Releia os quatro artigos publicados nas últimas semanas sobre o tema Matéria.
Deixamos a seguir um parágrafo de cada.
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PROPOSIÇÃO GERAL
a. Corpos Materiais e Artificiais
Se olhamos ao nosso redor, vemos que estamos rodeados de uma infinidade de corpos materiais de que nos servimos para dar curso de nossa vida: utensílios, ferramentas, máquinas, móveis, edificações, etc.
Estes corpos não se encontram na natureza com a ordem, forma e características que lhes exigimos. Ou seja, que foi necessário construi-los especialmente. São, portanto, corpos artificiais ou “artefatos” (artifício, feito por arte).
Quando fui convidado a participar nesse seminário com o tema «O mundo do croquis; Observação e croquis na UCV», me pareceu algo relativamente simples, já que nisso havia estado envolvido durante muitos anos através da docência no Atelier Arquitetônico, e de obras arquitetônicas particularmente na Cidade Aberta.
No entanto, na medida em que comecei a pensar que e como expor, reparei em que o assunto não era nada simples nem inocente. Se eu queria dizer algo relativamente verdadeiro e consistente, não podia eludir adentrar, ou ao menos roçar, o mundo criativo e artístico, com a complexidade que lhe é inerente.
Buscando que a exposição não se (me) tornasse excessivamente teórica e «acadêmica», e que ao final não calasse a verdade no essencial, optei finalmente por me firmar em algumas experiências e situações em que me tocou participar e fazer algumas reflexões em torno a elas.
Espero deste modo, poder iluminar em alguma medida o fundo do assunto, que é o que interessa, ainda que o conjunto não resulte talvez muito estruturado.
Queria destacar antes de tudo que os conceitos de «croquis» e «observação» não os vamos tomar como dois assuntos separados e de peso equivalente; senão que o Croquis o consideraremos contido na Observação, como uma parte dela.
Falaremos então, fundamentalmente, de Observação, e mais precisamente, de Observação Arquitetônica.
A primeira afirmação que queria fazer é que a Observação, tal como a entendemos aqui e em seu sentido mais radical, é possível porque «a condição humana é poética, e por ela o homem vive livremente na vigília de fazer um mundo»1.
O homem está irremediavelmente chamado e obrigado a fazer e refazer o mundo. Vale dizer a re-inventá-lo uma e outra vez (note-se que etimologicamente a palavra invento tem a ver com «ventura», e consequentemente com «aventura»).
E esta urgência e obrigação, pode cumpri-la porque tem a possibilidade de ver o mundo, seu mundo, sempre de novo, de vê-lo como por primeira vez («ver», está tomado em sentido amplo; talvez se poderia falar de «perceber»).
Temos então que este meio que nos envolve, e onde transcorre nossa vida, aparentemente tão concreto e objetivo, não é tal. Depende de nossa «mirada» e nosso «ponto de vista», para se mostrar e se revelar segundo rasgos e conotações profundamente diferentes.
«Observar», seria então essa atividade do espírito (e do corpo) que nos permite aceder, uma e outra vez, a uma nova, inédita, visão da realidade.
Observar, no sentido que o estamos considerando, se converte numa verdadeira abertura. Trata-se de algo profundamente artístico e portanto poético.
A propósito de «ver de novo», vou lhes contar o que ocorreu numa Phalène há muito tempo, na França, cujo relato conheci (eu não estava lá). A Phalène é uma sorte de Ato ou Jogo Poético, que se realiza entre vários, em algum lugar da cidade ou do campo. Podem participar nela a gente do lugar ou transeuntes. No grupo deve estar presente, isso sim, um poeta que em certe medida faz de cabeça. O resultado da Phalène é algum gênero de poema, ou um feito plástico.
Conto sucintamente a Phalène que lhes dizia:
Indo pelo campo francês, não longe de Paris, em dois carros, vai o grupo de umas 8 pessoas que haviam programado realizá-la.
Num dado momento, ante uma peculiar luminosidade que se produz numa colina, um dos participante pede para se deter (regra da Phalène), para realizar o ato poético. Descem dos carros e avançam pela colina; depois da vertente, em meio ao campo arado, aparece uma árvore solitária.
Vão a ele, e o rodeiam formando um círculo. Ali os poetas que participam recitam, de memoria, alguns poemas. Diz o relato que «elogiam» assim à árvore. Logo o Poeta que faz de cabeça, pede aos três artistas plásticos que participem, que façam eles também, desde seu ofício, algum signo (este será seu modo de Elogiar). Não tendo nenhum meio entre suas mãos, e na urgência do ato poético e em meio de seu silêncio, tomam uma pedra relativamente grande que está perto, a trasladam, a levantam e a colocam aprisionada entre os ganchos que se abrem do tronco.
Então, diz o relato, os que estavam aí ficaram perplexos, desconcertados, atônicos, porque «vimos a árvore como por primeira vez».
Bem, disso se trata a Observação: de «ver como por primeira vez».
Ainda que resulte aparentemente desproporcionado, quase escandaloso, através da Observação nós esperamos ter uma sorte de «vidência» (como diria Rimbaud) de algum ou alguns aspectos da realidade.
Se trata evidentemente de algo que não se pode garantir, de um presente ou dom; não é um procedimento, um método, que conduza necessariamente ao êxito.