Originalmente publicado, por Michael Mehaffy e Nikos Salingaros em Metropolis Mag como "Why Green Often Isn't".
Algo surpreendente acontece nos edifícios ditos "sustentáveis". Ao analisá-los pós-ocupação, eles mostram-se muito menos sustentáveis do que se propuseram a ser. Em alguns casos, saem-se pior que outros mais antigos e sem essa pretensão. Um artigo de 2009 do New York Times, “Some buildings not living up to green label,” discorreu sobre a disseminação do problema com ícones da sustentabilidade. Entre outras razões, o Times apontou para a uso generalizado de vedações envidraçadas extensas e grandes plantas nas quais muito do espaço útil fica longe do exterior, dependendo de iluminação e ventilação artificiais.
Um pouco por conta desta publicidade negativa, a cidade de Nova Iorque instituiu uma nova lei exigindo a verificação do desempenho de edifícios. O que desmascarou muitos outros edifícios icônicos. Outro artigo do Times, “City’s Law Tracking Energy Use Yields Some Surprises,” relatou que o lustroso novo edifício do 7 World Trade Center, certificado LEED Gold, fez apenas 74 pontos na escala Energy Star - um ponto abaixo do mínimo de "alta eficiência". Uma nota modesta que nem compensa significativamente as demandas da construção.
Mais sobre o assunto a seguir.
A situação se agravou em 2010 com um processo [“Ação de 100 milhões de dólares contra LEED e USGBC”] contra o Conselho de Construção Verde dos EUA, criadores do certificado LEED. A alegação era de que o USGBC promoveu "práticas empresariais maliciosas, agenciamento de propaganda enganosa e monopólio" com o LEED e que como o sistema não faz jus à economia de energia que prevê e anuncia, o USGBC teria fraudado prefeituras e entidades privadas. O processo foi arquivado, mas na época o site Treehugger e outros previram, com base nas evidências apresentadas, que "haverá mais litígios do tipo".
O que está acontecendo? Como a busca de sustentabilidade pode resultar no oposto?
Um dos problemas das abordagens sustentáveis é não questionar a tipologia vigente. Ao invés disso, apenas são agregados componentes mais "ecológicos", como sistemas e isolamentos mais eficientes. Mas este conceito de sustentabilidade "agregada", mesmo que tenha sucesso parcial, mantém formas e sistemas estruturais intocados. O resultado é, muitas vezes, um nivelamento dos ganhos com prejuízos imprevistos.
Por exemplo, adicionar instalações elétricas mais eficientes reduz a energia usada e, assim, diminui o custo geral. Mas custos menores tendem a diminuir a preocupação dos usuários com o desperdício - paradoxo estabelecido em 1865, pelo economista inglês William Stanley Jevons. Aumentar a eficiência diminui o custo, o que aumenta a demanda, o consumo e elimina a economia inicial. A lição é que não podemos lidar com o consumo de energia isoladamente. É preciso olhar para o conceito de energia mais amplamente, incluindo a energia incorporada e outros fatores.
Frequentemente existem outras consequências imprevistas. Um caso notável é o do Edifício Gherkin (Foster & Partners, 2003), no qual o sistema de ventilação cruzada foi comprometido quando os moradores, preocupados com questões de segurança, instalaram fechamentos de vidro. Esquadrias móveis, escolhidas por conta da ventilação natural, começaram a cair do edifício e tiveram de ser permanentemente fechadas. O objetivo ambicioso de uma ventilação natural sofisticada paradoxalmente resultou em uma circulação ainda pior.
Nenhum edifício é uma ilha
Outro grande problema é tratar o edifício isolado do contexto urbano. Em um caso infame (“Driving to Green Buildings”), a Chesapeake Bay Foundation mudou sua sede para o primeiro edifício certificado LEED Platinum. Mudando de um edifício antigo no centro de Annapolis, Maryland, para o subúrbio, exigindo maiores gastos com energia e recursos. O funcionário se desloca sozinho para o trabalho - aspecto chamado "intensidade de energia para transporte" - gerando um gasto maior de energia que a economia do prédio.
A teoria da resiliência, discutida no artigo “Toward Resilient Architectures 1: Biology Lessons,” aponta para a natureza do problema. Sistemas podem parecer engenhosos dentro dos seus parâmetros pré-definidos, mas vão inevitavelmente interagir com muitos outros, geralmente de maneiras imprevisíveis e não lineares. É importante almejar uma metodologia de projeto mais "robusta", combinando visões diversas e interligadas, funcionais em escalas diversas, garantindo adaptabilidade precisa dos elementos de projeto.
Mesmo que estes critérios possam parecer abstratos, eles são exatamente as características alcançadas com os métodos ditos "passivos". Edifícios passivos permitem ao usuário ajustar e adaptar as condições climáticas - por exemplo, abrindo ou fechando janelas ou anteparos e aproveitando luz e ventilação naturais. Esses projetos podem ser muito mais precisos. Possuem sistemas que desempenham mais de uma função - como as paredes, que constituem o prédio e também acumulam calor. Possuem sistemas de espaços facilmente reconfiguráveis, mesmo para novos usos, sem grandes investimentos (diferentemente da "planta livre", que nunca foi plenamente realizada). São edifícios polivalentes não comprometidos com um visual popular ou um usuário específico. E talvez o mais importante, não se destacam do contexto e da malha urbana, mas sim trabalham com as escalas da cidade para atingir benefícios em macro e micro escalas.
Às vezes, edifícios antigos funcionam melhor...
Muitos edifícios antigos possuem justamente esta abordagem "passiva", simplesmente porque precisam. Em uma época em que a energia era cara (ou nem sequer existia) e o transporte era mais difícil, os edifícios eram naturalmente mais agrupados nos centros urbanos. Seu formato e orientação exploravam a insolação e tipicamente tinham aberturas menores e melhor posicionadas e paredes estruturais eficientes termicamente.
As formas simples e robustas destes edifícios permitiam configurações quase ilimitadas. Na verdade, muitos dos edifícios comentados hoje são reconversões de construções mais antigas. Os resultados dessa abordagem se refletem em um desempenho energético melhor. Enquanto o 7 World Trade Center de Nova Iorque está abaixo da média de 75 pontos de 100, edifícios mais antigos da cidade saíram-se muito melhor: o Empire State Building tem 80 pontos e o Chrysler Building 84.
Mas apenas ser antigo não é garantia de sucesso. O edifício MetLife/ PanAm (Walter Gropius & Pietro Belluschi, 1963), agora com meio século, pontou meros 39. Outro ícone do período moderno, o Lever House (Skidmore, Owings & Merrill, 1952), teve 20 pontos. O pior desempenho de todos foi o icônico Seagram de Ludwig Mies Van der Rohe, construído em 1958. Sua pontuação foram absurdos 3 pontos. Qual o problema desses edifícios?
Como dito no New York Times, possuem vastas fachadas envidraçadas, grandes aberturas, plantas amplas demais e outras limitações. Fundamentalmente, como hoje se vê com a teoria da resiliência, carecem de vantagens cruciais de tipologias mais antigas. Talvez haja algo inerente a suas tipologias que é ineficiente. A própria linguagem formal poderia ser um problema inato, algo que - de acordo com o pensamento sistêmico - nenhum acréscimo "verde" pode corrigir.
Arquitetura da "Era do Petróleo"
Recentemente, na The Architectural Review, o crítico de arquitetura Peter Buchanan colocou a culpa dessas falhas no próprio projeto modernista e sugeriu que se repense muitas das suas suposições incontestadas [“The Big Rethink: Farewell To Modernism — And Modernity Too”]. O modernismo é intrinsecamente insustentável, afirmou ele, porque evoluiu no início da era dos combustíveis fósseis abundantes e baratos. Esta energia barata movia a comuta às primeiras villas modernistas e mantinha seus grandes espaços aquecidos, apesar das extensões de vidros e paredes esguias. As petroquímicas criaram seus selantes complexos e mantiveram a produção dos seus extrudados exóticos. "A arquitetura moderna é, portanto, uma desperdiçadora de energia, uma arquitetura petroquímica, possível somente quando os combustíveis fósseis são abundantes e acessíveis", afirmou. "Proliferou-se como as cidades espraiadas, pertence a uma era em decadência que os historiadores já chamam de 'Era do Petróleo'".
Buchanan não convoca sozinho a revisão das suposições do projeto Modernista. É tendência entre vários outros arquitetos atuais atacá-lo e defender muitos outros estilos de vanguarda e "Pós-Modernismo". Buchanan agrupa estes estilos em uma categoria que chama de "Pós-Modernismo Desconstrucionista". Mas insiste que estes também não transcendem o paradigma moderno que atacam; ainda operam quase completamente dentro dos pressupostos industriais e de metodologias de engenharia da "Era do Petróleo".
Novamente, a teoria da resiliência pensa sobre as sérias falhas dessas linguagens formais. Ironicamente, este modelo moderno já possui quase um século, pertencendo a uma época de "resiliência imposta" - intrínseca a um sistema, mas que não lida com a interação com outros (como nos transportes urbanos, ou sistemas ecológicos reais).
A linguagem formal Modernista e as suas sucessoras são ligadas a um paradigma de engenharia linear e por isso não podem combinar aproximações sistêmicas e diversas, nem trabalhar em escalas diversas ou garantir uma adaptabilidade aos elementos de projeto - apesar de poder aparentemente fazê-lo. Apesar de alegações dúbias (que remetem a um esforço massivo de propaganda), não podem alcançar o que C. H. Holling chamou de "resiliência ambiental". Isso sugere uma explicação para o desempenho alarmante desses edifícios.
Dessa forma, as várias tentativas vanguardistas de transcender o modernismo parecem mais embalagens exóticas para as mesmas tipologias estruturadoras e métodos industriais não-resilientes. Mas, como Albert Einstein disse: "Um novo tipo de pensamento é essencial para que a humanidade sobreviva e avance". Assim como não é possível atingir a resiliência apenas adicionando novos dispositivos, como painéis solares, aos velhos tipos industriais-Modernistas, não é possível conseguir benefícios significativos com permutas lustrosas e pensamentos ecológicos simbólicos dentro dos mesmos processos de projeto. Precisamos sim de um revisão sobre os mais básicos métodos e sistemas de projeto para o futuro.
A onda do neo-modernismo
Recentemente houve uma notável ressurreição de uma forma de modernismo com ainda menos remorso. Claramente, uma tendência reacionária: parecemos viver um período de volta às raízes que, como tais movimentos, se baseia mais em doutrinas que em evidências. Esse Neo-Modernismo engloba desde os edifícios, interiores e mobiliário cuboides brancos "retrô", vai de interiores até os edifícios e paisagens futuristas. Estilisticamente, as formas são atrativas e muitas vezes bem acabadas e muitos (especialmente arquitetos) claramente gostam delas.
Nem todos, no entanto, parecem ligar para essa estética nova/velha. Alguns acham as estruturas estéreis, feias e desconectadas das suas vizinhanças e cidades. Defensores atacam os críticos chamando-os de não-sofisticados, ou desligados do progresso inevitável de uma cultura dinâmica. Essa batalha de preferências estilísticas continua, clamando pela vanguarda, onde tendem a dominar a mídia, a crítica e as escolas.
É claro, tendências vêm e vão e a arquitetura não é diferente: de certo modo essa é apenas mais uma fase no mais ou menos contínuo embate do Modernismo arquitetônico por quase um século, juntamente a debates sobre seus méritos estéticos. Esses debates nunca cessaram de fato. Críticos como Buchanan não surgiram agora: nos anos 1960 e 1970 críticos como Christopher Alexander, Peter Blake, Jane Jacobs, David Watkin, e Tom Wolfe dedicaram-se à questão, mas pouco mudou.
O que mudou, entretanto, é que agora perguntamos novas questões urgentes sobre a resiliência desse tipo de estrutura, em um momento no qual precisamos rigorosamente verificar e aumentar esse fator. Como a discussão sugere, não são as caras paredes envidraçadas, grandes e transparentes edifícios e combinações exóticas dependentes de derivados do petróleo que estão na raiz do problema. Talvez seja a própria ideia de edifícios como ícones da novidade - uma ideia essencialmente Modernista - que é posta em cheque com a sustentabilidade.
Conforme envelhecem, esses edifícios são destinados a serem menos novos e, portanto menos úteis. As imaculadas superfícies Modernistas (e Pós-Modernistas) estão destinadas a se desfigurar e deteriorar. As novidades chamativas de uma era tornam-se as monstruosidades abandonadas da próxima, uma perda inevitável para uma elite egocêntrica fissurada nas modas correntes. Enquanto isso, o modesto e humano critério do design resiliente é deixado de lado, na pressa de abraçar as tecnologias mais espalhafatosas - que produzem ondas desastrosas de falhas insuspeitas. Este, claramente, não é o caminho para um futuro sustentável.
Modernismo é mais que um estilo
Todavia, por que a linguagem formal e as metodologias de projeto Modernistas teimam em persistir? A resposta é que o Modernismo não é meramente um estilo que alguém possui ou não. É uma parcela compreensível e totalizante de um projeto de estética, tectônica, urbanismo, tecnologia, cultura e, em última instância, civilização. Esse projeto teve um profundo impacto no desenvolvimento do saldo moderno, para o bem ou para o mal, e (especialmente à luz da teoria da resiliência) contribuiu grandemente para o estado atual das nossas cidades e sociedade.
As origens do modernismo arquitetônico estão intensamente ligadas aos objetivos progressistas do começo do século XX e os ideais humanistas - mesmo a veia utópica - de visionários bem intencionados da época. Esses indivíduos viram uma capacidade promissora na nascente tecnologia industrial de promover uma era de prosperidade e qualidade de vida. Líderes crédulos foram cativados pelas aparentemente infinitas possibilidades da utopia tecnológica. A partir disso elaboraram, mesmo que surpreendentemente mal, em alguns pontos, uma teoria sobre novas tectônicas e teorias necessárias para a civilização futura. Seus seguidores atuais ainda argumentam que o Modernismo é, inquestionavelmente, o mais preparado para elaborar a sustentabilidade.
Muitas coisas realmente melhoraram neste regime tecnológico, evidentemente, e hoje podemos curar doenças, reduzir os trabalhos pesados, comer alimentos exóticos, viajar rápida e confortavelmente e muitas outras coisas que surpreenderiam nossos antepassados. Mas, simultaneamente, destruímos nossos recursos e criamos um estado calamitoso, erodindo a base que sustenta toda a economia e qualquer forma de vida. Então hoje, em uma era de crises convergentes, é válido nos questionarmos sobre as suposições daquele regime industrial - e a cumplicidade da arquitetura Modernista como um dos seus brilhantes adornos.
A história remete a um notável e pequeno grupo de escritores, teóricos e práticos do início do século XX, especialmente o arquiteto austríaco Adolf Loos. Precisaremos olhar mais atentamente para essa história - e o que seu legado corrente significa para nós e nossos grandes desafios dos dias de hoje.
Michael Mehaffy é urbanista e pensador da complexidade no espaço construído. Exerce a profissão de planejador e construtor e é conhecido por seus vários projetos bem como seus escritos. Tem trabalhado em associação com o arquiteto e pioneiro no uso de softwares Christopher Alexander. É pesquisador associado do Center for Environmental Structure, centro de pesquisa fundado por Alexander em 1967, e Diretor Executivo da Sustasis Foundation, ONG de Portland dedicada ao desenvolvimento e aplicação de ferramentas para o desenvolvimento de bairros sustentáveis e resilientes.
Nikos A. Salingaros é matemático e polímata conhecido por seu trabalho em teoria urbana, teoria arquitetônica, teoria da complexidade e filosofia do design. Tem sido um colaborador do arquiteto pioneiro nos softwares computacionais Chistopher Alexander. Salingaros publicou pesquisas extensas em Álgebra, Matemática Física, Campos Eletromagnéticos e Fusão Termonuclear antes de dedicar-se a Arquitetura e Urbanismo. É professor de matemática da University of Texas at San Antonio e da faculdades de arquitetura na Itália, México e Holanda.