Invasive Aesthetics: um manifesto para reviver a identidade arquitetônica em nações em desenvolvimento

Entramos em uma era de "modernização", liderada pelo mundo ocidental. Em nossos tempos de expansão demográfica sem precedentes, o desenvolvimento de infraestruturas está correndo para atender a demanda da oferta. Como arquitetos e designers, temos sido pressionados a adotar o consumismo. A globalização tem sido adotada como uma solução para o problema. Os países em desenvolvimento têm equiparado a prosperidade econômica e sucesso com a adoção da "arquitetura contemporânea", numa tentativa de demonstrar liderança e inovação. E voilà, temos uma paleta de edifícios elegantes para atender as necessidades da população, bem como para "modernizar" a nossa paisagem. Sem dúvida, imitar a fórmula de países tecnologicamente avançados atrairá olhares para nós

Bem, certamente sim, mas não necessariamente de uma forma positiva. Está se criando uma uniformidade arquitetônica global com projetos promovidos por "gurus arquitetônicos" ocidentais que são replicados em todo o mundo. Estamos negligenciando elementos contextuais vibrantes e, consequentemente, construindo um mundo genérico que carece de facetas humanas. Não seria uma tragédia se Paris, Veneza e Barcelona fossem semelhantes? Não lamentaríamos a vibração das ruas parisienses em torno da Torre Eiffel, o romantismo das águas de Veneza e a monumental Sagrada Familia, que domina os céus de Barcelona? Será que realmente queremos um mundo que é, basicamente, uma imagem espelhada dos Estados Unidos?

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Esquecemos muitas vezes que a arquitetura é a síntese da expressão criativa. Não é prescritiva. Ela não dita o molde, os materiais ou desenho a ser usado. Vidros brilhantes ou superfícies de titânio e outros materiais do referido movimento "vanguardista" não são a personificação da promessa da arquitetura e realização. Eles são, em última análise, expressões de uma ideologia visual encapsulada em mantras de arquitetura da modernidade. O que estamos experimentando e criando está longe da arquitetura inteligente. Temos negado a nós mesmos a nossa criatividade e nosso dever de enriquecer o tecido cultural de um lugar.

Ao tornar-nos vítimas voluntárias da globalização, não apenas exibimos suas cicatrizes, mas também oscilamos à beira de uma queda livre, abraçando a desconstrução da identidade única de lugares que maravilham e encantam através da sua singularidade. Ao abraçar culturas estrangeiras, muitas vezes negamos nossas próprias raízes.

Em  países colonizados, como as Ilhas Maurício, há uma rica história de ocupação pelo holandeses, franceses e ingleses do século 17. No entanto, suas cidades não traduzem essa história de vida. A infraestrutura ou planejamento não contam uma história e o estilo não pode mais ser visto como uma adaptação ou evolução de seu passado.

Dubai. © Daniel Cheong

Isto é levado a outro extremo, em lugares como Hong Kong ou os Emirados Árabes Unidos. Prosperando em recursos naturais, Dubai mudou seu horizonte para além do reconhecimento e se orgulha em oferecer um estilo de vida fácil para seus habitantes. O nível de vibração aqui se traduz na promoção do consumismo e das estruturas "de vanguarda". É apenas o código de vestimenta que ainda nos lembra que estamos, de fato, em um país árabe.

Atualmente, as únicas obras arquitetônicas que exibem os coloquialismos da filosofia histórica são os hotéis. Como o transporte transcontinental está prosperando, a economia de muitos países depende do turismo e, portanto, foram feitas provisões para hospedar turistas de uma boa forma. No entanto, devemos lembrar que a experiência turística não se limita aos hotéis. A maioria das pessoas gosta de mergulhar na cultura local, afinal, a experiência global do turista depende de suas impressões sobre arquitetura e cultura local.

Deve-se refletir sobre isto, percebermos que estamos realmente destacando a dicotomia na infraestrutura que projetamos: os hotéis culturalmente enriquecidos versus cidades não-adaptativas. Devemos refletir sobre como esta dissonância é percebida pelos turistas. Além disso, e mais importante, os habitantes locais devem ter o direito de experimentar sua própria cultura em todas as ruas e construções também. O ethos cultural precisa ser compartilhado para que uma verdadeira experiência comum possa ser apreciada por turistas e também pela população local. Nossa herança cultural não deve se limitar àqueles que podem pagar por um hotel, mas devem se estender para todas as nossas ruas.

O teórico urbano Nikos Salingaros acredita que os "arquitetos-estrelas" que prontamente carimbam a sua "assinatura arquitetônica única" em todos os prédios que eles projetam, sejam eles em diferentes localizações geográficas são, em última análise, míopes. Quão emocionante seria se as cidades não tivessem suas características distintas?

Ao longo dos anos, temos favorecido a nossa estabilidade econômica sobre a nossa preocupação com o nosso patrimônio e identidade arquitetônica. É hora de parar e pensar. A história está sendo apagada. Tendemos a esquecer que a nossa identidade cultural é uma questão que pertence ao nosso futuro tanto quanto ao nosso passado. Em última análise, as nossas estruturas são as narradoras visuais de nossa história e vão permanecer por muito tempo depois de partirmos. Cidades e edifícios correm o risco de enfrentar uma lenta decadência: história esquecida paira sobre a mera sobrevivência nos livros de história empoeirados que gritam para ser lidos. A economia global infelizmente se tornou um instrumento para desfazer as expressões magníficas das nossas culturas e valores antigos.

Hong Kong. © Daniel Cheong

Há uma necessidade de um novo urbanismo, que não deve apontar para a construção de configurações padronizadas, mas que pretende criar uma harmonia entre a história e a estrutura, entre o nosso passado e o nosso presente. Precisamos oferecer uma arquitetura coerente que responda às necessidades e sensibilidades humanas. Devemos enfatizar a importância de um bom planejamento mais do que nunca, uma vez que a continuação de nossas tendências atuais de construção vai privar nossos descendentes de um patrimônio rico em identidade cultural e arquitetônica.

Como arquitetos e designers, que assumem a responsabilidade de criar as paisagens das nossas cidades e bairros, devemos reconhecer que qualquer peça de arquitetura é fundamentalmente relacionada à sua localidade emergente e por isso deve ser dotada de seu espírito e simbolismo. Devemos nos inspirar na identidade de uma comunidade para moldar nossos projetos e trazer de volta a glória de nossas cidades e suas populações.

Fotografias: Daniel Cheong

Zaheer Allam é um estudioso independente com interesse em Arquitetura Verde e Gerenciamento de Projetos. Atualmente reside nas Ilhas Maurício e seu campo de interesse reside no urbanismo ecológico e utilitário.

Zarrim Allam é médica e vive em Perth, na Austrália. Sua paixão se expande para obras literárias e explora novas formas de conservação e recuperação ambiental e cultural.

Sobre este autor
Cita: Zaheer Allam & Zarrin Allam. "Invasive Aesthetics: um manifesto para reviver a identidade arquitetônica em nações em desenvolvimento" [Invasive Aesthetics: A Manifesto for Reviving Architectural Identity in Developing Nations] 06 Jul 2013. ArchDaily Brasil. (Trad. Baratto, Romullo) Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/01-125618/invasive-aesthetics-um-manifesto-para-reviver-a-identidade-arquitetonica-em-nacoes-em-desenvolvimento> ISSN 0719-8906

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