No País dos Arquitectos é um podcast criado por Sara Nunes, responsável também pela produtora de filmes de arquitetura Building Pictures, que tem como objetivo conhecer os profissionais, os projetos e as histórias por trás da arquitetura portuguesa contemporânea de referência. Com pouco mais de 10 milhões de habitantes, Portugal é um país muito instigante em relação a este campo profissional, e sua produção arquitetônica não faz jus à escala populacional ou territorial.
Neste episódio da quinta temporada, Sara conversa com Alexandre Alves Costa e Sérgio Fernandez sobre o Batalha Centro de Cinema. Ouça a conversa e leia parte da entrevista a seguir.
Sara Nunes: Devo confessar que estou muito entusiasmada com esta conversa porque, para quem nos está apenas a ouvir e não está aqui na Casa da Arquitectura presencialmente esta é a primeira vez que fazemos a gravação do podcast com público e é a oportunidade também dos nossos ouvintes interagirem e fazerem as perguntas que muita gente se calhar ao ouvir o podcast tem vontade de fazer. Esta é a oportunidade! E começava antes mesmo de falar sobre o projecto que nos traz aqui hoje que é o Cinema Batalha, que é um projecto há muito querido pela cidade do Porto... Tão querido que a própria cidade... existe uma expressão portuense que é: ‘Vai no Batalha’. E eu devo confessar que eu não sabia o que queria dizer a expressão até a inauguração do edifício, quando começaram a sair artigos e explicações sobre o que é que era a expressão. Convidava o Alexandre a partilhar com o público porque de certeza que não sou a única que não sabe (ou que não sabia) o que é que queria dizer ‘vai no Batalha’.
Alexandre Alves Costa: Eu tenho muito gosto em partilhar, mas estou na mesma situação também. É completamente costume no Porto dizer isso... Eu nunca na vida...
SN: Afinal não era a única!
AAC: Eu nasci no Porto e vivi no Porto já há quase um século e nunca tinha ouvido dizer tal coisa. Evidentemente que perguntei o que é que isso queria dizer e é fácil de entender. ‘Vai no Batalha’ quer dizer que vai no cinema. Ir no cinema é um bocado não ir na realidade. É algo que é mentira, que não é verdadeiro. É ficção, portanto o que estás a dizer é uma ficção, tal como quando eu vou ao Batalha e também vejo um filme de ficção e é nesse sentido que se diz ‘vai no Batalha’. Explicaram-me a mim e eu aceito isto como uma explicação.
SN: Também me explicaram isso.
AAC: Passei a perguntar a várias pessoas se era isto e elas realmente confirmaram e passei eu também a explicar às pessoas que não sabiam, mas pelos vistos há mesmo... Aliás, o Sérgio também não sabia.
SN: Sabia, Sérgio?
Sérgio Fernandez: Não, não sabia e nunca tinha ouvido.
AAC: Estamos aqui três não sei em quantas pessoas... Já é uma percentagem bastante elevada!
SN: E somos do Porto, não é?
AAC: E estamos no Porto, exactamente!
SF: De qualquer modo assenta muito bem o reviver essa afirmação porque o ‘vai no Batalha’ transformou-se numa espécie de mito. É uma coisa que nunca vai acontecer. Vai ficar arruinado.
SN: Sim, o próprio edifício, não é?
SF: Vai ficar abandonado. E, portanto, ‘vai no Batalha’ acabou. Pronto.
AAC: Aliás, as pessoas que nos encontravam na rua... Fomos muitas vezes abordados por pessoas que a gente nem conhecia por causa do Batalha e toda a gente dizia: “Eu espero que desta vez ‘vá no Batalha’.”
SN: (risos) Que giro! Esta é uma das obras da vossa vida não só pela importância que este edifício tem no tecido da cidade, mas também porque vocês têm muitas memórias desde a vossa juventude. Começava por perguntar ao Sérgio quais são essas memórias.
SF: O Batalha, no meu caso pessoal [lembro-me] que a minha família dava-se... os meus pais eram amigos do arquitecto Artur Andrade, que é o autor do projecto. E, portanto, havia uma relação de uma certa proximidade, mas a proximidade efectiva foi feita através da frequência do Cineclube. Aliás, isto parece que está ligado porque o Cineclube também é uma instituição que se deve ao pai do Alexandre. Foi ele que fundou o Cineclube do Porto e nós, enquanto jovens, ao Domingo, tínhamos de ir ao Cineclube e íamos como quem vai à missa.
SN: Era religioso!
SF: O Batalha foi uma espécie de nossa casa. Ao Domingo, lá estávamos todos no Batalha. Nós e os nossos amigos.
SN: Por acaso, agora tenho uma dúvida: vocês já se conheciam nessa altura?
SF: Quando éramos muito miúdos, não. Mas na adolescência, sim. E, portanto, toda a vida estivemos... o Alexandre também, claro, estivemos ligados ao Batalha. Era uma espécie de prolongamento da nossa casa. Fazia parte do lazer do Domingo ir ao Batalha.
SN: E as suas histórias, Alexandre?
AAC: A minha história é toda no Batalha. Quer dizer, o meu pai foi fundador... Não foi bem fundador... Com outras pessoas fundou o Cineclube do Porto e foi presidente da direcção durante muitos anos e a minha mãe tinha um cineclube infantil.
SN: Era a família toda!
AAC: Era a família toda!
SN: Estava destinado a fazer este edifício, Alexandre!
AAC: Pois, e também devo dizer-lhe que provavelmente foi por causa disso...
SN: Que os convidaram, não é?
AAC: E um pouco como homenagem aos meus pais. Não a mim porque eu não fiz nada pelo cinema, embora goste imenso de cinema evidentemente. Mas nunca trabalhei no cinema a não ser muito recentemente porque entrei num filme. Pela primeira vez na minha vida fiz de actor e foi fantástico.
SN: Ah, e então! Em que filme? Conte-me isso. Quero saber!
SF: (risos)
AAC: Toda a gente disse que eu estava muito bem!
Plateia: (risos)
SN: Se calhar ainda tem uma carreira, Alexandre! (risos)
AAC: E tenho uma carreira. Foi o que me disseram: “Tem uma carreira realmente!” E eu acho que é provavelmente uma carreira mais rentável do que a arquitectura.
SN: (risos)
AAC: Pelo menos, são provavelmente mais reconhecidos do que nós somos. E pronto. O que eu lhe queria dizer é isto. Quer dizer, em parte provavelmente a Câmara Municipal do Porto reconheceu que eu podia ser herdeiro e confiou (não sei se bem, se mal) em mim e no Sérgio evidentemente porque somos sócios para a elaboração do projecto do Batalha, que foi uma coisa muito comovente para mim. Foi muito emotiva esta questão no Batalha porque tenho as minhas recordações. As minhas recordações da infância e da adolescência e até de adulto no Batalha. E o Batalha tem, além de mais, independentemente de eu que tenho estas saudades que são de natureza mais emotiva que outra coisa... há também outras razões que me levam a achar que a intervenção no Batalha é uma intervenção extremamente importante para a cidade do Porto e para a arquitectura contemporânea em Portugal também pelo significado que teve do ponto de vista ideológico e político porque o Batalha foi uma espécie de um manifesto anti-fascista.
Ouça a entrevista completa aqui e reveja, também, a quarta temporada do podcast No País dos Arquitectos:
- Tomás Salgado do ateliê Risco
- Filipa Guerreiro e Tiago Correia
- Teresa Nunes da Ponte
- Pedro Campos Costa
- José Carlos Nunes de Oliveira
- Pedro Bandeira
- Correia/Ragazzi Arquitectos
- Samuel Gonçalves, do atelier SUMMARY
- Diogo Brito do OODA
Nota do editor: A transcrição da entrevista foi disponibilizada por Sara Nunes e Melanie Alves e segue o antigo acordo ortográfico de Portugal.