O lançamento, em 2010, do “Boris Bike” - esquema de compartilhamento de bicicletas de Londres, em homenagem ao prefeito Boris Johnson - foi a indicação mais clara até agora de que o ciclismo já não se reduz a uma minoria de fanáticos, mas um modo saudável, eficiente e sustentável de transporte que planejadores urbanos devem utilizar em seu arsenal. Existem hoje mais de 8.000 bicicletas e 550 estações de compartilhamento no centro de Londres. E este comportamento não é limitado à cidade: segundo o Wikipedia, existem 535 sistemas deste tipo em 49 países, utilizando mais de meio milhão de bicicletas em todo o mundo.
No entanto, a verdadeira questão é: será que as bicicletas realmente mudam a cidade? Será que isso resultará em novas formas urbanas ou, como o título do novo livro do acadêmico australiano Dr. Steven Fleming prevê, uma "Cycle Space"? Como Fleming, acredito que sim. Acredito que o ciclismo pode ser o catalisador para um renascimento urbano no século 21.
Leia como, a seguir...
Recentemente, fiquei quatro semanas fora do escritório para pedalar de Chicago à Nova York e visitar as cidades ao longo do caminho. Minha viagem de 1.300 milhas fazia parte de uma expedição em grupo chamada P2P, que saiu de Portland, Oregon até Portland Place, em Londres (leia mais sobre isso na portlandtoportland.org). O objetivo foi relatar, de volta ao Reino Unido e Londres, a cultura da cidades voltadas ao ciclismo americanas e as iniciativas políticas que estão surgindo nos Estados Unidos.
O que nos impressionou foi a velocidade do progresso. Quando estávamos em Chicago no final de junho, a cidade lançou seu próprio esquema de compartilhamento de bicicletas. Nova York já possui um. As estações de compartilhamento trazem infraestruturas cicloviárias tangíveis às ruas da cidade. Ciclofaixas e ciclovias segregadas começaram a proliferar. Ferrovias abandonadas estão sendo aproveitados como trilhas de lazer e, em alguns casos, vem funcionando bem para os viajantes também. Indianapolis terminou recentemente sua “Trilha Cultural", um ciclo de transporte ativo que liga os cinco distritos centrais da cidade.
No final de minha viagem, ocorreu-me que esta explosão no ciclismo, deve ser inserida em um contexto histórico, a fim de permitir que os políticos e o público reconheçam a dimensão da oportunidade e a mudança que isso pode trazer às nossa cidades e vidas.
Como exemplo, peguemos Londres em 1667, um ano após o grande incêndio de 1666. Uma lei do Parlamento foi sancionada, para assegurar que os edifícios fossem construídos de tijolos e não de madeira (uma lei que antecedeu o fogo, mas que não havia sido executada). Claro, o fogo e a devastação resultante significaram que grande parte de Londres teve de ser reconstruída, e que essas construções seriam de tijolos.
No século XX, o modernismo de Le Corbusier acabou por ter um impacto monumental nas ruas e no skyline de Londres. Novamente, o catalisador foi, em partes, um desastre - os estragos produzidos pela Guerra e a necessidade de reconstrução rápida - e a solução foi política. As casas geminadas em ruínas, com seus quintais e latrinas foram associadas com a pobreza e as condições precárias de vida. Modernidade e a produção em massa de casas demonstraram otimismo, e um compromisso com aqueles que haviam sobrevivido à guerra. Foi uma dimensão tangível do Estado de Bem Estar recém-criado.
Claro que o modelo tabula rasa não era necessário. Foi ideológico. Mas trouxe consigo apartamentos com cozinhas equipadas, lavatórios e banheiros. Isto levou à gentrificação gradual das ruas restantes. Banheiros internos foram montados, e dormitórios e copas foram convertidos em banheiros e cozinhas no estoque de habitações remanescentes do século 19.
Mas é o trabalho de Joseph Bazalgette, o engenheiro-chefe do Conselho Metropolitano de Obras, que se destaca para mim - não apenas por sua contribuição com a saúde pública, mas também para seus potenciais paralelos ao espaço para o cliclsmo ("Cycle Space"). Durante a maior parte de sua história, Londres tinha sido associada a condições precárias de vida e doenças. No final dos anos 1850, a escala da cidade foi piorando as coisas: o esgoto de Londres era depositado no rio Tâmisa, de onde a água potável da cidade estava sendo recolhida. A solução de Bazalgette foi construir uma série de esgotos que correriam paralelos ao Rio, ao norte e ao sul deste, coletando o esgoto e garantindo que a água retirada do rio fosse realmente potável.
Essa façanha monumental de engenharia nos oferece o melhor precedente para o impacto que a bicicleta pode ter em Londres ou em qualquer cidade. As bicicletas nos oferecem, pela primeira vez em mais de um século e meio, a oportunidade de construir uma infraestrutura que trará consigo melhorias significativas de saúde pública. Em nosso mundo centrado nos automóveis, temos níveis sem precedentes de problemas de saúde - obesidade, diabetes, etc - todos associados com os nossos estilos de vida sedentários. O ciclismo deve significar uma população mais apta e uma maior expectativa de vida, o que aliviaria gastos dos Sistemas Públicos de Saúde e traria enormes benefícios econômicos. Além de reduzir, também, o consumo de energia.
Do ponto de vista de um arquiteto, porém, a questão permanece: como as cidades "pedaláveis" devem parecer?
O dia do funeral de Margaret Thatcher, na Catedral de St.Paul me deu uma indicação. Por razões de segurança, grande parte da Square Mile foi fechada ao tráfego de veículos e as ruas foram preservadas para os pedestres e ciclistas. O que me lembro daquele dia foi a sensação de calma, como era silencioso, e como a rua parecia realmente amigável. Por um breve momento, a esfera pública foi excepcionalmente diferente. Imaginem: embora possa não ser possível proibir o carro de imediato, deveria ser possível manter fora os veículos pesados e vans de entrega durante o dia, quando o seu impacto sobre o ambiente físico e a segurança de pedestres e ciclistas é mais evidente.
Imagine que os pontos de compartilhamento de bicicletas fora das estações de trem e em espaços públicos estratégicos possam incorporar estacionamentos de bicicletas particulares. Assim, a cidade cicloviária traria consigo um novo tipo de construção - os bicicletários de vários andares. Fietsenstalling, um grande bicicletário, nos arredores da estação Central de Trem de Amsterdam, com suas plataformas de aço suspensas sobre o canal, é um modelo exemplar. Sua presença é muito didática e persuasiva.
E imagine se - em vez das atuais ciclofaixas londrinas, atualmente apenas faixas azuis pintadas no canto das vias de automóveis - as cidades e vilas de Londres estivessem conectadas por uma série de rotas segregadas de transporte ativo? O que estas poderiam parecer? Um esquema que nosso escritório projetou para um concurso em 1998 pode servir como um bom modelo. Na época, o “Park + Jog” foi tratado como uma curiosidade; ainda que o descrevemos como um "esquema utópico". Mas, hoje em dia, parece cada vez menos fantasioso.
Imaginamos um trecho de 1 quilômetro de pistas duplas entre a Universidade de Salford e o centro da cidade de Manchester como um parque linear (com 4 pistas). Uma delas seria coberta de grama, outro um canal de água, outra com areia e a último como uma pista de corrida. Os usuários deixariam seus automóveis em um estacionamento de vários andares, denominado Car (P)Ark. O intercâmbio incluía também uma estação de trem suburbano, estações de aluguel de bicicletas, estábulos, uma garagem de barcos e vestiários. Do Car (P)Ark os usuários iriam à leste para caminhar, correr, andar de bicicleta, patins, fazer equitação, natação e remo. Ele terminaria no Suit Park, onde seria possível tomar banho, trocar-se e tomar um café. Oito horas depois, a caminho de casa, os passageiros depositariam suas roupas e voltariam através do Parque, para recolher seus automóveis ou pegar um trem. O esquema pode ser estendido para cada uma das vias radiais em Manchester e os intervalos destes Parques poderiam estar conectados, completando uma infraestrutura verde abrangente.
O que é notável sobre estes parques é o impacto positivo que podem ter em suas vizinhanças, especialmente quando se consideram as alternativas. Com as estradas, seja uma via dupla ou uma rua local, sempre vem o tráfego pesado, barulho e poluição, às custa daqueles que vivem e trabalham em torno delas. Há rodovias em perímetros urbanos que renunciam às lojas, cafés e restaurantes, elementos que geram uma vida urbana. Na escala das vias duplicadas, a A40, que rasga a região oeste de Londres, ilustra bem os malefícios à cidade. Esta avenida residencial da década de 20 transformou-se em uma zona pobre em volta de uma estrada congestionada. Estas zonas carecem da "densidade" do centro da cidade e do espaço dos subúrbios. E, a cada onda sucessiva de desenvolvimento de Greenfield, contribui-se para a expansão deste espaço pouco atrativo.
Rotas de transporte ativo e parques lineares, por outro lado, regeneram seus arredores, trazendo atividade e valor para as áreas carentes da cidade. Também alteram radicalmente a situação política para o subúrbio e seus inevitáveis deslocamentos diários. Claro que, a criação dessas redes verdes não deve ser às custas dos motoristas. Em 10 de Julho, Peter Hendy, da Comissão de Transportes de Londres, lançou um estudo para a cidade, prevendo o enterramento de seções dos anéis viários Norte e Sul, além de trechos da rodovia próxima ao Tamisa. A iniciativa criaria parques lineares na superfície, como fez o Big Dig em Boston.
Embora originalmente concebido para Manchester, acredito que o Park+Jog poderia ser adaptado a qualquer cidade no mundo e servir de exemplo de como tais espaços poderiam lançar as bases ideológicas para mudar nossas cidades para melhor. Combinando novos métodos de transporte que incentivam os princípios de um estilo de vida saudável com as tradicionais vias pode-se elevar os valores da terra, atrair investimentos e ativar o ambiente urbano. A revolução social que Bazalgette ofereceu a Londres no século 19, as bicicletas podem trazer, não só para Londres, mas para cidades de todo o mundo, no século 21.
Simon Henley é professor, autor do livro bem recebido A Arquitetura de estacionamento (The Architecture of Parking), e co-fundador do estúdio londrino Henley Halebrown Rorrison (HHbR). Sua coluna, London Calling, observa o cotidiano de Londres e sua realidade, sua cultura arquitetônica e seu papel como um centro global; acima de tudo, explora como Londres está influenciando projetos em todos os lugares, ao mesmo tempo que vem sendo desafiada a partir de dentro. Você pode segui-lo @ SiHenleyHHbR e ser um fã de sua página no Facebook, HHbR Architecture.
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