Cidades são espaços apaixonantes e desafiadores. Ao mesmo tempo em que são territórios de troca e encontro, apresentam problemas que podem parecer sem solução. O episódio 58 do Betoneira conversou com o urbanista Mauro Calliari sobre as possibilidades das cidades, levando em conta a complexidade do cenário pós-pandemia.
O primeiro ponto abordado por Callliari foi o próprio conceito de cidade. Segundo ele, sua definição exata é um dos debates centrais do urbanismo, pois existem muitos modos de encarar a questão. Uma cidade costuma ser um lugar razoavelmente grande, denso e diverso. Cidades pressupõem uma certa aglomeração de pessoas, de atividades comerciais e de outras atividades necessárias à manutenção da vida.
A pandemia e seus desdobramentos também foi tema da conversa. No início da crise sanitária que trancou milhões de pessoas em casa, havia uma certa expectativa de que um mundo melhor estava por vir. Entretanto, não foi bem isso o que ocorreu. Durante a crise, pudemos experimentar cidades menos barulhentas e poluídas. Mas com a volta à atividade normal, essas transformações se dissiparam.
No começo da pandemia havia uma ilusão de que a crise despertaria em nós a solidariedade e a capacidade de viver em comunidade. — Mauro Calliari
Partindo de uma perspectiva histórica, o urbanista ressaltou as mudanças positivas que ocorreram em algumas cidades a partir dos anos 2000. Em São Paulo, por exemplo, a famosa Avenida Paulista passou a ter dias dedicados aos pedestres. Pessoas diversas se juntaram e passaram a cuidar de hortas urbanas, houve o aumento de festas e eventos culturais no espaço público, além de bares com mesas nas calçadas - respeitando a lei. O centro da cidade, especificamente, permitiu o convívio entre as pessoas. A pandemia desacelerou todos esses movimentos.
A importância e a legitimidade do ponto de vista do pedestre também apareceu na conversa com Mauro Calliari, uma vez que só podemos aproveitar e enxergar, de fato, as potências de uma cidade, na experiência de caminhar por ela. De acordo com o urbanista, falta aos governantes a noção de como o ângulo de visão do pedestre pode mostrar caminhos para construir e melhorar as cidades. Além disso, para a grande maioria dos habitantes de uma cidade, caminhar gera experiências muito prazerosas. Mas, para isso, é preciso existir boas condições de infraestrutura e segurança.
O celular tem gerado situações difíceis na cidade, às vezes até perigosas, pois as pessoas deixam de ver o que está ocorrendo ao lado delas. — Mauro Calliari
Mauro Calliari também comentou a retomada do Ministério das Cidades a partir de 2023, explicando a falta que ele faz. O Brasil é um país urbanizado e a convivência está difícil. As metrópoles compartilham fluxos de pessoas, água, energia, etc. Uma decisão sobre o preço da passagem do transporte em São Paulo influencia todas as cidades que estão em volta, como Santo André, Barueri e outras. O Ministério das Cidades, portanto, precisa conversar com os planos políticos desenvolvidos no âmbito estadual e municipal. As subprefeituras também devem dialogar e procurar a autonomia.
A experiência da caminhada sem rumo, criativa e desprendida pela cidade foi o tema da parte final da conversa. Flanar é um verbo associado a um momento histórico, mais especificamente à Paris do século dezenove. O poeta Baudelaire, diante de intensas mudanças urbanas, abraça sem receio a tranformação. Flanar fala sobre a experiência de sair de casa sem objetivo definido, sem a pressa imposta pelo trabalho, para, simplesmente, aproveitar. É preciso um pouco de coragem para se deixar perder pelas ruas, mas essa empreitada pode ser profundamente inspiradora. Frente aos problemas, ela pode trazer novas soluções à mente, injetando energia criativa nas conexões que fazemos diariamente.