Casas pré-fabricadas de madeira têm uma história que remonta ao século XIX, quando as chamadas “casas de kit” se tornaram populares na América do Norte. Vendidas por empresas como a Sears, ofereciam opções de moradia acessíveis e convenientes, sobretudo para pessoas vivendo em áreas rurais, onde a mão de obra era escassa e cara. Os clientes tinham a escolha de alguns designs e dimensões, e os kits normalmente incluíam todos os materiais necessários para construir a habitação, incluindo madeiras numeradas e pré-cortadas, pregos, telhas e outros componentes necessários. Durante algum tempo, no entanto, casas pré-fabricadas foram encaradas como construções de menor qualidade ou prestígio, e junto à falta de flexibilidade destas soluções, entraram em declínio.
Hoje em dia, aliadas às tecnologias que dispomos, construções modulares e pré-fabricadas têm despontado como soluções de construção limpas, sustentáveis e eficientes energeticamente. Junto a isso, as inovações em torno da madeira engenheirada têm evidenciado as possibilidades deste sistema construtivo, o que inclui imensas possibilidades estéticas e estruturais. Foi nesta linha que o escritório UNA BV desenvolveu o projeto Modular 5.5, cujo objetivo era criar uma construção modular flexível, que pudesse ser montada em diferentes arranjos, permitindo a construção de casas com dimensões e necessidades diversas para terrenos diversos. Conversamos com Fernanda Barbara e Fábio Valentim sobre este projeto:
Eduardo Souza (ArchDaily): Como surgiu a ideia de desenvolver o Modular 5.5? Isso veio de uma demanda de algum cliente?
Fernanda Barbara e Fábio Valentim (UNA BV): A ideia surgiu dentro do nosso escritório e não como uma demanda externa de clientes ou parceiros. O projeto foi se construindo ao longo de alguns anos por nós em função de questões que nos acompanham e nos impactam desde muito tempo, especialmente em relação a formas de construir e a quem podemos atender com esses projetos. O Modular 5.5 parte do estudo de materiais sustentáveis, utilizando estrutura e fechamentos em madeira de reflorestamento. É também um exercício sobre a construção baseada no maior número possível de componentes prontos que chegam na obra apenas para serem montados, resultando numa obra rápida, com poucos resíduos e de baixo impacto no terreno. As construções de pequeno e médio porte (como as casas) permitem bons ensaios nesse caminho.
Com essas premissas desenvolvemos um projeto modular que funciona como um jogo de montar, de composições diversas.
Como as empresas que fazem esse tipo de estrutura de madeira (industrializada, a partir de madeira de reflorestamento) ainda são poucas no Brasil, entendemos que esse projeto modular poderia atender a um número bem maior de pessoas do que um projeto convencional que queira utilizar esse tipo de estrutura. É importante ressaltar que no Modular não há o tempo e o custo do projeto dos módulos (apenas de implantação e adaptação às contingências), e a construção também é bem rápida, gerando uma significativa economia de tempo no processo como um todo.
ES: Quais foram as soluções utilizadas neste projeto?
FB/FV: Optamos por estruturar o sistema com madeira de reflorestamento industrializada. Como dissemos, é um produto de baixo impacto ambiental baseado em madeira de origem certificada, ou seja, um recurso renovável.
O sistema é composto por pilares e vigas de MLC e painéis de CLT. Estes painéis são usados como fechamento perimetral da construção e suporte da cobertura, o que gera um ambiente interior onde predomina a madeira,. Ou seja, o sistema já constitui por si só um padrão de acabamento para os interiores muito distinto.
Outra preocupação foi desenhar uma cobertura generosa, com beirais largos que protegem os ambientes do excesso de insolação e das chuvas. Os caixilhos forma desenhados em dois níveis o que permite o uso mais eficiente da ventilação cruzada como recurso natural de controle da temperatura.
O Modular pode se acomodar a diversas topografias, dimensões e geometrias de terreno. Foi desenvolvida uma solução padrão de 'fundação radier' sob toda a área da casa, a partir do qual são fixas a estrutura de madeira, mas outros tipos de fundação podem ser necessárias.
Ou seja, esse sistema de montagem se adequa aos terrenos e são as condições específicas que determinam a melhor solução de implantação e fundação. O projeto está desenvolvido para receber painéis solares e placas fotovoltaicas, além da previsão de um biodigestor e um sistema de reuso de água.
A ideia era criar um sistema, e não um projeto fechado. Desenhamos módulos com funções básicas, como sala, quarto, varanda, escritório e garagem, que podem ser montados de formas infinitas, compondo casas de dimensões e necessidades diversas para quaisquer tipos de terrenos. É interessante também que chegamos a um tipo de módulo que se adequa a vários outros usos que não apenas o residencial. Já estamos fazendo algumas implantações do Modular 5.5 para outros programas, o que tem nos parecido muito interessante.
ES: Como a opção pela MLC foi feita neste projeto? De que forma ela interferiu no mesmo e quais foram as limitações impostas?
FB/FV: A opção pela madeira laminada colada (MLC) reflete o desejo de trabalhar com um sistema industrial com base num produto de menor impacto ambiental, que é o caso da madeira reflorestada (o eucalipto, de forma predominante). Além disso, a madeira resolve não apenas questões técnicas mas de acabamento. No desenvolvimento do projeto contamos com assessoria da Crosslam, que acabou se tornando uma empresa parceira nesse projeto. Além dela, estabelecemos uma parceria com uma construtora com quem tínhamos já bastante de afinidade de trabalho, a Taguá Engenharia.
ES: Como essa solução poderia se adaptar a mais de um clima no território nacional? Há alguma previsão de construção de um protótipo físico?
FB/FV: Temos feito estudos de implantação do sistema em condições bastante diversas, junto ao mar, nas montanhas, em estados ao norte e ao sul de São Paulo. O sistema já prevê essas adaptações, mostrando uma grande versatilidade. Também estamos trabalhando em algumas implantações do Modular e, em breve, teremos casas construídas.
ES: Como vocês imaginam o futuro deste projeto?
FB/FV: Com as primeiras unidades construídas teremos um retorno dado pelas condições reais, em diferentes situações. O sistema poderá ser sempre aperfeiçoado, e a gama de componentes variáveis pode crescer sustentado pela demanda.
Temos já o plano de desenvolver outros tipos de módulos que possam atender algumas situação específicas ainda não atendidas pelo Modular 5.5 (como um sistema de módulos que tenha a possibilidade de ter mais de um pavimento).
ES: Na opinião de vocês, quais as contribuições dos arquitetos para um futuro com moradias mais amigáveis com o meio ambiente, confortáveis e acessíveis?
FB/FV: As questões relativas à construção, ao impacto ambiental e também à própria construção da paisagem estarão cada vez mais presentes. Essa é uma problemática no mundo todo, mas precisamos chamar a atenção para urgência dessa pauta em nosso país. Naturalmente os arquitetos são os profissionais aptos a sintetizar saberes diversos na forma de novas modalidades de construção. Temos esse compromisso.
Este artigo é parte dos Temas do ArchDaily: Habitação modular. Mensalmente, exploramos um tema em profundidade através de artigos, entrevistas, notícias e projetos de arquitetura. Convidamos você a conhecer mais sobre os temas do ArchDaily. E, como sempre, o ArchDaily está aberto a contribuições de nossas leitoras e leitores; se você quiser enviar um artigo ou projeto, entre em contato.
