Uma vez, caminando com os representantes comunitários pela favela da Mangueira, no Rio, o presidente da associação de vizinhos me disse: “Jorge, a Mangueira é muito feia”. Com isso, queria dizer que a demanda pelo embelezamento da comunidade era tão importante quanto a incorporação de infraestrutura adequada, melhores condições de acesso ao lugar, equipamentos de qualidade e habitação.
O tema do direito à beleza como parte componente das demandas a serem contempladas nos projetos de urbanização não é uma coisa de importância secundária. Ao contrário, demonstra que existe nas comunidades, sejam favelas do Rio ou villas de Buenos Aires, ou os diferentes nomes que adquirem ao longo de nosso continente, um desejo genuino de ir mais além do meramente funcional e quantitativo.
Expressa a aspiração a fazer de todas as partes da cidade, incluídas as favelas, lugares capazes de oferecer dignas condições de vida e, ao mesmo tempo, introduzindo beleza como uma questão estrutural, isto é, com tratamentos urbanísticos, arquitetônicos e paisagísticos que resignifiquem os lugares e os transformem em espaços dotados de atributos que os assimilem aos que se destinam à cidade formal. Isto implica que quando se pensam tanto as edificações como os espaços abertos (ruas, praças, áreas esportivas, etc.) como “marcos”, no sentido de Kevin Lynch, não só como orientadores, senão como objetos equivalentes aos da cidade formal, tais como os teatros, centros culturais, museus, etc., além de oferecer serviços de qualidade, constituem peças de alto valor estético e simbólico, independentemente de sua dimensão. Estes objetos e espaços podem ser tanto uma escola, uma biblioteca, um centro de saúde ou uma pequena edificação de apoio como um banheiro e vestiário ao lado do núcleo esportivo, um pequeno centro comunitário, ou muitos outros que vão a representar a presença do público no privado, contribuindo para a reconfiguração do lugar.
Por isso que a responsabilidade estética do que se elabore como encomenda do poder público para as comunidades tenha a dimensão do belo intrinsecamente incorporado. Não é só introduzir os equipamentos, senão fazê-los com todo o nível de elaboração que merecem, como portadores de beleza para o local.
A busca de novas articulações entre ética, estética e política pode contribuir significativamente para redirecionar nosso devir urbano, possibilitando ao sujeito uma ressonância nas sobredeterminações, onde as três dimensões se enlacem sem impor hieraquias. E, nessa perspectiva, o paradigma estético adquire fortes implicações ético-políticas, porque a criação envolve uma responsabilidade da instância criadora com relação à coisa criada, propiciando uma inflexión do estado de coisas.
Política envolve o difícil e instável diálogo com as estruturas de poder; e estética implica sempre o desafio do novo, onde a intuição, esse “princípio de velocidade” do que fala Deleuze, joga um papel central.
Através da elaboração estética, as coisas, os acontecimentos e as ideias recebem novos significados, que contribuem a transformar positivamente o existente. E a psicoanálise nos alerta quanto à ética, quando frente a determinações de todo tipo (econômicas, políticas, sociais, culturais), o ato projetual implica uma posição ética, que, em termos gerais, podemos resumir assim: “é necessário fazer o que deve ser feito”. Porém, esse “dever” é o dever no qual se coloca permanentemente em jogo esse “mais além da demanda”, isto é, o desejo no ato projetual. Por isso, do que se trata em um projeto arquitetônico ou urbanístico não é de agradar como maneira de sedução ou harmonia; em qualquer caso, não é essa a questão fundamental. Trata-se de fazer o que deve ser feito desde o ponto de vista das articulações entre ética, estética e política.
A estética é o que constitui sempre em desafio e o desafio da estética está ligado à produção do novo. “Estase”, palavra grega que significa sensação, é de onde se origina o vocábulo estética, que se refere ao que produz laços, ao que permite sentir juntos alguma coisa; emoção estética, por exemplo.
Assim, podemos dizer que a ética de um arquiteto, no sentido em que está sendo considerada aqui, está intimamente relacionada com sua estética e tem a ver com esse intangível, que é o que transparece da articulação que faz entre projeto (dessin) e as intenções (dessein) para as quais aponta.
A elaboração projetual assim entendida, pressupõe a busca da beleza e implica conceber a realidade do mundo como um “campo expandido”, onde se pode produzir essa apreensão que através da função estética, permita vivenciar uma realidade “outra”.
Sobre o autor: JORGE MARIO JÁUREGUI. http://www.jauregui.arq.br/