naquela altura e ainda não acabou.
Ouça a entrevista completa aqui e reveja, também, a terceira temporada do podcast No País dos Arquitectos:
- João Maria Trindade
- António Cerejeira Fontes
- Studio MK27
- AND-RÉ
- Adriana Floret
- Pedra Líquida
- spaceworkers
- atelier extrastudio
- Sofia Couto e Sérgio Antunes
- Gonçalo Byrne
Nota do editor: A transcrição da entrevista foi disponibilizada por Sara Nunes e Melanie Alves e segue o antigo acordo ortográfico de Portugal.